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Oxigenioterapia hiperbárica

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 27/06/2013

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Especialidades: Medicina de Emergência / Medicina Intensiva / Medicina Hospitalar / Cirurgia Plástica / Infectologia

 

Introdução

A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) é uma modalidade terapêutica na qual um paciente é submetido à inalação de oxigênio puro em uma pressão maior que a pressão atmosférica (em geral, de 2 a 3 atm), dentro de uma câmara hermeticamente fechada e de paredes rígidas. Serve como terapia primária ou adjuvante para uma grande variedade de condições médicas como mostra a Tabela 1.

 

Tabela 1. Papéis terapêuticos da oxigenoterapia hiperbárica

Embolia gasosa

Cicatrização de feridas

Intoxicação por monóxido de carbono

Anemia grave

Doença de descompressão

Abscesso cerebral actinomicótico

Mionecrose clostridial

Fasceíte necrotizante

Lesão por esmagamento

Osteomielite refratária

Isquemia traumática

Necrose por radiação

Feridas por diabetes

Enxertos e retalhos comprometidos

 

O número de usos potenciais da OHB continua a ser mal validado e requer uma avaliação mais rigorosa. Indicações futuras para OHB podem derivar de sua modulação aparente de isquemia-reperfusão e inflamação. Estudos experimentais avaliando usos em síndromes tão díspares como infarto do miocárdio, síndrome da resposta inflamatória sistêmica, trauma cerebral ou lesão da medula espinal, crise falciforme, fibromialgia e AVC têm sido realizados, com resultados variáveis. Outras investigações terão de ser realizadas antes que a OHB possa ser endossada para essas indicações potenciais.

 

Mecanismos de ação

A maioria dos benefícios da OHB é explicada pelas relações simples da física que determinam a concentração de gás, volume e pressão.

A quantidade de um gás ideal dissolvido em solução é diretamente proporcional à sua pressão parcial. Assim, a concentração de oxigênio dissolvido no plasma de 0,3 mL/dL ao nível do mar (1 atm), aumenta para 1,5 mL/dL após administração de oxigênio a 100%, enquanto o oxigênio hiperbárico com 3 atm produz um teor de oxigênio dissolvido de 6 mL/dL, o que é suficiente para atender a extração de oxigênio de tecidos em repouso, independentemente da adequação da saturação de oxigênio da hemoglobina. Esta característica permite à OHB ser utilizada em condições de baixa oferta de oxigênio como anemia grave, isquemias agudas e crônicas de tecidos e, especificamente, na intoxicação por monóxido de carbono (CO). O  monóxido de carbono é um gás que se liga à hemoglobina com uma afinidade até 250 vezes maior que a do oxigênio. A presença de carboxi-hemoglobina (COHb) resulta em uma diminuição na capacidade de transporte de oxigênio. A meia-vida da COHb é de quatro a seis horas no ar ambiente, mas isso diminui para 40 a 80 minutos bastando fornecer oxigênio a 100%. Ao colocar o paciente em OHB, esta meia-vida da COHb diminui ainda mais para 15 a 30 minutos.

No caso da doença de descompressão, o uso da OHB é baseada na lei de Boyle, uma vez que o volume das bolhas de nitrogênio é inversamente proporcional à pressão exercida sobre elas. Com 3 atm, o volume das bolhas diminui em cerca de 2/3, facilitando sua dissolução e metabolização nos tecidos.

Para a cicatrização de feridas, o que se sabe por experimentos é que a OHB modula efeitos locais e sistêmicos encontrados nas lesões isquêmicas e inflamatórias agudas e crônicas. Tais efeitos são mediados por moléculas reativas de oxigênio (radicais livres de oxigênio, peróxido de hidrogênio, ácido hipocloroso) e espécies reativas de nitrogênio (óxido nítrico), que são gerados no tecido. A hiperóxia induz vasoconstrição e reduz o edema vasogênico após trauma agudo. A OHB melhora o mecanismo de isquemia-reperfusão induzido por leucócitos, facilita a proliferação de fibroblastos, a angiogênese e a cicatrização de feridas. Além disso, a OHB aumenta a atividade dos neutrófilos, limita a esporulação e produção de exotoxinas de Clostridium, mata anaeróbios tais como Clostridium perfringens e inibe o crescimento de vários outros agentes bacterianos.

 

Técnica

A pressão da câmara é normalmente mantida entre 2,5 e 3 atm, realizando sessões que variam de 45 a 300 minutos, dependendo da indicação. Tratamentos agudos podem necessitar de apenas 1 ou 2 sessões, mas condições crônicas podem precisar de mais de 30 sessões.

A terapia hiperbárica pode ser feita com ar ambiente ou com oxigênio. Pressões superiores a 2,8 a 3 atm, particularmente em sessões prolongadas, oferecem maiores riscos de toxicidade ao oxigênio, podendo causar manifestações neurológicas e pulmonares. O uso de misturas de gases como heliox (hélio/oxigênio) ou nitrox (nitrogênio/oxigênio) são indicados particularmente no tratamento de doença de descompressão.

 

Contraindicações e complicações

A única contraindicação absoluta ao uso de OHB é a presença de pneumotórax não tratado.

Algumas contraindicações relativas são DPOC, infecção de via aérea superior com acometimento de seios da face, cirurgia ou trauma recente de canal auditivo, febre e claustrofobia. Pacientes com histórico de convulsão, pneumotórax ou cirurgia torácica são os de maior risco para complicações relacionadas a barotrauma ou toxicidade de SNC por oxigênio. Muitas das complicações que podem ocorrer com OHB são rápidas e reversíveis.

Em até 20% dos casos pode ocorrer miopia reversível, porém, em alguns casos, essa reversão pode ocorrer após semanas. Barotrauma ótico sintomático ocorre em 3 a 20% dos casos e é mais comum em pacientes realizando múltiplas sessões de tratamento.

Efusão de orelha média (que podem ser hemorrágicas) e rotura de membrana timpânica ocorrem com pouca frequência. Em apenas 1% dos casos, a terapia hiperbárica é contraindicada nestes pacientes, mas pode ser realizada timpanostomia com tubo para alívio dos sintomas.

Barotrauma pulmonar é raro, desde que quando um paciente tenha um pneumotórax, este esteja tratado antes de iniciar a OHB. Toxicidade pulmonar ao oxigênio ocorre mais em tratamentos com múltiplas sessões e se manifesta por opressão torácica, tosse e declínio da função pulmonar, que é reversível.

Convulsões por toxicidade em sistema nervoso central são extremamente raras, com uma incidência que varia nos estudos de 1 para 11.000 até 2,4 para 100.000 tratamentos. O risco é maior em sessões que duram mais de 90 a 120 minutos e com pressões maiores que 2,8 a 3 atm. Há maior risco em pacientes usuários de corticoide, insulina, hormônio tireoidiano e medicamentos com efeito simpatomimético. Há uma associação de OHB com hipoglicemia, portanto, este é sempre um diagnóstico diferencial a ser feito nos pacientes que tiverem convulsões. O tratamento envolve diminuição da FiO2 para 21%, administração de terapia anticonvulsivante e suspensão da sessão hiperbárica.

 

Uso clínico

A oxigenoterapia hiperbárica tem papel em diversas condições clínicas, como já apresentado na Tabela 1. A seguir, são citadas mais detalhadamente as principais situações de uso na prática clínica.

 

Intoxicação por monóxido de carbono

A intoxicação por monóxido de carbono (CO) é uma das principais causas de morte em intoxicações por via inalatória. A OHB reduz a meia-vida da carboxi-hemoglobina, permitindo minimizar o déficit cognitivo tardio induzido pela intoxicação por CO. Outra condição clínica causada por gás em que a OHB tem papel é na intoxicação por cianeto (produto da queima de materiais plásticos e sintéticos), que muitas vezes ocorre junto com a intoxicação por CO.

 

Doença descompressiva e embolia gasosa

Mergulhadores respirando ar comprimido que retornam à superfície muito rapidamente e aviadores que ultrapassam 5.500 metros de altitude têm risco destas duas condições clínicas, sendo que pessoas com forame oval patente são as de maior risco. A formação de bolhas nos tecidos ou no sangue ocorre quando a pressão parcial de um gás inerte (no caso, nitrogênio) fica superior à do ar ambiente. A obstrução de vasos e do sistema linfático por bolhas é acompanhada pela ativação de leucócitos, dano endotelial e alterações de permeabilidade capilar. Os sintomas podem ser graves, com déficit neurológico, paralisia, convulsões e choque hipovolêmico. Normalmente, os sintomas começam horas após a variação de altitude/pressão. Embolia gasosa venosa ou arterial pode decorrer de hiperinsuflação pulmonar e consequente rotura alveolar. Pode ocorrer não só em mergulhadores e aviadores, mas também em pacientes em ventilação mecânica. Outras situações de risco de embolia gasosa são relacionadas a cateteres centrais, cirurgias cardíacas, neurológicas e otorrinolaringológicas. A OHB é um tratamento primário na descompressão e na embolia, e o prognóstico dos pacientes é influenciado pelo tempo de início do tratamento após o diagnóstico. Em geral, é necessária uma sessão de 2 a 5 h a 2,5 a 3 atm, objetivando melhora de sintomas. Pacientes com déficits residuais podem se beneficiar de sessões extras. Alguns casos podem ter recorrência dos sintomas neurológicos após aparente melhora, o que pode ser por reembolização ou lesão de reperfusão.

 

Lesão térmica ou traumática aguda

O benefício da OHB em síndrome compartimental parece ser por combinação de aumento da oxigenação tecidual, diminuição do edema e proteção contra lesão de reperfusão e isquemia secundária, além dos efeitos antimicrobianos. Há um estudo que sugere realizar duas sessões diárias de 90 minutos por 6 dias, 24 horas após a abordagem cirúrgica inicial, o que minimiza a necessidade de retalhos, enxertos e amputações. Já quando estudado em vítimas de queimaduras, as evidências não apontam benefícios clínicos consideráveis.

 

Lesão por radiação

Em teoria, a OHB teria potencial de melhorar a osteorradionecrose em pacientes com câncer de cabeça e pescoço tratados com radioterapia, pois a OHB tem impacto na síntese de colágeno e na densidade vascular, porém os dados de literatura colocam esta opção como ainda incerta. Outros estudos sugerem que a OHB pode reduzir a radionecrose em partes moles, melhorando os desfechos em reconstruções feitas no peito, na região pélvica, na região perineal ou em extremidades que sofreram radioterapia. Uma revisão sistemática da Cochrane sugere benefício da OHB em lesão tardia por radiação em pacientes com lesão por radioterapia em cabeça, pescoço, ânus e reto.

 

Infecções

O tratamento primário de infecções agressivas de partes moles como gangrena gasosa, fasceíte necrotizante e Fournier consiste de antibióticos e debridamento cirúrgico agressivo. A OHB tem papel adjuvante nestas situações, melhorando sobrevida em infecções por Clostridium como a gangrena gasosa, diminuindo mortalidade e limitando o debridamento em Fournier e fasceítes necrotizantes. Indicações para outros quadros clínicos infecciosos, como mucormicose de partes moles e abscessos cerebrais actinomicóticos, ainda são controversas. Quando utilizado em infecções agudas, a OHB deve ser feita desde o início do tratamento, com 2 a 3 sessões diárias de 90 minutos a 3 atm.

 

Cicatrização de feridas, enxertos de pele e úlceras

A OHB tem sido usada como terapia auxiliar nestas condições e suas indicações são bem específicas, devendo ser acompanhadas por especialista na área.

 

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