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Diverticulose e Diverticulite

Autores:

Franciele Debortoli

Médica residente do Serviço de Gastrenterologia do Hospital da Cidade de Passo
Fundo.

Raquel Scherer de Fraga

Coordenadora do Programa de Residência Médica em Gastrenterologia do Hospital da Cidade de Passo Fundo. Doutora em Gastrenterologia pela UFRGS.

Última revisão: 02/07/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 60 anos, operário da construção civil, procura auxílio médico no serviço de emergência com ocorrências de dor abdominal, há dois dias, difusa, associada a vômitos e febre. O paciente relata apresentar constipação crônica e colonoscopia há cinco anos com divertículos de colo sigmoide. Ao realizar exame, verifica-se abdome distendido, doloroso à palpação difusa, principalmente no quadrante inferior esquerdo, com dor à descompressão brusca desse local. Os exames laboratoriais evidenciam leucocitose com desvio à esquerda. No raio X de abdome agudo, não há pneumoperitônio. Na tomografia computadorizada, de abdome, observa-se espessamento das paredes de colo sigmoide.

 

Definição

A doença diverticular do colo é caracterizada por herniações na parede colônica em locais de penetração vascular (Fig. 49.1). Ela é uma doença comum em países desenvolvidos e há um aumento de sua prevalência com a idade do paciente.

Diverticulose é o termo utilizado para descrever divertículos sem inflamação. Já a diverticulite ocorre quando há inflamação de um ou mais divertículos.

 

Epidemiologia

Nas últimas décadas, tem-se notado um aumento no número de pacientes com divertículos de colo. A real incidência é difícil de ser estimada, mas estudos recentes apontam uma prevalência de 12 a 49%, sendo essas taxas mais elevadas conforme a idade do paciente. A ocorrência varia de 10%, em pacientes com menos de 40 anos, para 50 a 70% naqueles com 80 anos ou mais. A prevalência é semelhante entre indivíduos de ambos os sexos, com índices de sangramento diverticular maiores em homens e de obstrução mais significativa em mulheres. Dez a 25% dos pacientes com diverticulose apresentarão quadro de diverticulite.

 

Anatomia Patológica

Os divertículos localizam-se paralelos às tênias, em locais de penetração das artérias que nutrem a mucosa do colo, onde ocorre fraqueza da parede. Eles afetam o colo sigmoide e descendente em mais de 90% dos pacientes. Podem variar de únicos a centenas, medindo entre 3 e 10 mm de diâmetro, mas podem alcançar mais de 2 cm.

 

 

Figura 49.1

Divertículos de colo.

 

Patogênese

A causa da doença diverticular ainda não foi completamente estabelecida. A patogênese envolve três grandes fatores: anormalidades estruturais do colo, relacionadas a alterações na composição da parede, como o colágeno e a elastina; alterações da motilidade intestinal, causando um aumento da pressão intraluminal; e dieta pobre em fibras.

 

Diverticulose

A diverticulose é diagnosticada devido à presença de um ou mais divertículos na parede do colo.

 

Sinais e sintomas

A maioria dos pacientes (75 a 80%) com diagnóstico acidental de diverticulose permanecem assintomáticos. Essa doença é caracterizada por dor abdominal inespecífica no abdome inferior sem evidências de processo inflamatório. A dor é em cólica, piorando com a alimentação, mas tem significativa melhora após evacuação ou eliminação de flatos. Os pacientes podem apresentar outros sintomas associados, como distensão abdominal e constipação. O exame físico frequentemente é normal, podendo alguns pacientes relatarem dor leve à palpação do quadrante inferior esquerdo do abdome.

 

Diagnóstico

O enema opaco foi considerado durante anos como o exame-padrão para o diagnóstico de diverticulose. Ele evidencia informações, como o número e a localização dos divertículos, mas não as lesões associadas. Hoje, o exame recomendado para esses pacientes é a colonoscopia, que deve ser realizada rotineiramente em todos os pacientes que apresentam doença sintomática, com o intuito de excluir lesões relacionadas à neoplasia. A colonoscopia é um método seguro, sendo limitada nos casos de espasmo ou estreitamento luminal.

 

Tratamento

Estudos mostram-se conflitantes no que se refere ao aumento da ingestão de fibras, observando uma melhora sintomática em pacientes com diverticulose, não sendo evidenciada, no entanto, a regressão dos divertículos. Não existem dados que comprovem a necessidade de exclusão de sementes da dieta.

Não há benefício com o uso de antiespasmódicos ou anticolinérgicos, também não existindo justificativa para a administração de analgésicos narcóticos e antibióticos em casos de doença diverticular não complicada. Tratamentos alternativos, como mesalazina e probióticos, têm sido recentemente propostos, mas nenhuma conclusão definitiva pode ser realizada até que grandes ensaios randomizados controlados por placebo estejam disponíveis.

 

Diverticulite

A diverticulite é a inflamação e/ou a infecção dos divertículos, sendo a complicação clínica mais comum nessa doença.

 

Fisiopatologicamente, como a diverticulite é desencadeada?

Os divertículos podem tornar-se agudamente inflamados por meio de fezes impactadas, causando obstrução do lúmen, com consequente ulceração da mucosa. Eles podem desenvolver perfuração microscópica, que são bem localizadas, contidas por gordura pericólica e mesentério, resultando em pequenos abscessos pericólicos. Quando a perfuração é macroscópica, o abscesso é mais extenso, com formação de grande massa inflamatória, podendo desenvolver fistulização.

 

Sinais e sintomas

As manifestações variam de acordo com a extensão da doença. Na maioria dos casos, os pacientes relatam constipação e dor no quadrante inferior esquerdo do abdome. É importante ressaltar que dor no abdome direito não descarta o diagnóstico de diverticulite, podendo ser encontrada na presença de colo sigmoide redundante, bem como de divertículos no colo direito (mais prevalentes na população asiática). Outros sintomas associados são náuseas, vômitos e diarreia. A hematoquezia é rara e deve sugerir outros diagnósticos.

Em relação ao exame físico, o paciente apresenta-se com dor à palpação do quadrante inferior esquerdo, defesa à palpação, podendo apresentar massa palpável. Os ruídos intestinais estão diminuídos, podendo ser normais no início da doença ou aumentados nos casos de obstrução colônica. A febre é um sintoma comum, assim como a leucocitose.

As consequências da diverticulite podem ser mais graves em pacientes imunocomprometidos, incluindo aqueles que realizaram transplante de orgãos, com infecção pelo vírus HIV ou em uso crônico de corticoides.

 

Diagnóstico

O diagnóstico da doença tem como base a história clínica e o exame físico do paciente, devendo ser instituído, nesses casos, o tratamento empírico. Os exames laboratoriais e de imagem são utilizados para a confirmação do diagnóstico ou para a exclusão de outras causas com sintomas semelhantes. A investigação complementar é reservada para os pacientes com diagnóstico incerto, pouca resposta ao tratamento empírico ou em casos de suspeita de complicações.

O diagnóstico diferencial é realizado com apendicite aguda, doença de Crohn, neoplasias de colo, colite isquêmica e pseudomembranosa e doenças ginecológicas.

 

Raio X

O raio X de abdome agudo deve ser feito nos pacientes com dor abdominal significativa para detecção de pneumoperitônio relacionado à macroperfuração. Em 30 a 50% dos pacientes com diverticulite aguda, o raio X de abdome evidencia alterações, como íleo, e sinais de dilatação ou obstrução intestinal.

 

Tomografia computadorizada (TC)

A TC de abdome com contraste venoso, oral e retal é o teste de escolha para confirmação de uma suspeita de diverticulite. O achado de infiltração da gordura pericólica é diagnóstico, bem como o espessamento da parede do colo e a formação de abscessos. Em pacientes com doença leve ou naqueles em que o diagnóstico é simples, a TC não é necessária.

 

Enema contrastado do colo

O enema opaco foi o teste padrão-ouro no diagnóstico de diverticulite e suas complicações durante anos, não sendo mais utilizado devido ao risco de extravasamento de contraste nos casos de perfuração.

 

Ultrassonografia

A ultrassonografia é raramente utilizada no diagnóstico da doença, mas tem seu papel na exclusão de doença ovariana em mulheres.

 

Exame endoscópico

A colonoscopia deve ser evitada para avaliação inicial dos pacientes com diverticulite aguda devido ao risco de perfuração. A retossigmoidoscopia com insuflação mínima é útil para exclusão de outros diagnósticos, como doença inflamatória intestinal, carcinoma ou colite isquêmica. A colonoscopia deve ser realizada de seis a oito semanas após a resolução do quadro para avaliação dos diagnósticos coexistentes, especialmente neoplasias.

 

Classificação de gravidade

A gravidade do quadro de diverticulite é classificada de acordo com os critérios de Hinchey (Tab. 49.1). A mortalidade é menor do que 5% nos pacientes em estágio I ou II, aproximadamente 13% para os que estão em estágio III e 45% no estágio IV.

 

 

Tratamento

Primeiramente, deve-se decidir sobre a necessidade de hospitalização. É preciso analisar a capacidade de ingesta por via oral, a gravidade da doença, as comorbidades e o suporte familiar. Pacientes com sintomas leves, sem sinais de peritonite e boa ingesta oral são candidatos a tratamento ambulatorial.

Em casos de pacientes com diverticulite complicada, ou aqueles não complicados, mas que são idosos, imunodeprimidos, com comorbidades graves, febre alta e leucocitose, a hospitalização é obrigatória.

 

Tratamento ambulatorial. Consiste em dieta líquida clara e uso de antibióticos de amplo espectro contra anaeróbios e gram-negativos, principalmente Escherichia coli Bacteroides fragilis (Tab. 49.2). Os pacientes apresentam melhora do quadro em 48 a 72 horas, quando a dieta deve passar a ser branda. O tratamento antibiótico deve ser mantido por 7 a 10 dias. Nos pacientes em que ocorre piora da dor, febre e incapacidade de manter dieta via oral, a hospitalização é indicada.

 

Tratamento hospitalar. Os pacientes com critérios que indiquem a necessidade de hospitalização devem permanecer sem receber nada por via oral (NPO) e deve ser iniciada infusão de líquidos intravenosos. Deve-se corrigir os distúrbios eletrolíticos e iniciar a administração de antibióticos de amplo espectro por via intravenosa (com cobertura para anaeróbios e gram-negativos) (Tab. 49.2). A melhora clínica é observada em 48 a 72 horas, e deve-se iniciar dieta progressiva.

 

Fonte: Salzman e Lillie.1

 

Nos pacientes que não apresentarem melhora, deve-se suspeitar e investigar complicações. A maioria dos pacientes hospitalizados por diverticulite aguda respondem ao tratamento conservador, mas 15 a 30% necessitam de intervenção cirúrgica.

A avaliação cirúrgica é necessária quando os pacientes não respondem ao tratamento clínico, apresentam recidivas frequentes, formação de abscesso e fístulas, sinais de obstrução e perfuração livre.

 

Complicações

Entre as complicações, estão abscesso, fístulas, obstrução intestinal e perfuração livre, que requerem tratamento cirúrgico.

 

Abscessos. Deve haver suspeita de abscesso nos casos de melhora clínica lenta, com febre e leucocitose persistente (mesmo na instituição de tratamento antibiótico por via intravenosa) ou presença de massa dolorosa no exame físico. Nesses casos, a TC é o melhor exame para o diagnóstico definitivo do abscesso e sua evolução, permitindo também a drenagem percutânea guiada. Nos abscessos pequenos pericólicos, o manejo pode ser conservador. Quando houver necessidade de tratamento cirúrgico, a ressecção em bloco com anastomose primária pode ser realizada.

 

Fístulas. Quando um abscesso se estende ou rompe para órgãos adjacentes, podem ocorrer fístulas, sendo a colovesical a mais comum (65% dos casos). As fístulas têm uma predominância de 2:1 em indivíduos do sexo masculino, atribuída pela proteção da bexiga pelo útero nas mulheres. Pneumatúria e fecalúria são sintomas comuns. Cistografia, cistoscopia e radiografia contrastada são úteis para o diagnóstico. A passagem de fezes pela vagina é patognomônica. O tratamento para as fístulas é cirúrgico com a ressecção e o fechamento destas.

 

Obstrução. A obstrução pode ser uma complicação aguda ou crônica da doença diverticular. Nos episódios de diverticulite aguda, pode ocorrer obstrução colônica parcial em decorrência do estreitamento luminal relacionado à inflamação pericólica e/ou compressão por abscesso. A ocorrência de obstrução completa é rara, podendo ocorrer íleo ou pseudo-obstrução.

Essas condições frequentemente melhoram com o tratamento clínico. Se a obstrução não melhorar, está indicada a intervenção cirúrgica. Episódios repetidos de diverticulite podem iniciar um processo de fibrose e estenose da parede do colo, podendo surgir um quadro de obstrução completa que requer tratamento cirúrgico.

 

Hemorragia. Os divertículos e as ectasias vasculares causam a maioria dos episódios de hemorragia digestiva baixa. Estudos recentes mostram que a etiologia mais comum, com 24 a 42% dos casos, é de origem diverticular. Existe uma associação entre o uso de anti-inflamatóriosnão esteroides (AINEs) e quadros de hemorragia diverticular. Pode haver hemorragia grave em 3 a 5% dos pacientes com diverticulose. O sangramento é de origem arterial, determinado pela ruptura dos vasos sanguíneos (vasa recta).

A apresentação clínica é de sangramento de início abrupto e indolor. Os pacientes podem apresentar dor leve no abdome superior com posterior urgência para defecar, com passagem de sangue vermelho ou acastanhado e coágulos. A hemorragia cessa espontaneamente em 70 a 80% dos pacientes.

O tratamento consiste em estabilização hemodinâmica com posterior exame endoscópico para descartar que a origem do sangramento seja no trato gastrintestinal alto. A sigmoidoscopia flexível é indicada no manejo inicial.

Se a etiologia não for encontrada, deve-se realizar outros exames, como angiografia e cintilografia. O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes em que o tratamento clínico, endoscópico e angiográfico falhou.

 

Caso Clínico Comentado

O caso clínico do paciente em questão é típico de diverticulite não complicada.

Foi prescrita antibioticoterapia oral, com ciprofloxacina e metronidazol por 14 dias. O paciente apresentou melhora clínica.

Foi solicitada colonoscopia para ser realizada em 60 dias, com o objetivo de descartar doenças associadas.

 

Referência

1. Salzman H, Lillie D. Diverticular disease: diagnosis and treatment. Am Fam Physician. 2005;72(7):1229-34.

 

Leituras Recomendadas

Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ, editors. Sleisenger and Fordtran’s gastrointestinal and liver disease. 9th ed. Philadelphia: Saunders; 2010.

Jacobs DO. Clinical practice. Diverticulitis. N Engl J Med.2007;357(20):2057-66.

Matrana MR, Margolin DA. Epidemiology and pathophysiology of diverticular disease. Clin Colon Rectal Surg. 2009;22(3):141-6.

Stollman NH, Raskin JB. Diagnosis and management of diverticular disease of the colon in adults. Ad Hoc Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. Am J Gastroenterol.1999;94(11):3110-21.

Stollman NH, Raskin JB. Diverticular disease of the colon. Lancet.2004;363(9409):631-9.

Vermeulen J, van der Harst E, Lange JF. Pathophysiology and prevention of diverticulitis and perforation. Neth J Med. 2010;68(10):303-9.

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