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Monoartrites

Autores:

Josélio Freire de Carvalho

Professor Colaborador da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP.
Médico Assistente Doutor do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Clovis Artur Almeida da Silva

Professor Livre-docente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP.
Médico Responsável pela Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Última revisão: 17/07/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

Artralgia é uma queixa frequente caracterizada por dor articular, habitualmente difusa em toda a articulação, sem alterações ao exame físico.

Artrite é caracterizada pela presença de derrame articular e/ou pela presença de dois ou mais dos seguintes sinais: dor à palpação e/ou dor à movimentação, calor e limitação. Por sua vez, o comprometimento periarticular (tendinites, bursites, entesites, lesões ligamentares e/ou meniscais) pode manifestar-se por dores localizadas, podendo simular artralgia ou artrite.

As artrites podem ser classificadas quanto ao tempo de duração em: agudas (tempo de evolução < 6 semanas) e crônicas (tempo de evolução > 6 semanas) (Tabela 1).

 

Tabela 1: Causas de monoartrites agudas e crônicas

monoartrites Agudas

Monoartites Crônicas

Artrite séptica

Artrite tuberculosa

Artrite microcristalina (pseudogota, cristais de apatita, oxalato de cálcio e colesterol)

Artrite fúngica, micobactérias atípicas, Lyme, HIV

Artrite traumática

Sinovite vilonodular pigmentada

Febre reumática inicial

Neoplasias ósseas ou periarticulares

 

Osteonecrose asséptica

monoartrites Recorrentes

Hemartrose

Gota

Condromatose sinovial

Artrite microcristalinas

Sarcoidose

Hidrartrose intermitente

Sinovite por corpo estranho

Reumatismo palindrômico

Artrite reumatoide monoarticular

 

Monoartrite na osteoartrite

 

Artropatia de Charcot

 

ACHADOS CLÍNICOS

A faixa etária é um fator importante para se conhecer a causa da artrite. Na faixa etária pediátrica, deve-se pensar sempre como primeira hipótese na artrite séptica. A febre reumática ocorre predominantemente entre 5 e 15 anos de idade. Na adolescência e em adultos jovens, assume importância a fase séptica da artrite gonocócica e hemoglobinopatias. Nos pacientes idosos, as artrites microcristalinas são comuns.

O exame físico geral e específico sobre todos os sistemas deve ser realizado, e deve ser dada ênfase sobre algumas estruturas. É fundamental dar atenção aos seguintes aspectos:

 

Localização Anatômica da Artrite

A estrutura articular acometida pode ser de auxílio na elucidação diagnóstica. O acometimento da primeira articulação metatarsofalangeana (podagra) é típica da gota. Nos adultos, a artrite séptica acomete preferencialmente o joelho e, na faixa etária pediátrica, a articulação coxofemoral. A articulação do joelho também é o local de escolha para a sinovite vilonodular pigmentada. Os punhos ou os joelhos são comprometidos pela artrite gonocócica com mais frequência. O acometimento da articulação temporomandibular ocorre mais na artrite reumatoide (AR) e na artrite idiopática juvenil (AIJ), bem como o comprometimento das articulações costocondrais e esternocondrais na síndrome de Tietze e nas espondiloartropatias.

 

Diferenciar Acometimento Articular de Acometimento dos Tecidos Periarticulares

É fundamental a diferenciação inicial no exame físico entre comprometimento da estrutura articular ou da região periarticular.

No caso de comprometimento articular, a dor e o edema são difusos, pode haver derrame e há diminuição na amplitude tanto dos movimentos ativos como passivos da articulação acometida. A dor periarticular, por sua vez, é localizada à palpação em estrutura como ligamentos, tendões e bursas superficiais nos casos de envolvimentos de tais estruturas.

 

Presença de Sinais Flogísticos

Na presença de rubor sobre a articulação, deve-se ter em mente duas entidades principais: artrite séptica e artrite microcristalina. Esse é o sinal de expressão maior de um processo inflamatório, coincidindo com as doenças emergenciais em reumatologia. Na pediatria, as leucoses e a febre reumática também podem produzir esse sinal clínico, assim como podem causar dor intensa, habitualmente com edema articular discreto ou moderado.

Na Tabela 2 são revistos alguns dados de anamnese e exame físico que podem ajudar na elucidação da causa da dor. Na Tabela 3 temos algumas doenças caracteristicamente poliarticulares, mas que podem se iniciar como monoartrite.

 

Tabela 2: Dados de anamnese e exame físico relacionados às monoartrites

Dados de anamnese e exame físico

Doenças mais frequentemente associadas

Paciente jovem

Febre reumática, leucose

Paciente idoso

Osteoartrite, gota

Sexo masculino

Gota

Artrite recorrente

Microcristalinas, hidrartrose intermitente, reumatismo palindrômico, sinovite eosinofílica

Artrite episódica

Trauma, artrite séptica

Sintomas constitucionais (emagrecimento, febre, sudorese, anorexia, fadiga)

Artrite séptica, microcristalinas, artrite inflamatória e neoplasia

Artrite associada à PPD

Artrite tuberculosa, reumatismo de Poncet

Artrite e neoplasia simultânea em outro sítio

Artrite por neoplasia

Artrite aguda

Artrite séptica, microcristalinas, trauma

Artrite crônica

Tuberculose, fungos, sinovite vilonodular pigmentada, neoplasias

Artrite e abuso de drogas intravenosas

Artrite séptica

Artrite em usuários de corticosteróide

Osteonecrose asséptica, artrite séptica

Artrite e coagulopatia/uso de anticoagulante

Hemartrose

 

Tabela 3: Doenças poliarticulares que podem se iniciar como monoarticulares

Artrite reumatoide

Artrite psoriásica

Doença de Behçet

Artrite reativa

Enteroartropatias

Lúpus eritematoso sistêmico

Artrites virais

Artrite da sarcoidose

Doença de Whipple

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Artrites Sépticas ou Infecciosas

As artrites infecciosas são o diagnóstico diferencial mais importante nesse grupo, pois o atraso no tratamento adequado pode levar ao grave comprometimento da articulação com sequelas ou até mesmo à sepse e à morte do indivíduo. O agente infeccioso mais comum é o S. aureus nas faixas etárias pediátricas e idosas. Na faixa de idade reprodutiva, a N. gonorrhoae é o agente bacteriano mais comum.

A artrite séptica ou pioartrite deve ser sempre lembrada na presença de febre, dor articular importante e sinais de comprometimento sistêmico. A artrite séptica é mais frequente em pacientes com alterações estruturais prévias da articulação, como indivíduos com deformidades articulares da AR que se apresentam com monoartrite ou ainda nos portadores de próteses.

 

Artrites Microcristalinas

A gota e a doença do pirofosfato de cálcio (pseudogota) devem ser lembradas no indivíduo com mais de 50 anos de idade com monoartrite. Geralmente, a gota inicia-se pelo episódio de podagra típico, um processo extremamente doloroso de artrite da primeira metatarsofalangeana, autolimitado, com duração de 7 a 10 dias quando não tratado. Na evolução dessa doença, o processo torna-se poliarticular, quando não recebe tratamento ou quando este é inadequado.

A pseudogota ou condrocalcinose apresenta deposição de cristais de pirofosfato de cálcio nas fibrocartilagens articulares, como nos meniscos dos joelhos, na sínfise púbica, na cartilagem dos quadris e ombros e na cartilagem triangular dos punhos. O indivíduo afetado geralmente é idoso, sendo que 30 a 60% dos pacientes acima dos 85 anos apresentam evidências de condrocalcinose.

 

Artrite Traumática

A história de trauma e do mecanismo de lesão são de grande auxílio diagnóstico. Quando a lesão foi um trauma aberto, a associação com artrite séptica normalmente ocorre na evolução. Quando existe apenas trauma contusiforme, sem o contato da articulação com o meio ambiente, os possíveis fatores causais da monoartrite com possibilidade de hemartrose são estiramentos das estruturas intra-articulares, laceramento dos vasos, fratura, compressão meniscal e sinovial.

 

Artrite por Osteonecrose Asséptica

Nos indivíduos com alguns fatores de risco para a necrose asséptica do osso, essa entidade deve ser descartada. Os fatores de risco são: uso de corticosteroides, dislipidemias, trombofilias hereditárias ou adquiridas (síndrome antifosfolípide), etilismo crônico, lúpus eritematoso sistêmico e doença descompressiva dos mergulhadores. Na faixa etária pediátrica, as necroses avasculares podem acometer os quadris (doença de Legg-Calvé-Perthes), a tuberosidade anterior da tíbia (Osgood-Schlater), o osso navicular (doença de Kienböck) e a coluna vertebral (doença de Scheuermann), dentre outras.

 

Febre Reumática

Os quadros clássicos de febre reumática (FR) são de poliartrite migratória de grandes articulações associadas às outras manifestações descritas pelos critérios de Jones. Porém, o médico pode encontrar a criança ou adolescente no seu primeiro episódio de FR. Mais ainda, na atualidade, existem os casos atípicos de FR em que o acometimento monoarticular pode ser a única manifestação do sistema músculo-esquelético em 30% desses casos

Artrite Idiopática Juvenil

Acomete a faixa etária pediátrica, tendo início antes dos 16 anos, e apresenta pelo menos 6 semanas de artrite, sendo excluídas outras doenças. Na forma de início pauciarticular, podem aparecer os casos de acometimento exclusivo de apenas uma articulação.

Reumatismo Palindrômico

Apresenta manifestação clínica semelhante à hidrartrose intermitente, porém são acompanhadas por manifestações sistêmicas e sinais locais de artrite. O ataque recorrente lembra uma crise de gota, atingindo o máximo de dor em até 3 dias e iniciando-se ao fim da tarde; são exigidos pelo menos 5 ataques por ano e 3 ou mais diferentes articulações são envolvidas em diferentes ataques. As articulações mais comprometidas são as dos joelhos, punhos, dorso das mãos, metacarpofalangeanas, interfalangeanas proximais, tornozelos, ombros, cotovelos, temporomandibulares ou esternoclaviculares, quadris, pequenas articulações dos pés e coluna cervical, nessa ordem de envolvimento.

Neoplasias Ósseas ou Periarticulares

Tumores benignos como osteocondroma e osteoma osteoide podem manifestar-se como monoartrite. Da mesma forma, também a malignidade pode envolver a articulação.

EXAMES COMPLEMENTARES

Diante de um paciente com monoartrite, o médico deve realizar prontamente a punção da articulação acometida, e o exame de laboratório mais útil a ser realizado é a análise do líquido sinovial ou sinovianálise.

Na fase aguda da artrite, o hemograma pode evidenciar anemia de doença crônica e leucocitose com desvio, nos casos de artrite séptica e microcristalinas. As provas de atividade inflamatória podem estar elevadas, tanto a PCR e VHS. A dosagem sanguínea e urinária do ácido úrico está indicada nos casos de suspeita de gota.

A radiografia simples na fase aguda habitualmente só demonstra aumento dos tecidos moles. Na suspeita de neoplasias ósseas, fraturas e pseudogota, esse exame torna-se de grande validade. O uso da RNM pode ser útil nos casos de sinovite vilonodular pigmentada e de osteonecrose, além dos casos em que há suspeita de osteomielite concomitante. A cintilografia óssea é de auxílio na suspeita de osteomielite e osteonecrose asséptica.

No acometimento de articulações do quadril e sacroilíacas, onde o acesso é mais difícil, a punção guiada por ultrassonografia ou radioscopia é de grande auxílio.

A biópsia sinovial por agulha às cegas ou guiada por ultra-sonografia é um método seguro quando há suspeita de infecções crônicas ou sinovite vilonodular. A artroscopia por meio da visualização direta das estruturas intra-articulares pode afastar sinovite por corpo estranho, realizar biópsias e já realizar o tratamento no caso das sinovites vilonodulares.

TRATAMENTO

O tratamento da monoartrite depende essencialmente de seu reconhecimento etiológico.

Nos casos de artrite séptica, a introdução imediata de antibioticoterapia adequada após a punção articular muda o prognóstico desses indivíduos. Na artropatia microcristalina, o tratamento com antiinflamatórios não hormonais (AINH) é o de primeira escolha, sendo o uso de corticosteroides reservado para os indivíduos com contraindicação aos AINH. O uso de colchicina está praticamente abandonado na fase aguda devido à dificuldade posológica e aos inúmeros eventos adversos desta droga.

O repouso relativo está indicado nos casos de monoartrite, principalmente naqueles com história de trauma. Nos casos de fraturas, sinovite vilonodular pigmentada e tumores osteoarticulares, o indivíduo deve ser referenciado a um ortopedista para efetuar o tratamento adequado.

A osteonecrose asséptica deve ser inicialmente tratada com a redução da carga sobre o membro afetado, o que é conseguido pelo uso do repouso no leito e de dispositivos de apoio à marcha (muleta, bengala e andador). Nos casos agudos e dolorosos, a descompressão cirúrgica está indicada para reduzir o edema ósseo, aliviando o quadro clínico.

Nos casos em que foi diagnosticada uma doença inflamatória, tais como a AR, AIJ e a doença inflamatória intestinal, o tratamento deve ser dirigido especificamente para essas três doenças, com o uso de antimetabólicos e imunossupressores. O uso de corticoisteroide intra-articular também é uma opção terapêutica nessas condições.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

       Artralgia é se caracteriza por dor articular sem alterações ao exame físico. Já a artrite se caracteriza pela presença de sinais flogísticos. Comprometimento periarticular (tendinites, bursites, entesites, lesões ligamentares e/ou meniscais) pode manifestar-se por dores localizadas, podendo simular artralgia ou artrite.

       A estrutura articular acometida pode ser de auxílio na elucidação diagnóstica. Como exemplos, acometimento da primeira articulação metatarsofalangeana (podagra) é típica da gota. Nos adultos, a artrite séptica acomete preferencialmente o joelho e, na faixa etária pediátrica, a articulação coxofemoral. Os punhos ou os joelhos são comprometidos pela artrite gonocócica com mais frequência.

       Deve-se ter sempre em mente que doenças sistêmicas ou poliarticulares podem ter um curso inicial monoarticular.

       Um procedimento fundamental frente a um paciente com monoartrite é a punção do líquido sinovial e a sua análise, principalmente para a causa infecciosa ser excluída.

       O encaminhamento a reumatologista deve ser considerado nas monoartrites nas seguintes condições: artrite infecciosa, suspeita de uma doença sistêmica reumatológica, artrite não diagnosticada após 6 semanas, artrite em grávida ou no puerpério, dor não controlada adequadamente pelos medicamentos habituais, artrite que leva à perda de função e nos casos em que a terapia com corticoisteroide ou imunossupressor será prolongada.


BIBLIOGRAFIA

1.   Guidelines for the initial evaluation of the adult patients with acute musculoskeletal symptoms. Arthritis Rheum 1996;39:1-8.

2.   Hawkins RA. Abordagem do paciente com sintomas monoarticulares. In: West SG. Segredos em reumatologia. Artmed, 2000, p.101-6.

3.   Lightfoot RW. Intermitent and periodic arthritic syndromes. In: McCarthy D. Arthritis and allied conditions. Philadelphia: Lea & Febiger, 1993. p.1121-37.

Stivanello GU et al. Diagnóstico diferencial das monoartrites. JBM 1999; 76:86-102.

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