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Depressão e Mania

Autores:

Carlos Gustavo Mansur

Psiquiatra formado pelo Hospital das Clínicas da FMUSP
Médico pesquisador e doutorando do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP
Médico do Serviço de Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP

Leandro Savoy Duarte

Psiquiatra pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP
Psiquiatra do Pólo de Atenção Intensiva em Saúde Mental no Complexo Hospitalar do Mandaqui

Última revisão: 03/09/2008

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste capítulo é determinar o conceito de depressão e de mania na prática médica, estabelecer correlações e diagnóstico diferencial com entidades clínicas relevantes, além de descrever de forma clara e completa seu manejo, de forma a auxiliar a prática do médico generalista e especialista não psiquiatra.

“depressão” é um termo muito utilizado por médicos e leigos. De forma geral, descreve um estado de humor caracterizado por tristeza e/ou apatia, independentemente de sua causa ou duração. É muito comum que alguns pacientes denominem como depressão estados de tristeza ou luto; essa dúvida atinge também boa parte dos médicos. No entanto, para que se configure um transtorno depressivo são necessárias características e critérios clínicos que vão além de simplesmente tristeza e desinteresse, como ficará claro mais adiante.

Já a mania é um quadro diametralmente oposto à depressão, se apresentado com euforia e aceleração global dos processos psíquicos. A mania é uma das fases do transtorno afetivo bipolar (TAB), anteriormente denominado psicose maníaco-depressiva, que cursa com instabilidade do humor, alternando entre fases depressivas e maníacas. O conhecimento do TAB é importante para o generalista, pois é um quadro crônico, recorrente, com grande impacto clínico e cuja primeira forma de apresentação é freqüentemente um quadro depressivo.

 

EPIDEMIOLOGIA

A prevalência das síndromes depressivas chega aos 20% da população geral ao longo da vida. A depressão está associada a altas taxas de cronificação, recaída, tem impacto significativo na evolução de condições clínicas gerais e cursa com grande disfuncionalidade no ambiente familiar, social e profissional. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a depressão como a principal causa de anos vividos com incapacitação. Portanto, diagnosticar e tratar adequadamente a depressão é um assunto de extrema importância na prática médica. Certamente a disponibilidade de especialistas não atinge a abrangência necessária para cuidar de todos esses pacientes, logo é imprescindível que o seu tratamento seja feito também por não-especialistas.

O TAB (tipos 1 e 2) tem uma prevalência de aproximadamente 2,1% na população geral, mas estudos recentes apontam uma prevalência de até 5,5%.

A depressão é duas vezes mais freqüente em mulheres e se instala geralmente dos 20 aos 50 anos, com idade média de 24 anos. O TAB tem idade de início mais precoce, com pico dos 15 aos 24 anos. Tanto a depressão quanto o TAB são mais freqüentes em pessoas solteiras ou sem vínculos interpessoais significativos.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

            A etiologia das síndromes depressivas e do TAB é objeto de exaustivas investigações clínicas e neurobiológicas. Sabe-se que fatores genéticos e ambientais contribuem para o desenvolvimento de ambas. Acredita-se que o TAB tenha uma influência genética maior, enquanto a depressão se associa, também, de maneira significativa a influências ambientais.

A maior dificuldade em se investigar de forma precisa o componente genético nos quadros afetivos decorre do fato de que a depressão, bem como o TAB, tem apresentações variadas e muitas vezes heterogêneas, então se acredita que estamos agrupando nessa entidade clínica uma enorme gama de síndromes, muito heterogêneas, com características predominantes ora de ansiedade, ora de apatia ou mesmo de irritabilidade ou anedonia. A prevalência aumentada em certas famílias também não é condição suficiente para se determinar o componente genético, já que muitas vezes as famílias se expõem às mesas influências ambientais. Acredita-se hoje que a depressão tenha um modelo de transmissão mista, estando sob a influência de vários genes diferentes, que tem efeito pequeno mas aditivo, e, também, sob fatores ambientais que, quando ultrapassam um certo limiar de exposição, desencadeiam a enfermidade nos indivíduos suscetíveis.

            Na década de 1990, com a difusão dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), como a fluoxetina (Prozacâ), difundiu-se a idéia de que a depressão seria decorrente de um déficit do referido neurotransmissor no cérebro. Acredita-se de fato na hipótese de que possa haver uma alteração funcional que envolva alguns neurotransmissores (hipótese monoaminérgica), mas a perspectiva da “falta de serotonina” é extremamente simplista e perigosa, pois ignora toda a questão individual e social envolvida em cada caso. Sabe-se inclusive que os neurotransmissores dopamina e noradrenalina desempenham também papel crucial na fisiopatologia da depressão.

Estudos de neuroimagem funcional apontam para a hipótese de hipoatividade em certas regiões cerebrais, notadamente o córtex pré-frontal. Teoriza-se que essa região possa estar envolvida na regulação das emoções, mediadas pelo sistema límbico. Assim, fica-se mais a mercê destas, o que poderia explicar uma parte da sintomatologia.

            São freqüentes as indagações a respeito do papel de traumas, abuso e perdas precoces como causas de depressão ou mania. Experiências precoces dessa natureza parecem aumentar a suscetibilidade individual a desenvolver quadros depressivos. É bastante sólida a evidência de correlação entre níveis séricos elevados de cortisol (um marcador neuroendórino da resposta ao estresse) e aumento da incidência de sintomas depressivos. Fatores de estresse geralmente precedem a eclosão de episódios. Na avaliação de possíveis desencadeantes, é importante conhecer o significado de um determinado estressor para cada indivíduo, já que o seu impacto pode ser ampliado dependendo da importância consciente ou inconsciente atribuída a determinado fato ou situação. De forma geral, fatores de estresse são considerados desencadeantes de episódios de transtornos do humor, sendo na maioria das vezes impróprio considerá-los o único fator causal.

            Sabe-se também que fatores hormonais influenciam o humor, especialmente em pacientes do sexo feminino. São evidências para isto a ocorrência da depressão puerperal e do transtorno disfórico pré-menstrual. Comumente, o hipotiroidismo clínico também cursa com sintomas depressivos.

            Lesões cerebrais traumáticas, tumores e infecções do sistema nervoso central (SNC) (como sífilis e HIV) podem causar quadros de mania e/ou depressão, mas muito raramente, sem que haja outros sintomas associados. É importante considerar esses fatores etiológicos, especialmente a partir da quarta década. Os pacientes vítimas de acidente vascular cerebral têm chance muito aumentada de desenvolver depressão.

            O uso de medicamentos (antidepressivos – ADs, inibidores do apetite) ou drogas pode estar etiologicamente relacionado a quadros afetivos, bem como ser importante desencadeante tanto de quadros depressivos quanto maníacos.

            Em pacientes com TAB, alterações importantes do ciclo vigília-sono e privação de sono em especial podem precipitar episódios maníacos. É portanto recomendável orientar os pacientes a respeitar um mínimo de horas de sono, variável entre indivíduos, em geral entre 6 e 10 horas diárias.

 

CLASSIFICAÇÃO E CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

 

Transtornos Depressivos

Como já foi dito anteriormente, as pessoas comumente se referem à depressão para designar um sentimento de tristeza que faz parte de uma experiência emocional vivenciada como normal e habitual ao cotidiano de todas as pessoas. A tristeza pode ser somente mais um entre os vários sintomas de uma síndrome depressiva e, como sintoma, pode também ser uma das manifestações de alguma doença, por exemplo, uma gripe, ou ser uma reação emocional compreensível a uma doença grave. Logo, para se fazer o diagnóstico de depressão é importante que todos os sintomas apresentados sejam avaliados e agrupados de maneira a compor uma síndrome.

Quando se abordam transtornos psiquiátricos, costumam-se reconhecer os aspectos nucleares àquele transtorno. No caso da depressão, os aspectos nucleares são o humor depressivo (tristeza) e a perda ou diminuição do prazer, que conceitualmente devem persistir durante um período mínimo de duas semanas, na maior parte do tempo, para se fazer o diagnóstico. Os critérios diagnósticos segundo o DSM-IV-TR são descritos na tabela 1. Isto não significa, obviamente, que síndromes que não preencham esses critérios não mereçam atenção ou tratamento. Esses critérios são apenas um referencial para tentar padronizar a subjetiva divisão entre variações normais e compreensíveis de humor do que procuramos definir como um quadro psicopatológico. É importante ressaltar o último item da tabela que determina que os sintomas causem prejuízo significativo e que não sejam mais bem explicados por condição médica geral, uso de medicamentos, substâncias ou luto.

 

Tabela 1: Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para episódio depressivo maior

Cinco ou mais dos critérios a seguir devem estar presentes por no mínimo duas semanas e devem constituir alteração do funcionamento pregresso. Pelo menos um entre os critérios (1) e (2) deve estar presente

1. Humor deprimido na maior parte do dia praticamente todos os dias.

2. Interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades diminuído de forma marcante na maior parte do dia quase todos os dias.

3. Perda ou ganho importante de peso (cerca de 5%) sem realização de dieta específica ou diminuição/aumento do apetite praticamente todos os dias.

4. Insônia ou hipersonia praticamente todos os dias.

5. Retardo ou agitação psicomotora, praticamente todos os dias, observada por outros.

6. Fadiga ou perda da energia quase todos os dias.

7. Sentimentos de inutilidade, desvalorização de si ou culpa excessiva quase todos os dias.

8. Dificuldade para pensar, concentrar-se ou tomar decisões quase todos os dias.

9. Pensamentos/desejo de morte recorrente; ideação, planejamento ou tentativa de suicídio.

Os sintomas causam sofrimento ou problemas sócio-ocupacionais clinicamente significativos. Não são mais bem explicados por condição médica geral, uso de medicamentos ou substâncias ou luto.

Adaptado de Sadock BJ, Sadock VA, 2000, p. 1.341

 

Subtipos Depressivos

Existem vários subtipos depressivos, classificados de acordo com a sintomatologia clínica (melancólica, psicótica, atípica), polaridade (unipolar, bipolar), intensidade (distimia), curso (breve, recorrente, persistente), fatores desencadeantes (sazonal, puerperal) e gravidade (leve, moderada, grave). O episódio depressivo (ED) ocorre de forma isolada e autolimitada. O transtorno depressivo recorrente (TDR) ocorre de maneira recorrente, com instalação dos sintomas após períodos de remissão e múltiplos episódios ao longo da vida (pelo menos dois). A distimia é um estado depressivo crônico (pelo menos dois anos de duração), de intensidade leve, caracterizada por sentimentos de insatisfação e mau humor. Freqüentemente, ao longo da evolução, passa a preencher critérios para ED ou TAB, não sendo mais, a partir desse momento, denominada distimia. Acredita-se que uma parcela significativa das depressões que se apresentam pela primeira vez ao clínico sejam depressões bipolares, que são a apresentação de uma das fases do TAB e não somente uma depressão.

A tabela 2 resume as entidades clínicas descritas acima e também acrescenta a fase depressiva do TAB, completando as categorias clínicas possíveis de depressão.

 

Tabela 2: Classificação nosológica das síndromes depressivas

 

Sintomas presentes

Duração

Intensidade dos sintomas

episódio depressivo

depressão

Duas semanas ou mais

Variável (leve, moderada ou grave)

transtorno depressivo recorrente

depressão

Crônico, oscilante

Variável a cada episódio

distimia

depressão

Dois anos ou mais

Sub-sindrômico

transtorno afetivo bipolar

Depressão e mania

Crônico, oscilante

Variável a cada episódio

 

Transtorno Afetivo Bipolar

            O TAB cursa com alterações recorrentes do humor alternando entre fases depressivas e maníacas. A mania é uma síndrome psicopatológica diametralmente oposta à depressão. Caracteriza-se por humor eufórico (ou irritável), excitação psicomotora, elevação da auto-estima, aceleração de pensamento e discurso, supervalorização das próprias capacidades e otimismo excessivo. Para seu diagnóstico, destaca-se a importância da diminuição da necessidade de sono, quase sempre presente.

O TAB é diagnosticado quando o paciente apresenta pelo menos um episódio de mania ou hipomania ao longo da vida. O TAB I é diagnosticado quando o paciente tem pelo menos uma fase de mania e o TAB II, quando apresenta pelo menos uma fase de hipomania. A diferenciação entre mania e hipomania se faz mediante a duração e a gravidade dos episódios, sendo necessários quatro dias consecutivos de diminuição importante da necessidade de sono, acompanhada dos outros sintomas de mania ou hipomania. A tabela 3 apresenta os critérios diagnósticos para mania e hipomania segundo o DSM IV TR.

 

Tabela 3: Critérios diagnósticos de mania e hipomania segundo o DSM-IV-TR

A.      Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansível ou irritável.

Na hipomania, as alterações ocorrem por um período mínimo de quatro dias e máximo de uma semana.

Na mania há duração mínima de uma semana (ou qualquer duração se a hospitalização se fizer necessária).

 

B.      Durante o período de perturbação do humor, três ou mais dos seguintes sintomas persistiram (quatro se o humor for apenas irritável) e têm estado presentes em um grau significativo:

 

1.     Auto-estima inflada ou grandiosidade.

2.     Redução da necessidade de sono (por exemplo, sente-se bem disposto após 3 horas de sono)

3.     Mais loquaz do que o habitual ou pressão por falar

4.     Fuga de idéias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão correndo

5.     Distratibilidade (atenção facilmente desviada por estímulos externos insignificantes)

6.     Aumento da atividade (social, no trabalho ou sexualmente) ou agitação psicomotora

7.     Envolvimento excessivo em atividades prazerosas ou arriscadas (por exemplo, compulsão por compras, indiscrição sexual, investimentos financeiros insensatos)

 

ACHADOS CLÍNICOS

 

História Clínica

            Sem dúvida, a principal forma de orientar o diagnóstico de uma síndrome depressiva é uma história clínica bem dirigida, preferencialmente com o próprio paciente e um familiar ou pessoa próxima. Devem-se pesquisar quais sintomas estão presentes e são predominantes, determinando o subtipo clínico, seu início e duração, bem como a ocorrência de fatores desencadeantes e perpetuantes psicossociais, que orientarão estratégias terapêuticas. A intensidade dos sintomas deve ser determinada da forma mais detalhada possível, visando acompanhar sua evolução durante o tratamento.

            Deve-se perguntar ativamente sobre alterações do sono (hipersonolência ou Insônia), humor, apetite (incluindo ganho ou perda de peso), capacidade de concentração, memória, perda de prazer, interesse, fadiga e também desejo sexual, que constituem sintomas freqüentes de transtorno do humor.

A depressão atípica apresenta-se com hipersonolência e aumento de apetite importantes, acompanhados por sintomas físicos dolorosos e sensação de corpo pesado (paralisia em cano de chumbo).

A depressão melancólica apresenta-se com anedonia importante, falta de reatividade a estímulos positivos, perda de peso, despertar precoce pela manhã e sentimentos de culpa.

Caso haja qualquer suspeita por parte do médico, relato de familiar, do paciente ou gravidade importante de sintomas, deve-se pesquisar a presença de ideação suicida. Emprega-se tom compreensivo, em ambiente sigiloso, visando não desrespeitar o paciente em sua fragilidade.

Dor crônica pode estar presente como contribuinte causal ou como conseqüência de síndromes depressivas, sendo importante sua investigação e tratamento adequados.

Este é também o momento de pesquisar a ocorrência de episódios anteriores (recorrência), bem como sua alternância com episódios de mania.

Neste ponto da entrevista, cabe sempre utilizar perguntas abertas, já que os entrevistados são em geral facilmente compelidos a responder afirmativamente devido à variação normal do humor. Perguntas como “Há outros períodos em que ele fica diferente?”, “Durante quanto tempo?” ou “Como fica(m) a fala/o sono/as idéias dele?” são de grande valia.

            Devem-se investigar ativamente os antecedentes familiares para transtornos de humor, já que existem evidências importantes de fatores hereditários envolvidos. Quando o paciente possui um familiar de primeiro grau com diagnóstico claro de TAB, é altamente sugestivo que estejamos diante de um paciente com TAB, e não depressão. O mesmo se aplica a pacientes que tenham apresentado esses episódios desencadeados pelo uso de ADs (virada maníaca; ver no item Tratamento). O seu tratamento muito provavelmente será feito como o do TAB.

            Além dos dados já apresentados, existem algumas características dos quadros depressivos que são fortemente sugestivas de bipolaridade. Essas características estão resumidas na tabela 4.

 

Tabela 4: Características sugestivas de bipolaridade na depressão

Idade de início precoce

depressão com sintomas atípicos e depressão psicótica

depressão puerperal

Início e término abrupto do episódio depressivo

Resposta rápida aos ADs (mais rápida do que o esperado, em torno de poucos dias)

depressão recorrente

Retardo psicomotor importante

Sazonalidade

depressão resistente

Presença de sintomas de ativação durante (diminuição da necessidade de sono, aumento de energia), irritabilidade, pensamentos acelerados e aumento da impulsividade durante um episódio depressivo

 

Exame Psíquico

            O exame psíquico é parte fundamental da anamnese dos transtornos de humor, pois pode fornecer muitos dados para o diagnóstico. As alterações presentes variam enormemente com a gravidade do quadro, podendo estar praticamente ausentes em quadros depressivos mais leves.

            Nas síndromes depressivas, o paciente pode ter aparência descuidada nos casos mais graves. A atenção pode estar diminuída globalmente, levando às tão comuns queixas de memória e concentração. O humor é lábil e polarizado para depressão, e o paciente queixa-se de tristeza, tédio, falta de sentido. Mostra-se desmotivado e desinteressado. Há perda de ânimo e vontade. O discurso é em geral coerente, mas com conteúdo de pessimismo, culpa, desesperança e até mesmo ruína, chegando a delírios de ruína, culpa e morte nas depressões psicóticas. Freqüentemente há latência de resposta, em que o paciente demora para responder ao entrevistador. A motricidade, o pensamento e o discurso podem estar lentificados. Ideação e planejamento suicida não são infreqüentes, bem como as queixas somáticas, que podem ser muito numerosas.

Os pacientes em quadros hipomaníacos podem apresentar-se com fala acelerada, humor discretamente polarizado para euforia e discurso de conteúdo otimista, algo jocoso, mas sem alteração do juízo (delírios) ou inadequação. Já o paciente em mania pode encontrar-se com aparência produzida, utilizando roupas, acessórios e maquiagens em excesso ou até ter uma aparência negligenciada. Tem atenção voluntária e involuntária aumentada, humor eufórico e discurso francamente acelerado, ocorrendo dificuldade em interrompê-lo, o que chamamos de “pressão de discurso”. Pode haver dificuldade em seguir o encadeamento lógico dos pensamentos, até o extremo de não se formarem frases de conteúdo compreensível. O paciente pode ser bastante inadequado, usar impropérios e ter atitude hipersexualizada. Quando presentes, os delírios em geral têm conteúdo místico ou de grandeza. Sua motricidade em geral está aumentada qualitativa e quantitativamente. Pode haver agitação psicomotora dada a intensa impulsividade, podendo ser necessária contenção. Com a maior impulsividade, freqüentemente aumenta o estímulo para beber, utilizar drogas, ter atividade sexual, jogar, comprar, dirigir em alta velocidade e até fazer piercings e tatuagens.

A irritabilidade é um achado comum que pode estar presente tanto em síndromes depressivas como maniformes. Os sinais descritos acima podem estar dramaticamente sobrepostos, num quadro que é denominado estado misto, que pode ocorrer em pacientes com TAB.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

            Os exames complementares têm papel secundário no diagnóstico dos transtornos do humor, porém devem ser realizados para se descartar diagnósticos diferenciais e fazer o acompanhamento de eventuais efeitos colaterais das medicações. Todos os pacientes devem realizar hemograma completo, TSH, T4 livre, descartando hipotiroidismo e anemia. Deve-se avaliar sumariamente a função renal quando se pretende estabelecer tratamento medicamentoso, principalmente com o uso de lítio. Glicemia e perfil lipídico são importantes quando se utilizam antipsicóticos atípicos, já que a grande maioria está associada ao desenvolvimento de síndrome plurimetabólica. ECG deve ser solicitado a pacientes com mais de 40 anos ou com antecedentes de doença cardiovascular que pretendem utilizar antidepressivos tricíclicos (ADT).

            Exames de imagem podem ser solicitados, além de casos suspeitos (sinais localizatórios, febre, alterações da personalidade), em caso de resistência ao tratamento ou pacientes idosos com primeiro episódio.

            Perfil reumatológico deve ser solicitado a pacientes com sintomas sistêmicos sugestivos de doença auto-imune.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Além das entidades nosológicas descritas na Introdução, constituem diagnósticos diferenciais dos sintomas depressivos e maniformes certas alterações do humor não patológicas, outros transtornos psiquiátricos, condições médicas gerais e quadros induzidos por substâncias (tabelas 5 a 7).

 

Tabela 5: Diagnósticos diferenciais de depressão e conduta sugerida

Diagnóstico diferencial

Conduta sugerida

Tristeza/reação de adaptação

Relação temporal com fato vivencial relevante. Duração inferior a 2-3 semanas. Acompanhar

Luto

Relação temporal com perda importante. Melhora gradual. Acompanhar. Medicar/indicar psicoterapia se sintomas importantes após 2-3 meses

Anemia

Astenia, sem outros sintomas. Hemograma

Hipotiroidismo

Lentificação, fadiga, mixedema nos casos graves. A função tiroidiana deve ser pesquisada rotineiramente, em especial com resposta pobre ao tratamento

Abuso e dependência de drogas

História de uso repetido da substância. Sintomas depressivos podem ser muito semelhantes. Quadros maniformes também podem ser desencadeados

Efeito colateral de medicamentos

Em geral ocorre semanas após a introdução ou aumento da dose da medicação. Vide tabela 5

episódio depressivo maior

Vide tabela 1

transtorno depressivo recorrente

Episódios depressivos ocorrem de forma recorrente

depressão bipolar

(no TAB)

SD clássica ou atípica, mas com história de alternância com mania/hipomania

estado misto

Vide tabela 6

depressão puerperal

Início até 2-3 meses pós-parto, insidioso, evoluindo para síndrome depressiva grave ou psicose puerperal. Mau prognóstico se não tratada (como episódio depressivo). Atenção especial para proteção do neonato

“Blues” puerperal

Sintomas depressivos leves, autolimitados em geral até o décimo dia pós-parto. Apenas acompanhar a evolução. Acomete 30% a 70% das puérperas

Transtorno disfórico pré-mentrual

SD presente apenas na última semana da fase lútea, sem sintomas no restante do ciclo. Tratar como depressão, se muito importante

depressão psicótica

SD com a presença de delírios e/ou alucinações. Indicam-se antipsicóticos. Investigar TAB

distimia

SD sub-sindrômica e de longa evolução (dois anos ou mais), podendo agravar-se em ED periodicamente. Associar psicoterapia

Síndromes demenciais

Declínio cognitivo progressivo, sintomas depressivos podem estar presentes. Nesses casos, devem ser tratados. Diferenciar da apatia comum em quadros demenciais

 

Tabela 6: Medicamentos que podem gerar sintomas depressivos como efeitos colaterais

Metildopa

Antipsicóticos fenotiazínicos

Corticosteróides

Cimetidina

Contraceptivos orais esteroidais

Indometacina

Fenobarbital

Interferon

 

Tabela 7: Diagnósticos diferenciais de sintomas maniformes

Diagnóstico diferencial

Características

Alegria/excitação

Emoção, portanto mais fugaz, de maneira geral, e sem características desadaptativas. Via de regra, tem um desencadeante perceptível

Transtornos ansiosos

Aceleração do discurso e agitação ocorrem de forma isolada, sem elação do humor ou redução da necessidade de sono. Pode haver Insônia

mania

(no TAB)

Vide tabela 3

Hipomania

(no TAB)

Apresenta sintomas semelhantes à mania, sem as características desadaptativas. Elevação do humor, aumento da energia, pensamento “afiado”, redução da necessidade de sono. Aumento do rendimento no trabalho

estado misto

(no TAB)

Apresentação semelhante à mania, porém com humor extremamente lábil e angústia. Atos suicidas freqüentes, dada a impulsividade

Ciclotimia

Alterna episódios de hipomania com sintomas depressivos, que não chegam a caracterizar ED. Pode haver prejuízo psicossocial, indicando tratamento semelhante ao do TAB

Esquizofrenia/surtos psicóticos

Delírios e alucinações podem ser associados a agitação psicomotora, Insônia e aceleração do discurso. Pode ser um diferencial difícil, somente para os casos de mania psicótica

Trantornos de personalidade (histriônica e borderline)

Episódios não são tão claros, resposta insuficiente ao tratamento medicamentoso. É um diferencial muito difícil. Para maiores informações.

Intoxicação por psicoestimulantes

História de uso da substância; mais comum em jovens; pesquisar uso de álcool, fórmulas para emagrecer, cocaína, crack, anfetaminas

Infecção ou tumores do SNC

Alterações em geral ocorrem com sinais de infecção ou sinais neurológicos localizatórios

 

TRATAMENTO

            O tratamento dos transtornos de humor deve considerar especialmente a gravidade do quadro e as expectativas e os desejos do próprio paciente, a fim de otimizar a aderência. Existem várias formas de tratamento: medicamentoso, psicológico e tratamentos biológicos não-farmacológicos como a eletroconvulsoterapia (ECT) e estimulação magnética transcraniana (EMT). Casos de depressão leve e mesmo moderada podem ser tratados exclusivamente com psicoterapia, enquanto casos moderados a graves de depressão e casos de TAB devem ser tratados com medicação, ou com ambos. Caso haja resposta precária à medicação ou gravidade extrema de sintomas, pode ser indicada ECT.

            Uma das primeiras decisões no tratmento é determinar se o paciente pode fazer tratamento ambulatorial ou necessita de uma internação psiquiátrica, voluntária ou involuntária. A internação está indicada quando existe risco importante de agressão própria (suicídio) ou a outras pessoas, perda da capacidade de autocuidados e seguimento de orientações médicas, falta de suporte familiar, elevado estresse psicossocial ou presença de condições médicas que dificultem o manejo terapêutico.

 

Tratamento Medicamentoso

 

Depressão Unipolar

O tratamento medicamentoso das síndromes depressivas unipolares é feito com ADs. Os mais utilizados atualmente são os ISRS, como a fluoxetina (Prozacâ) e a sertralina (Zoloftâ), devido a seu perfil menos intenso de efeitos colaterais e custo relativamente acessível, e os ADTs, mais baratos e disponíveis na rede pública. São divididos em AD de primeira geração (ADT e inibidores da monoaminooxidase) e de segunda geração (ISRS, outras medicações mais novas como trazodona, mirtazapina, venlafaxina, bupropiona e duloxetina). A escolha deve considerar a familiaridade do médico com a medicação e o perfil de efeitos colaterais, que pode ser utilizado a favor do paciente (sedação para Insônia, por exemplo).

Alguns são enumerados nas tabelas 8 e 9.

 

Tabela 8: Medicações antidepressivas disponíveis mais utilizadas no Brasil

Medicamento

Classe

Nome comercial

Dose inicial (mg)

Mínima dose eficaz (mg/d)

Dose máxima (mg/d)

fluoxetina

ISRS

Prozacâ, Fluxeneâ, Daforinâ

10-20

20

80

sertralina

ISRS

Zoloftâ, Tolrestâ, Serenataâ

50

50

250

Paroxetina

ISRS

Aropaxâ, Ponderaâ

20

20

80

Citalopram

ISRS

Cipramilâ

10

10

40

Escitalopram

ISRS

Lexaproâ

10

10

20

venlafaxina

IRNS

Efexorâ

75

75

300

mirtazapina

ANSE

 Remeron â

15

15

45

bupropiona

ANDE

Zybanâ, Welbutrinâ

150

150

300

Amitriptilina

ADT

Tryptanolâ, Amitrylâ

25

50-75

300

Nortriptilina

ADT

Pamelorâ

25

25

125

Clomipramina

ADT

Anafranilâ

25

50-75

300

Imipramina

ADT

Tofranilâ, Imipraâ

25

50-75

300

ISRS= inibidor seletivo da recaptação de serotonina; IRNS = inibidor da recaptação de noradrenalina e serotonina; ANSE = antidepressivo noradrenérgico e serotonérgico específico; ANDE = antidepressivo noradrenérgico e dopaminérgico específico; ADT = antidepressivo tricíclico.

 

Tabela 9: antidepressivos, efeitos colaterais, manejo e contra-indicações

Medicamento ou classe

Efeitos colaterais mais comuns

Manejo

Contra-indicações

ADT

Xerostomia, retenção urinária, hipotensão postural, ansiedade, ganho de peso. Alteração da condução cardíaca em altas doses

Redução da dose, troca de classe, aumento lento e gradual da dose

Arritmias cardíacas, prostatismo

Amitriptilina (ADT)

Os acima, sedação

Administração noturna em dose única / os acima

Idem

ISRS

Retardo ejaculatório, diminuição da libido, ganho de peso, ansiedade

Redução da dose, troca de classe se intolerável

Não há absolutas

fluoxetina (ISRS)

Náuseas, cefaléia anorexia, tremores finos, ansiedade

Sintomáticos. Redução da dose ou troca se necessário

Suspeita de TAB, insuficiência hepática, polimedicados

Paroxetina (ISRS)

mirtazapina

(ANSE)

Ganho de peso, sedação, hipotensão postural

Redução da dose, troca se mantidos ou intoleráveis.

Administração noturna em dose única

Obesidade (não há absolutas)

bupropiona

(ANDE)

Irritabilidade, agitação, cefaléia, Insônia, redução do limiar convulsivo

Sintomáticos, redução da dose, troca

Epilepsia, outras condições que reduzam o limiar convulsivo

venlafaxina

(ISNS)

Náuseas, vômitos, aumento de pressão arterial, síndrome de descontinuação

Troca; retirada gradual, orientação ao paciente

Não há absolutas

 

Não há evidência de que haja diferença entre os ADs de segunda geração quanto à eficácia, tanto em fase aguda quanto no tratamento de manutenção. É importante lembrar que os ADs têm um tempo de latência para seu início de ação clínica, de 2 a 4 semanas. Esta é uma das causas mais freqüentes de abandono do tratamento, pois os pacientes inicialmente sentem apenas os efeitos colaterais, que tendem a se abrandar ao longo do tratamento. Orientá-los para essa particularidade costuma ter um impacto importante na aderência. Alguns clínicos acreditam, inclusive, que a manifestação de efeitos colaterais no início do tratamento é um indício de que aquele paciente está tendo resposta à medicação. É muito comum que pacientes com componente ansioso importante experimentem uma piora inicial, transitória (cerca de duas semanas) desses sintomas. Nesses casos, podem ser associados benzodiazepínicos.

A medicação antidepressiva deve ter sua dose aumentada, a partir da mínima dose eficaz, caso haja pouca evidência de resposta ao cabo de 3 a 4 semanas. Havendo resposta, deve-se aumentar a dose apenas se necessário, para que haja remissão dos sintomas.

O tratamento da depressão é dividido em fase aguda, recuperação e manutenção. O objetivo da fase aguda é promover a remissão dos sintomas e recuperação do funcionamento psicossocial e dura de 8 a 12 semanas. A fase de continuação visa à prevenção de recaídas (reaparecimento dos sintomas após remissão) e dura pelo menos 6 a 12 meses. O tratamento de manutenção está indicado em pacientes com grande risco de recorrência ao longo da vida: depressões crônicas, episódios graves, depressões resistentes, dois ou mais episódios no último ano e depressão na terceira idade. Deve-se se estender por 1 ou mais anos, ou por tempo indeterminado. Ou seja, a partir do momento em que o paciente apresentar remissão dos sintomas, deve permanecer utilizando a medicação por pelo menos 6 meses a 1 ano.

Sempre que se optar por suspender uma medicação antidepressiva, a sua retirada deve ser lenta e gradual, evitando risco de aparecimento de efeitos colaterais de retirada e recorrência do episódio. A dose utilizada no tratamento de continuação ou manutenção deve ser a mesma dose utilizada para remissão dos sintomas.

Dispensa-se atenção especial a casos graves ou com retardo psicomotor, pois a melhora inicial pode aumentar o risco de suicídio.

A remissão é definida como a ausência completa de sintomas significativos e deve sempre ser objetivo do tratamento, pois reduz consideravelmente as chances de recaída e recorrência. Sempre que se escolhe uma determinada medicação, é importante procurar elevar sua dose até a dose máxima tolerada no caso de resposta insuficiente, a fim de esgotar o recurso daquela medicação.

Em caso de resposta insuficiente com dose máxima tolerada, procede-se troca do AD, preferencialmente por algum de outra classe. A retirada deve ser gradual, bem como a introdução do novo medicamento, a ser feita logo após a retirada. Esse procedimento não se aplica aos ADs inibidores da monoaminoxidase (IMAO), com manejo mais complicado e não abordado neste capítulo.

Em caso de nova falha terapêutica, pode ser tentada nova troca, associação de AD, potencialização com estabilizadores do humor (EHs), antipsicóticos ou ECT. Essa fase do tratamento invariavelmente indica encaminhamento para o especialista.

Vale lembrar que não é incomum a influência de estressores psicossociais na manutenção dos sintomas em casos resistentes, requerendo uma abordagem alternativa à medicação, em geral psicoterápica.

 

Transtorno Afetivo Bipolar

Os principais medicamentos empregados no tratamento do TAB são os EHs. Seu emprego visa ao controle de episódios de mania/hipomania e de depressão, bem como a prevenção de sua recorrência, estabelecendo eutimia. Os principais deles são listados na tabela 10.

 

Tabela 10: Estabilizadores de humor

Medicamento

Nome comercial

Dose inicial Dose terapêutica Precauções

Carbonato de lítio

Carbolitiumâ, Neurolithiumâ

600 mg

A partir de

600 mg

 

Controle sérico mandatório; orientar sobre intoxicação. Dividir dose em duas tomadas

Carbamazepina

Tegretolâ

400 mg

A partir de 600 mg

Dividir dose em duas tomadas. Acompanhar enzimas hepáticas. Atenção para intoxicação

Ácido valpróico

Depakeneâ

500 mg

A partir de 750-1.000 mg

Dividir dose em duas tomadas. Acompanhar enzimas hepáticas

Topiramato

Topamaxâ

25 mg

A partir de 150 mg

Dividir em duas tomadas. Aumentar dose muito lentamente, a cada 7-10 dias

Lamotrigina

Lamictalâ

25 mg

A partir de 100 mg

Dividir em duas tomadas. Aumentar dose muito lentamente, a cada 7 dias

 

            O tratamento, assim como nos quadros depressivos, também consiste nas fases aguda, continuação e manutenção. Na fase aguda, visa-se à remissão do episódio em questão. Para tanto, introduz-se o EH, elevando-se sua dose a níveis terapêuticos gradualmente. Escolhe-se o EH de acordo com disponibilidade e perfil de efeitos colaterais, devendo-se dar preferência a lítio, Carbamazepina e Ácido valpróico, drogas com maior evidência de eficácia em monoterapia.

O Carbonato de lítio é a medicação mais antiga, com algumas evidências de superioridade em relação aos demais. Deve ser administrada como indicado na tabela 10, sempre orientando o paciente a utilizar a dose correta devido aos riscos de intoxicação. Os principais efeitos colaterais são tremores finos, gosto metálico na boca, ganho de peso, fezes amolecidas, epigastralgia e aumento da freqüência das micções. O controle sérico deve ser feito a cada 5-7 dias no início do tratamento, devendo o sangue ser colhido no mínimo 10 horas após a última tomada. Para fase aguda, preconizam-se níveis entre 0,8 e 1,2 mEq/l, enquanto para a fase de manutenção, entre 0,6 e 0,8 mEq/l. Os sintomas de intoxicação são ataxia, letargia, tremores grosseiros, dor abdominal, náusea, vômitos e delirium. O paciente, previamente orientado, deve interromper imediatamente o tratamento, beber líquidos em quantidade e dirigir-se ao pronto-socorro, pois se trata de uma condição potencialmente letal. A longo prazo, o lítio pode promover prejuízo da função tiroidiana, fazendo-se necessário seu controle semestral. Também pode levar à perda de função renal em casos mais raros, sendo necessário verificar a função renal periodicamente.

A Carbamazepina é um anticonvulsivante também empregado como EH. A forma de administração também é descrita na tabela 10. Em doses elevadas, também promove intoxicação, cujos principais sintomas são tontura e diplopia. Seu uso tem mínimas chances de causar agranulocitose e reações cutâneas graves. Entre os EHs de primeira linha, é o que causa menos ganho de peso, mas pode causar sedação, prejuízo da atenção e memória. Não é necessário controle laboratorial de níveis séricos da droga, apenas de enzimas hepáticas.

O Ácido valpróico é outro anticonvulsivante empregado como EH, cuja forma de administração aparece na tabela 10. Essa droga tem um efeito sedativo e ansiolítico de grande valia, e é particularmente efetiva em cicladores rápidos e no estado misto (vide tabela 7). Alguns pacientes apresentam tremores e ganho de peso importantes. É uma droga hepatotóxica como a Carbamazepina, e foram descritos também casos isolados de agranulocitose idiossincrásica.

Nos casos de depressão bipolar leve e hipomania, introduz-se o EH isoladamente, elevando-se sua dose a níveis terapêuticos e promovendo aumento da dose se necessário até remissão dos sintomas. Nos casos de depressão bipolar moderada a grave, após a introdução do EH a níveis terapêuticos, podem-se associar ADs, de maneira cautelosa. O cuidado deve-se ao risco de “virada maníaca”. Nesses casos, o paciente alterna rapidamente para o outro pólo de humor, podendo-se agravar o quadro e o prognóstico. Por isso, devem ser evitados os ADTs e a fluoxetina, pois têm uma meia-vida longa, que dificulta o manejo terapêutico caso ocorra uma “virada maníaca”.

Os benzodiazepínicos podem ser empregados a fim de auxiliar na promoção de sono adequado, muito importante tanto na fase aguda como na manutenção. Na fase de manutenção, deve-se utilizá-los apenas se falharem as medidas de higiene do sono.

Muitas vezes, na fase aguda de mania ou em depressões graves, com sintomas psicóticos, é necessário o emprego de medicações antipsicóticas, especialmente se ocorrerem delírios e/ou alucinações, ou simplesmente como adjuvantes para controle de crises com sintomatologia importante (agressividade, inadequação). Atualmente, também têm evidência de promoverem estabilização do humor, sendo utilizados, também, com esse propósito. Nesses casos, pode ser necessária a internação do paciente, caso se julgue que há risco para este ou para outrem, ou caso o suporte sociofamiliar não garanta a aderência ao tratamento. Sempre que possível, essas medicações devem ser descontinuadas na fase de manutenção, pois há risco aumentado de desenvolvimento de discinesia tardia (movimentos discinéticos crônicos) em pacientes com TAB.

Na maioria dos casos, os EHs devem mantidos por tempo indeterminado em sua dose eficaz na fase de manutenção. Em casos de escapes freqüentes ou graves faz-se necessária a associação de EH. Nesses casos e nos descritos no parágrafo anterior, deve-se cogitar encaminhamento ao especialista.

 

Psicoterapia

            psicoterapia é o nome dado à modalidade terapêutica que utiliza o contato interpessoal como instrumento, em geral valendo-se da comunicação verbal. Pode ser realizada em grupo ou individualmente, por psicólogo, psiquiatra ou outros profissionais de saúde treinados.

Há muitas modalidades disponíveis, que diferem quanto ao embasamento teórico, aos objetivos, à duração e ao custo. Seu emprego como método terapêutico iniciou-se formalmente com a psicanálise freudiana, no final do século XIX, e hoje é técnica bastante difundida. A ânsia por evidências científicas conferiu recentemente algum destaque à linha cognitivo-comportamental, mais objetiva e passível de aplicação em estudos controlados. O mesmo se aplica à psicoterapia interpessoal, com objetivos e duração predeterminados. A psicoterapia de grupo, terreno onde se destaca o psicodrama, oferece, dentre outras, a vantagem de redução do custo individual.

Os pacientes podem se beneficiar enormemente de psicoterapia, desde que estejam minimamente motivados, independentemente da linha empregada. Além de apoio em situações vivenciais difíceis, aspectos como aderência ao tratamento e conflitos pessoais e interpessoais podem ser trabalhados. Inúmeros estudos demonstram que o emprego de psicoterapia e medicação atinge melhores resultados que o emprego isolado de medicação em casos de depressão. Há também evidências importantes de ganhos com a aderência ao tratamento em pacientes com TAB.

A psicoterapia pode ser empregada isoladamente em caso de depressão leve; ou moderada, se houver possibilidade de acompanhamento pelo médico, para intervenção caso haja agravamento dos sintomas. Em outros casos, deve ser empregada em associação. Sua indicação depende em primeiro lugar do desejo do paciente, mas ganha importância quando há contribuição de conflitos e fatos vivenciais no desencadeamento ou na manutenção da sintomatologia.

 

Eletroconvulsoterapia (ECT) e Estimulação Magnética Transcraniana (EMT)

            ECT e EMT são métodos físicos usados no tratamento de transtornos de humor.

A primeira, amplamente estigmatizada pela mídia como método de tortura devido a seu emprego indevido no passado, é um método terapêutico bastante necessário e eficaz em diversas situações. Sempre realizada com o consentimento do paciente ou de seus familiares, consiste no desencadeamento de crises tônico-clônicas generalizadas em ambiente controlado, sob anestesia geral e bloqueio neuromuscular, com a supervisão de médicos anestesista e psiquiatra. O procedimento dura cerca de 5 minutos, e pode ser realizado em regime ambulatorial, com acompanhante. Em geral são feitas de 8 a 12 sessões em dias alternados, precedidas de uma cuidadosa avaliação clínica inicial. O risco do procedimento é basicamente o da anestesia, e o principal efeito adverso é um comprometimento variável e transitório das funções cognitivas, especialmente a memória. Está indicada em casos de depressão grave, resistente ao tratamento medicamentoso, ou em caso de risco de suicídio importante, já que há em geral resposta mais rápida do que com os ADs. Pacientes com depressão psicótica respondem muito bem à ECT, que deve ser considerada também para pacientes gestantes, idosos ou quaisquer outros que tenham contra-indicação ao uso de ADs. Alguns casos de mania refratária também respondem à ECT.

            A EMT consiste na aplicação de estímulos magnéticos a regiões específicas do córtex cerebral, sem a necessidade de anestesia ou os efeitos adversos cognitivos da ECT. Diversos estudos corroboram sua eficácia no tratamento da depressão, e alguns outros, menos numerosos, apontam para a possibilidade de emprego em casos de mania. Seu uso clínico foi recentemente autorizado em alguns países, como o Canadá e a Austrália. No Brasil, é realizada em poucos centros. Seu emprego clínico foi recentemente autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Contudo, ao contrário da ECT, não é custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

 

TÓPICOS IMPORTANTES E RECOMENDAÇÕES

         Dada a elevada prevalência e os importantes prejuízos pessoais e sociais, é de suma importância o diagnóstico precoce e o tratamento adequado das síndromes depressivas.

         Fatores genéticos e ambientais contribuem para o desenvolvimento das síndromes depressivas e do TAB.

         Fatores de estresse podem desencadear transtornos do humor, mas geralmente não são o único fator causal.

         Problemas clínicos como alterações hormonais e doenças neurológicas, assim como a utilização de alguns medicamentos, podem desencadear transtornos do humor.

         Os principais aspectos da depressão são o humor depressivo e a perda ou diminuição do prazer. Os sintomas devem persistir durante um período mínimo de duas semanas, na maior parte do tempo, para se fazer o diagnóstico.

         Outros achados nas síndromes depressivas são alteração no peso, sono, retardo ou agitação psicomotora, fadiga, sensação de menos valia, dificuldade em se concentrar e pensamentos ou desejos de morte.

         Deve-se sempre excluir causas orgânicas, medicamentosas ou associadas ao uso de álcool e drogas.

         O TAB cursa com alterações recorrentes do humor alternando entre fases depressivas e maníacas. A mania é uma síndrome psicopatológica diametralmente oposta à depressão e caracteriza-se por humor eufórico (ou irritável), excitação psicomotora, elevação da auto-estima, aceleração de pensamento e discurso, supervalorização das próprias capacidades, otimismo excessivo e diminuição da necessidade de sono.

         Na suspeita de transtorno de humor devem-se pesquisar alterações do sono (hipersonolência ou isônia), humor, apetite (incluindo ganho ou perda de peso), capacidade de concentração, memória, perda de prazer, interesse, fadiga e também desejo sexual.

         Caso haja qualquer suspeita por parte do médico, relato de familiar, do paciente ou gravidade importante de sintomas, deve-se pesquisar a presença de ideação suicida.

         Na anamnese, é adequado avaliar cuidadosamente o histórico de recorrência, alternância com episódios de mania/hipomania e a história familiar, refinando o diagnóstico e, portanto, melhorando o prognóstico.

         Os exames complementares devem ser realizados para se descartar diagnósticos diferenciais causando os sintomas e para o acompanhamento de algumas medicações.

         Todos os pacientes devem realizar hemograma completo, TSH, T4 livre, descartando hipotiroidismo e anemia.

         A internação nos transtornos do humor está indicada quando existe risco importante de agressão própria (suicídio) ou a outras pessoas, perda da capacidade de autocuidado e seguimento de orientações médicas, falta de suporte familiar, elevado estresse psicossocial ou presença de condições médicas que dificultem o manejo terapêutico.

         Os ADs têm um tempo de latência para seu início de ação clínica, de 2 a 4 semanas, e é importante orientar os pacientes sobre esse fato para que não haja abandono do tratamento.

         A partir do momento que o paciente apresentar remissão dos sintomas, deve permanecer utilizando a medicação por pelo menos 6 meses. Em pacientes com grande risco de recorrência: depressões crônicas, episódios graves, depressões resistentes, dois ou mais episódios no último ano e depressão na terceira idade, deve-se se estender o tratamento por um ou mais anos, ou por tempo indeterminado.

         Atenção especial deve ser dada a casos graves ou com retardo psicomotor, pois a melhora inicial pode aumentar o risco de suicídio.

         Sempre que se escolhe uma determinada medicação, é importante procurar elevar sua dose até a dose máxima tolerada no caso de resposta insuficiente, a fim de esgotar o recurso daquela medicação.

         O tratamento do TAB é feito com EHs, devendo-se dar preferência a lítio, Carbamazepina e Ácido valpróico, drogas com maior evidência de eficácia em monoterapia.

         Nos casos de depressão bipolar leve e hipomania, introduz-se o EH isoladamente. Nos casos de depressão bipolar moderada a grave, após a introdução do EH a níveis terapêuticos, podem-se associar ADs, de maneira cautelosa, devido ao risco de “virada maníaca”.

         O emprego de psicoterapia e medicação atinge melhores resultados que o emprego isolado de medicação em casos de depressão.

         Casos de depressão refratária, presença de sintomas psicóticos, suspeita de TAB, risco de suicídio e necessidade de internação devem ser encaminhados ao psiquiatra.

 

ALGORITMO

 

Algoritmo 1: Abordagem das síndromes depressivas

 

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