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Glomerulonefrite Difusa Aguda GNDA

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 19/04/2011

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QUADRO CLÍNICO

Paciente de 13 anos de idade, sexo masculino, com história de edema em região de olhos e membros inferiores há cerca de 2 semanas, chegou a usar anti-histamínico como tratamento empírico de angioedema. Há 7 dias apresenta urina avermelhada e progressivamente em menor quantidade. Teve quadro de faringite há cerca de 3 semanas:

 

       Pressão arterial: 150 x 90 mmHg.

       Frequência cardíaca: 86 bpm.

       Aparelho respiratório: MV+, sem RA.

       Aparelho cardiovascular: 2BRNF, sem sopros.

       Trato gastrointestinal: plano, flácido, RHA+, DB negativo.

       Membros inferiores: pulso +, edema ++/4.

 

COMENTÁRIOS

Paciente com quadro de edema tanto em região de olhos e membros inferiores, apresenta-se ainda com valores pressóricos elevados para idade e achado de urina escurecida e em quantidade diminuída. Considerando-se tais achados, a principal hipótese é de glomerulonefrite, o que sugere, portanto, uma síndrome nefrítica, cujas características são:

 

       presença da tríade hematúria, HAS e oligúria;

       pacientes podendo apresentar edema como pacientes com síndrome nefrótica, embora em geral, em menor intensidade e secundários a hipervolemia e não a hipoalbuminemia;

       alteração da função renal pode ocorrer durante a evolução; caso haja perda rápida com evolução para disfunção renal em poucas semanas ou meses, pode ser caracterizado o quadro chamado de glomerulonefrite rapidamente progressiva.

 

Inicialmente, foram solicitados os seguintes exames:

 

       urina 1: hematúria com dismorfismo eritrocitário com proteinúria discreta;

       ureia: 40 mg/dL;

       creatinina: 1 mg/dL;

       proteinúria de 24 horas: 1,1 g/24 horas.

 

Os exames confirmam presença de hematúria glomerular (caracterizada por dismorfismo eritrocitário) sem proteinúria significativa, o que confirma o diagnóstico de síndrome nefrítica.

A síndrome nefrítica cursa com intensa inflamação e proliferação glomerular tanto de células do próprio glomérulo, quanto de células inflamatórias infiltrantes extraglomerulares.

Várias etiologias são associadas e incluem:

 

1.   Causas pós-infecciosas: pós-infecção estreptocócica principalmente piodermites e amigdalites, infecções virais, endocardite, abscessos viscerais etc.

2.   Secundária a deposição de complexos imunes: lúpus eritematoso sistêmico, nefropatia por IgA.

3.   Secundária a vasculites sistêmicas: granulomatose de Wegener, poliangeíte microscópica.

4.   Secundária a deposição de anticorpos: doença de Goodpasture (anticorpos anti-MBG).

5.   Idiopáticas.

 

Alguns autores dividem as glomerulonefrites de acordo com os níveis séricos de complemento. Essa divisão está sumarizada abaixo:

 

1.   Complemento diminuído:

       pós-estreptocócica;

       lúpus eritematoso sistêmico;.

       crioglobulinemia;

       glomerulonefrite membranoproliferativa;

       glomerulonefrite associada a endocardites e associadas a shunt.

 

2.   Complemento normal:

       vasculites sistêmicas;

       doença de Berger (nefropatia por IgA);

       púrpura de Henoch-Schönlein (variante da nefropatia por IgA);

       doença de Goodpasture (anticorpos anti-MBG).

 

Alguns exames podem ser solicitados para avaliação destes pacientes e incluem:

 

       urina 1: hematúria com dismorfismo eritrocitário, proteinúria usualmente discreta. Leucocitúria discreta e estéril pode ocorrer;

       pesquisa de dismorfismo eritrocitário;

       complemento sérico com frações C3 e C4: ajuda a diferenciar entre as causas de glomerulonefrite;

       dosagem de crioglobulinas e sorologias para hepatite B e C;

       FAN e anticorpo anti-DNA;

       pesquisa de ANCA, em particular a dosagem de antiproteinase 3n(ANCA-c) e antimieloperoxidase (ANCA-p);

       anticorpo antimembrana basal glomerular;

       hemoculturas e ecocardiograma transesofágico para pesquisa de endocardite.

 

Este paciente em específico está em faixa etária que sugere o diagnóstico de glomerulonefrite difusa aguda pós-infecciosa, no caso provavelmente estreptocócica. A glomerulonefrite pós-estreptocócica ainda é uma das causas mais comuns de glomerulonefrite no mundo, ocorrendo principalmente em países em desenvolvimento (97% dos casos), com incidência anual de 9,5 a 28,5 casos a cada 100.000 habitantes por ano.

As duas maiores etiologias de glomerulonefrite pós-infecciosa são os estreptococos e os estafilococos. Cursam com rápida instalação de edema, HAS, oligúria em geral associada a proteinúria importante, por vezes até mesmo nefrótica, e sódio urinário usualmente baixo. Em geral, ocorre de 10 a 14 dias após faringites, que é o grande diagnóstico diferencial com a nefropatia por IgA, que, por sua vez, aparece concomitantemente ou poucos dias após a infecção de vias aéreas superiores.

A GNDA pós-faringite é causada por cepas nefritogênicas do S. pyogens, podendo ocorrer também após infecção cutânea pelo mesmo agente. É uma doença frequentemente de crianças e adultos jovens; existem vários casos em que a infecção é assintomática. Ocorre deposição de imunocomplexos em rins com consumo de complemento em particular C3 e C4 que usualmente normalizam em 6 meses.

Os achados patológicos incluem:

 

1.   Glomérulos aumentados de tamanho por conta da hipercelularidade (infiltração maciça de monócitos e polimorfonucleares). Raramente os doentes evoluem para formação de crescentes (GN rapidamente progressiva); neste caso, usualmente apresentam lesões endocapilares e extracapilares.

2.   Imunofluorescência (IF): depósitos granular, grosseiro de C3, IgG e IgM.

       Microscopia eletrônica (ME): depósitos subepiteliais, eletrodensos, ao longo da membrana glomerular, lembrando humps de camelos.

 

Algumas proteínas específicas são as principais suspeitas de terem relação causal com o desenvolvimento da glomerulonefrite, que são o NAPir, que é o “receptor de plasmina associado a nefrite” e a exotoxina estreptocócica tipo B.

O diagnóstico é sugerido pela presença de uma síndrome nefrítica aguda (edema, proteinúria, hematúria, hipertensão) cerca de 1 a 2 semanas após uma infecção estreptocócica de garganta ou 2 a 3 semanas após infecção de pele. Um painel de anticorpos antiestreptococos costuma ser positivo em 95% dos doentes pós-faringite e 85% pós-infecção de pele (antiestreptolisina O; anti-hialuronidase; anti-DNAse; antiestreptoquinase etc.). A hematúria pode ser microscópica com hematúria macroscópica importante relatada apenas em 30 a 50% dos pacientes. Estes muitas vezes referem a urina como apresentado coloração de chá ou “coca-cola”. O edema é generalizado, ocorrendo em cerca de 2/3 dos pacientes. Em casos severos, pode ocorrer congestão pulmonar e edema agudo de pulmão, associado com retenção de sódio e água e apresentando pouca relação com a proteinúria. A HAS ocorre em 50 a 90% dos pacientes, variando de leve a severa com raros casos de encefalopatia por HAS descritos. A proteinúria nestes pacientes apresenta níveis nefróticos em apenas 5% dos casos. Cilindros hemáticos podem ocorrer e piúria é frequente.

Em geral, as diferentes manifestações têm tempos de duração diferentes; por exemplo, a hematúria costuma se resolver em 3 a 6 meses, já a proteinúria se resolve de forma mais lenta e 15% dos pacientes podem ter proteinúria discreta em 3 anos, enquanto 2% mantêm esta proteinúria mesmo após 7 a 10 anos.

Os níveis de complemento diminuem na fase aguda, tanto do complemento total como da fração C3, em cerca de 90% dos casos durante a fase aguda, que é representada pelas primeiras 2 semanas de doença. Os níveis de C4 e C2 são usualmente normais ou pouco diminuídos, porém, a doença é autolimitada, com normalização da pressão arterial e recuperação da função renal em semanas; proteinúria e hematúria podem demorar mais tempo para normalizar.

As culturas swab da orofaringe são usualmente negativas (menos de 25% de positividade), pois a glomerulonefrite ocorre cerca de 2 semanas após a infecção estreptocócica. Em pacientes com impetigo, a possibilidade de cultura positiva é maior.

Alguns autoanticorpos contra produtos extracelulares estreptocócicos podem ser dosados com positividade em 95% dos pacientes com glomerulonefrite pós-faringite e em 80% das infecções de pele. Tais anticorpos incluem antiestreptolisina (ASLO), anti-hialuronidase, antiestreptoquinase, antinicotinamida-adenina-nucleotidase (anti-NAD), anti-DNAse.

Usualmente, biópsia renal não é indicada, pois a história clínica é típica e o quadro usualmente se resolve em 1 semana. Quando outros diagnósticos são considerados, a evolução é atípica ou não existe história clara de infecção estreptocócica.

São possíveis indicações de biópsia:

 

       níveis persistentemente baixos de C3 após 6 semanas (sugestivos de glomerulonefrite membranoproliferativa);

       episódios recorrentes de hematúria (sugestivos de nefropatia por IgA e raros na GNDA);

       aumento progressivo de creatinina sérica (pode ocorrer em alguns pacientes com GNDA, mas é incaracterístico).

 

O tratamento é de suporte, não existindo tratamento específico para GNDA. Também não existem evidências de que terapia imunossupressiva, mesmo em pacientes com glomerulonefrite crescêntica, seja efetiva. O manejo costuma ser sintomático da hipertensão, retenção de fluidos e, em alguns casos, de insuficiência renal. Menos de 5% dos casos podem evoluir com glomerulonefrite rapidamente progressiva. Usualmente recomenda-se dieta hipossódica, uso de diuréticos de alça como furosemida na dose usual de 1 mg/kg e dose inicial máxima de 40 mg, a qual pode ser aumentada conforme a necessidade clínica. Em pacientes hipertensos, mesmo em uso de diuréticos, pode-se usar inibidores da ECA ou inibidores da AT2.

Alguns autores preconizam pulsoterapia com metilprednisolona 1 g/3 dias em pacientes com perda de função renal e com mais de 30% de crescentes na biópsia renal.

 

PRESCRIÇÃO

Prescrição

Comentário

Dieta hipossódica com restrição hídrica de 800 a 1.000 mL/dia (em adulto)

A principal complicação destes pacientes é o edema por retenção de sódio e água, portanto, a restrição de sódio e água é necessária.

Furosemida 20 mg EV a cada 12 horas

A furosemida pode ajudar a controlar o edema. A dose inicial não deve ultrapassar 40 mg, em média 1 mg/kg.

Captopril 6,25 mg VO a cada 8 horas

Usado para ajudar no controle dos níveis pressóricos, também pode ajudar a diminuir a proteinúria. Não é necessário se paciente não está hipertenso. Início usualmente em doses baixas para não diminuir significativamente a taxa de filtração glomerular.

Em casos de exceção:

 

Metilprednisolona 1 g EV, diluído em 250 a 500 mL de salina fisiológica por 3 dias

Sem benefício claro em estudos. Alguns autores advogam seu uso em pacientes com alteração de função renal e mais de 30% de crescentes na biópsia renal.

 

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