Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 05/10/2010
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Paciente de 35 anos de idade do sexo masculino, antecedente de hemofilia, história de queda da própria altura sem trauma craniano, evoluindo com hemartrose bilateral. Qual é a conduta?
A hemostasia é o conjunto de mecanismos fisiológicos que mantêm o sangue no estado fluido dentro dos vasos, evitando ou reduzindo seu extravasamento quando ocorre uma lesão vascular, e restabelecendo a luz do vaso após a reparação do tecido lesado. As alterações da hemostasia podem ser divididas em:
• alterações da hemostasia primária: relacionadas às alterações plaquetárias;
• alterações da hemostasia secundária: relacionadas às coagulopatias.
Entre as alterações da hemostasia primária, há condições como a doença de Von Willebrand. Aqui, temos um paciente com hemorragia importante, com hemartrose que não poderia ser justificada por uma alteração primária. A partir deste caso, será comentada a a abordagem do paciente com uma das formas de coagulopatias, que é são as hemofilias.
As manifestações clínicas da doença dependem do tipo de coagulopatia. A Tabela 1 cita os exames utilizados para o diagnóstico e monitoração destes pacientes.
Tabela 1. Exames utilizados para diagnóstico e monitoração dos pacientes portadores de coagulopatias
Testes |
Significado |
Tempo de protrombina (TP) |
Avalia a via extrínseca, alterando-se nas deficiências dos fatores VII, X, V, II ou fibrinogênio ou quando da presença de inibidores. |
Tempo tromboplastina parcial ativado (TTPA) |
Avalia a via intrínseca, alterando-se nas deficiências dos fatores XI, IX, VIII, X, V, II ou fibrinogênio ou quando da presença de inibidores. Sensível à presença de heparina. |
Tempo de trombina (TT) |
Prolongado nas deficiências de fibrinogênio e na presença dos produtos de degradação do fibrinogênio/fibrina. Muito sensível à presença de heparina. |
Fibrinogênio |
Fornece quantificação dos níveis plasmáticos do fibrinogênio. |
Produtos de degradação fibrina/fibrinogênio (PDF) |
Avalia a presença de fibrinólise e/ou fibrinogenólise |
Dímero-D |
Avalia a ocorrência de lise da fibrina estabilizada |
A hemofilia A (hemofilia clássica) e a hemofilia B (doença de Christmas) são doenças hemorrágicas hereditárias, que decorrem de anormalidades quantitativas ou funcionais (moleculares) dos fatores VIII e IX, respectivamente. A hemofilia A corresponde a 80% dos casos.
As hemofilias caracterizam-se clinicamente pelo aparecimento de manifestações hemorrágicas que ocorrem após traumatismos de intensidade mínima. Contudo, muitos sangramentos peculiares das hemofilias, como as hemartroses e os sangramentos musculares, acontecem comumente sem associação com traumatismos evidentes. A frequência e a gravidade do quadro hemorrágico geralmente são proporcionais à intensidade da deficiência do fator VIII ou IX. Assim, as hemofilias A e B são classificadas em:
• graves: quando os níveis plasmáticos do fator VIII ou IX são inferiores a 1%;
• moderadas: quando estes valores encontram-se entre 1 e 5%;
• leves: quando os valores estão entre 5 e 30%.
A reposição com concentrados de fator da coagulação é o componente mais importante do tratamento do hemofílico, embora o emprego do DDAVP possa tornar desnecessária esta modalidade terapêutica, nos pacientes com hemofilia A leve ou moderada.
O tratamento, portanto, é realizado com a reposição do fator de coagulação deficiente. O uso de plasma fresco congelado apresenta como desvantagem a necessidade de infundir grandes volumes para obter e manter os níveis hemostáticos mínimos do fator VIII e do fator IX, além da possibilidade, embora pequena, da transmissão de doenças veiculadas pelo sangue e seus derivados. O crioprecipitado também pode ser empregado para a obtenção de níveis plasmáticos normais do fator VIII, porém apresenta os inconvenientes de precisar ser mantido congelado e de sua quantidade de fator VIII ser somente estimada.
Diferentes concentrados liofilizados comerciais de fator VIII são disponíveis na atualidade, obtidos a partir de plasma humano, os quais são submetidos a processos físicos e químicos (pasteurização, calor seco, calor úmido, solvente/detergente, nanofiltração), visando à inativação de vírus com e sem envelope lipídico.
O cálculo da dose necessária de fator para se obter o nível hemostático desejado é baseado na seguinte fórmula:
Dose de fator VIII (U) = - peso X aumento desejado do FVIII (U/dL)
2
A dose de fator IX a ser usada também é dependente de uma fórmula específica, conforme segue:
Dose de fator IX (U) = peso X aumento desejado no nível plasmático do fator IX (U/ dL).
A Tabela 2 sumariza a necessidade de reposição de fatores de coagulação em diferentes situações em pacientes hemofílicos.
Tabela 2.
Local da hemorragia |
Nível de fator (UI/dL) |
Dose inicial (UI/kg) |
Frequência das doses (horas) |
Duração (dias) | |
|
|
Fator VIII |
Fator IX |
|
|
Hemartrose |
30 a 50 |
15 a 25 |
30 a 50 |
24 |
1 a 2 |
Hematoma muscular |
30 a 50 |
15 a 25 |
30 a 50 |
24 |
1 a 2 |
Epistaxe |
30 a 50 |
15 a 25 |
30 a 50 |
24 |
Até resolução |
Hemorragia digestiva |
50 |
15 a 25 |
30 a 50 |
12 a 24 |
Até resolução |
Língua / Retrofaringe |
80 a 100 |
40 a 50 |
80 a 100 |
12 |
7 a 10 |
Hemorragia SNC |
80 a 100 |
40 a 50 |
80 a 100 |
12 |
7 a 10 |
Hematúria |
30 a 50 |
15 a 25 |
30 a 50 |
24 |
Até resolução |
Pequenas hemorragias |
20 a 30 |
10 a 15 |
20 a 30 |
24 |
Até resolução |
DDAVP e medicações antifibrinolíticas também podem ser usadas nestes pacientes e em outras condições que serão discutidas oportunamente, em outros textos.
Reposição dos fatores de coagulação em pacientes com deficiência.
Tratamento da hemofilia A.
Já especificados na Tabela 2.
Reações locais, como eritema, ocorrem em apenas 0,36% dos casos. Alterações sistêmicas, como tonturas e náuseas, também são raras.
Administrado por unidades.
Monitorar fator anti-hemofílico antes e depois da administração.
Classe C.
Nenhuma descrita.
Reposição dos fatores deficientes.
Tratamento da hemofilia B.
Já descrito na Tabela 2.
Cefaleia, tonturas, mal-estar inespecífico podem ocorrer. Reações urticariformes são raras.
Prescrito em unidades.
Sem indicações específicas.
Classe C.
Nenhuma significativa descrita.
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