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Hiperleucocitose e leucostase

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 25/04/2013

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Especialidades: Medicina de Emergência / Hematologia

 

Resumo

A hiperleucocitose é uma alteração laboratorial caracterizada por um total de leucócitos acima de 50 x 109 (50.000/microL) ou 100 x 109 (100.000/microL). A leucostase é a hiperleucocitose sintomática, uma emergência médica que normalmente ocorre em pacientes com leucemia mieloide aguda ou leucemia mieloide crônica em crise blástica.

 

Introdução

A hiperleucocitose é uma alteração laboratorial caracterizada por um total de leucócitos acima de 50 x 109 (50.000/microL) ou 100 x 109 (100.000/microL). A leucostase é a hiperleucocitose sintomática, uma emergência médica que normalmente ocorre em pacientes com leucemia mieloide aguda ou leucemia mieloide crônica em crise blástica. Nessas situações, além do aumento celular, há sinais de diminuição da perfusão tecidual, normalmente manifestada por insuficiência respiratória e alterações neurológicas. A mortalidade em 1 semana pode chegar a 40%.

 

Epidemiologia

Leucemia mieloide aguda (LMA)

Hiperleucocitose está presente em 10 a 20% das LMA recém-diagnosticadas, sendo mais comum nas formas mielomonocítica (FAB-M4), monocítica (FAB-M5) ou na variante microgranular da forma promielocítica (FAB-M3). Sintomas de leucostase são raros e mais comuns com contagens de leucócitos maiores que 100 x 109 (100.000/microL).

 

Leucemia linfoblástica aguda (LLA)

Hiperleucocitose está presente em 10 a 30% das LLA. Esta incidência é maior em pacientes do sexo masculino entre 10 a 20 anos de idade, e os que têm fenótipo de células T. Sintomas de leucostase são raros, sendo que síndrome de lise tumoral e coagulação intravascular disseminada (CIVD) são complicações mais frequentes nestes pacientes.

 

Leucemia linfocítica crônica (LLC)

Uma proporção alta de pacientes com LLC se apresentam com hiperleucocitose. Sintomas de leucostase normalmente surgem com leucócitos em níveis acima de 400 x 109 (400.000/microL).

 

Leucemia mieloide crônica (LMC)

Pacientes com LMC tipicamente se apresentam com leucocitose e uma contagem média de leucócitos de 100 x 109 (100.000/microL). Normalmente estas células são neutrófilos, metamielócitos e mielócitos. Sintomas de leucostase são muito incomuns em pacientes crônicos, mas eventualmente podem ser vistos em pacientes com crise blástica com número elevado de blastos.

 

Quadro clínico

As principais manifestações clínicas de leucostase são relacionadas ao sistema nervoso central (40%) e aos pulmões (30%).

Os sintomas pulmonares incluem dispneia e hipóxia com ou sem infiltrados alveolares ou intersticiais difusos presentes aos exames de imagem. A pO2 arterial destes pacientes pode estar falsamente diminuída porque os leucócitos em demasia presentes dentro do tubo de análise consomem o oxigênio, sendo assim, a saturação vista por oximetria é mais acurada.

Os sintomas neurológios incluem alterações visuais, cefaleia, tontura, zumbido, instabilidade de marcha, confusão mental, sonolência e até mesmo coma.

Aproximadamente 80% dos pacientes com leucostase têm febre, que pode ser tanto pela própria leucostase quanto por uma infecção sobreposta. Uma vez que é difícil descartar completamente um quadro infeccioso nestes pacientes, muitas vezes acaba sendo recomendado o tratamento empírico de infecção bacteriana.

Alguns sinais mais atípicos de leucostase incluem sinais eletrocardiográficos de isquemia miocárdica ou sobrecarga ventricular direita, insuficiência renal aguda, priapismo, isquemia de membros ou isquemia mesentérica.

Quanto ao quadro laboratorial, além da falsa queda de pO2 induzida por consumo dos leucócitos no tubo de análise, podem também ocorrer os seguintes achados:

 

      contagem de plaquetas aumentada à custa de fragmentos de blastos que são confundidos com plaquetas na análise, algo que só pode ser descartado com contagem manual em lâmina;

      pseudo-hipercalemia decorrente da liberação de potássio durante a formação de coágulos in vitro pelos blastos leucêmicos, um efeito que pode ser minimizado coletando amostras em tubos heparinizados;

      CIVD pode ocorrer em até 40% dos pacientes e se apresenta com geração de trombina (diminuição de fibrinogênio) e aumento da fibrinólise (aumento de D-dímero);

      síndrome de lise tumoral espontânea ocorre em até 10% dos pacientes com leucostase e tem como características clássicas a elevação de ácido úrico, potássio e fósforo acompanhada de queda de cálcio.

 

Diagnóstico

O diagnóstico é empírico. Basta haver um paciente com leucemia e uma contagem de leucócitos acima de 100 x 109 (100.000/microL) se apresentando com sintomas sugestivos de hipóxia tecidual, com as manifestações neurológicas e respiratórias já descritas anteriormente. O diagnóstico é iminentemente clínico, portanto, depende da experiência e do grau de suspeita levantada pelo médico, uma vez que, mesmo com um número menor de leucócitos, a leucostase pode ocorrer.

Do ponto de vista de anatomia patológica, a leucostase é diagnosticada com base no achado de “trombos” leucocitários presentes em microvasculatura, porém não é custo-efetivo realizar biópsia para se fazer este diagnóstico, uma vez que ele é uma emergência médica.

 

Conduta

A leucostase, ou hiperleucocitose sintomática, é uma situação de emergência, com mortalidade que independe do número de células encontradas, mas que é diretamente relacionada com os sintomas dos pacientes, uma vez que a mortalidade é maior do que quando os pacientes têm hiperleucocitose assintomática.

A citorredução é a base do tratamento. Pode ser feita por meio de hidroxiureia, quimioterapia citorredutora ou leucoaférese. Todos são capazes de diminuir o volume celular, entretanto, apenas a quimioterapia tem real impacto em sobrevida, sendo os outros procedimentos apenas tratamentos transitórios. Infelizmente não há estudos randomizados que comparem os desfechos entre os métodos.

Desse modo, o racional seria indicar como primeira opção a quimioterapia citorredutora acompanhada de profilaxia para lise tumoral com alopurinol ou rasburicase e hiper-hidratação. Normalmente, a contagem de leucócitos tem uma queda substancial nas primeiras 24 horas após o início da quimioterapia.

Se não for possível iniciar quimioterapia imediatamente, a abordagem pode ser diferente. Pacientes com leucostase, ou seja, sintomáticos, devem fazer leucoaférese associada à hidroxiureia para diminuir e estabilizar o número de leucócitos. A leucoaférese só não deve ser feita em pacientes com leucemia promielocítica aguda, pois pode piorar a coagulopatia intrínseca deste subtipo de leucemia. A hidroxiureia deve ser feita na dose de 50 a 100 mg/kg/dia, por via oral, tendo um poder de baixar o número de leucócitos em 50 a 80% em até 48 horas. A dose usual de hidroxiureia é de 2 a 4 g VO a cada 12 horas, com meta de deixar os leucócitos abaixo de 50 x 109 (50.000/microL).

Pacientes assintomáticos podem receber apenas hidroxiureia e, em razão do risco de lise tumoral, devem receber associadamente alopurinol e hiper-hidratação.

Algumas considerações adicionais:

 

      a leucoaférese normalmente precisa ser feita via cateter central e não tem uma padronização única, sendo feita apenas em centros de referência. É possível, porém não recomendado, realizar o procedimento por veia antecubital com acesso calibroso, como um Jelco 14;

      na leucoaférese, é normal ocorrer remoção de plaquetas, resultando em plaquetopenia;

      muitos pacientes precisam de várias sessões de leucoaférese para diminuir a contagem de leucócitos, porém, em casos de LMA com grande proliferação, pode ser que não se consiga diminuir o volume celular;

      leucostase pode ser precipitada pelo aumento da viscosidade do sangue; sendo assim, evita-se ao máximo realizar transfusões de concentrado de hemácias até que o número de leucócitos tenha diminuído. Caso seja inevitável, deve ser feita a transfusão lentamente e de preferência durante a leucoaférese. Não se recomenda realizar diuréticos antes devido à situação de baixa perfusão tecidual que estes pacientes já têm;

      os pacientes precisam receber transfusões profiláticas de plaquetas para manter os níveis ao menos em 20 a 30 mil, até que a contagem de leucócitos tenha diminuído e a situação clínica tenha se estabilizado. Isso em virtude do risco de hemorragia intracraniana após a queda de leucócitos, o que pode ocorrer por conta de lesão de reperfusão quando a circulação é reestabelecida em leitos capilares previamente hipoxêmicos ou isquêmicos.

 

Prognóstico

O prognóstico da hiperleucocitose e da leucostase depende do tipo de leucemia (LMA e LLA) e da presença de sintomas.

A mortalidade inicial de pacientes com LMA e leucostase é de 20 a 40%. Se o paciente sobrevive ao período inicial, eles tendem a ter períodos mais curtos de remissão. Estes períodos mais curtos também decorrem do volume tumoral inicial, mas principalmente do comportamento biológico e da resistência à quimioterapia, características intrínsecas das leucemias.

Os fatores de risco para mortalidade na hiperleucocitose na LMA já foram analisados em estudos retrospectivos. Pacientes que morrem na primeira semana normalmente têm mais coagulopatia, insuficiência respiratória (100% destes casos), insuficiência renal e sintomas neurológicos. Em pacientes com LLA, é raro haver leucostase, tendo uma mortalidade de 5% em pacientes pediátricos. O maior desafio nestes casos é manejar a CIVD, prevenir a síndrome de lise tumoral e acompanhar a possibilidade de recidiva, que é de 50% em 4 anos.

 

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