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trombocitopenia

Autor:

Denise Lehugeur

Médica internista e hematologista contratada da Emergência de Adultos do HCPA.

Última revisão: 14/03/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 18 anos, branco, hígido até cerca de um mês atrás, apresentou hepatite A. Há aproximadamente 15 dias, ele desenvolveu um quadro de fadiga intensa e palpitações aos esforços, petéquias e equimoses nos membros inferiores, gengivorragia e febre, motivos pelos quais procurou o serviço de emergência. Ao realizar exame, o paciente apresentou-se pálido, eupneico, com pressão arterial de 100/70 mmHg, frequência cardíaca de 116 bpm, frequência respiratória de 24 rpm e temperatura axilar de 38,5°C. Na orofaringe, foram observados sangramento gengival e petéquias no palato duro; no aparelho cardiovascular, ritmo cardíaco regular, 2 tempos, BNH, sopro sistólico FM+/4++; no aparelho respiratório, murmúrio vesicular uniformemente distribuído, sem ruídos adventícios. Na avaliação do abdome, este apresentou-se plano, com ruídos hidroaéreos aumentados, flácido, indolor, sem massas ou megalias; extremidades: pulsos amplos, sem edema, petéquias difusas nos membros inferiores. Realizou-se hemograma, a partir do qual foram obtidos os seguintes resultados: hematócrito de 21%, hemoglobina de 7,0 g/dL, volume corpuscular média (VCM) de 85 fL, hemoglobina corpuscular média (HCM) de 28 pg, CHCM de 34, RDW de 16, 1.200 leucócitos totais (400 segmentados, 0 eosinófilos, 0 basófilos, 50 monócitos, 750 linfócitos), 10.000 plaquetas, esfregaço do sangue periférico sem anormalidades. Após transfusão de plaquetas e início de antibioticoterapia de amplo espectro, o paciente foi encaminhado para avaliação da medula óssea.

 

Definição

A contagem normal de plaquetas em adultos é determinada por meio da média de cerca de dois desvios-padrão de um grupo de indivíduos saudáveis, e ela varia de 150.000 a 450.000/ L, embora o nível para qualquer indivíduo seja mantido dentro de limites nítidos e estreitos dia a dia.

A trombocitopenia é definida como uma contagem de plaquetas menor do que 150.000/ L.

Uma queda recente de 50% na contagem plaquetária, ainda que esteja dentro dos valores de referência, pode indicar problemas clínicos sérios e requer um acompanhamento ativo. Entretanto, a trombocitopenia em geral não é diagnosticada clinicamente até que a contagem de plaquetas tenha sido reduzida a níveis significativos – abaixo de 50.000/ L.

 

Epidemiologia

A definição da epidemiologia depende da causa da doença. Deve-se considerar que 2,5% da população normal apresenta uma contagem de plaquetas abaixo de 150.000, conforme mencionado anteriormente (desvio-padrão). A administração de heparina, quando utilizada em dose profilática contra tromboembolia venosa, evidencia um risco de trombocitopenia induzida por heparina de menos de 0,1%. Contudo, quando utilizada uma dose anticoagulante (e não profilática), o risco de desenvolver trombocitopenia induzida por heparina aumenta para 0,76%.

 

Trombopoiese

Com uma meia-vida de cerca de 10 dias, um volume sanguíneo de 5 L e um terço das plaquetas estocadas no baço, um adulto deve produzir, a cada dia, em média cerca de 100 bilhões de plaquetas para manter uma contagem normal em condições estáveis, nível de produção que pode elevar-se muito sob condições de aumento da demanda. Em indivíduos normais, a produção de plaquetas é de aproximadamente 35.000 a 50.000/ L de sangue total por dia.

A trombopoiese depende do microambiente da medula óssea, da superfície celular e de fatores de crescimento hematopoiéticos solúveis, especialmente o fator de crescimento da célula-tronco (SCF) e a trombopoietina (Tpo), que são indispensáveis para a trombopoiese normal e estimulada in vivo.

Estudos têm observado que as plaquetas apresentam uma função de suporte endotelial por ligar os espaços endoteliais em vasos sanguíneos intactos. Estima-se que uma quantidade fixa de plaquetas de 7.000/ L/dia sejanecessária para manter a hemostasia normal. Desse modo, parece haver uma necessidade fisiológica basal de plaquetas para evitar os sangramentos espontâneos. Essa necessidade aumenta em casos de febre, sepse, inflamação e utilização de certas medicações.

 

Sinais e Sintomas

Pacientes com trombocitopenia podem ser assintomáticos, e é possível que a trombocitopenia seja primeiramente observada em um hemograma de rotina.

A apresentação sintomática da trombocitopenia é o sangramento, que ocorre em geral imediatamente após a lesão, inicialmente, na pele e nas membranas mucosas, e não envolve articulações e músculos.

 

Geralmente não há sangramentos cirúrgicos apenas pela redução no número de plaquetas, pelo menos até que a contagem de plaquetas seja menor do que 50.000/ L, e sangramentos espontâneos e clínicos não ocorrem até que a contagem de plaquetas seja menor do que 10.000 a 20.000/ L.

 

Os sangramentos de mucosa podem manifestar-se como epistaxe sangramento gengival, e grandes hemorragias bolhosas podem surgir na mucosa bucal devido à falta de proteção vascular proporcionada pelo tecido submucoso.

O sangramento na pele é caracterizado pelo aparecimento de petéquias, púrpuras (petéquias confluentes) ou equimoses superficiais.

menorragia (fluxo menstrual que não reduz após mais de três dias) e a metrorragia (sangramento uterino entre os períodos menstruais) são também de incidência comum, e pode haver sangramentos de cortes superficiais persistentes e profusos.

Os pacientes com trombocitopenia apresentam predisposição para sangramento imediatamente após trauma vascular. Os sangramentos pós-traumáticos ou pós-cirúrgicos em geral respondem a medidas locais, porém podem persistir por horas ou dias depois da ocorrência de pequenas lesões.

Raramente há sangramento no SNC, mas quando ocorre é com frequência precedido por trauma; no entanto, trata-se da causa de morte mais comum devido à trombocitopenia.

 

Patogênese

Semelhante à série eritroide, os principais mecanismos que reduzem a contagem plaquetária são produção diminuída aumento da destruição dessas células. Dois mecanismos adicionais são trombocitopenia dilucional distribucional.

 

Antes de considerar o mecanismo da trombocitopenia, é imprescindível descartar a possibilidade de pseudotrombocitopenia, em que a contagem de plaquetas pode apresentar-se falsamente baixa devido a diversas situações clínicas como as seguintes:

 

•Quantidade inadequada de anticoagulante na amostra enviada para o hemograma, resultando em agregados plaquetários induzidos por trombina.

•Cerca de 0,1% dos indivíduos normais apresentam aglutininas EDTA-dependentes (anticoagulante utilizado no tubo que contém a amostra enviada ao hemograma) que podem causar agregação plaquetária.

•Após a administração do anticorpo monoclonal murino abciximabe.

 

Diminuição da produção de plaquetas. A produção de plaquetas pode estar prejudicada quando a medula óssea é suprimida ou danificada, quase sempre com diminuição simultânea da produção eritroide e leucocitária. Embora trombocitopenias congênitas sejam mais comumente diagnosticadas durante a infância, algumas condições são leves e não reconhecidas até que o indivíduo adulto realize um hemograma de rotina incluindo contagem de plaquetas (Quadro 53.1).

 

 

Aumento da destruição de plaquetas. O aumento da destruição de plaquetas é observado em diversas condições (ver Quadro 53.2).

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Dilucional. Pacientes que apresentam perda sanguínea maciça e suporte transfusional com concentrado de hemácias desenvolverão uma trombocitopenia dilucional devido à inexistência de plaquetas no referido hemoderivado. A contagem usual de plaquetas em pacientes que recebem de 15 a 20 unidades de concentrado de hemácias em 24 horas é, respectivamente, de 47 a 100x10³/ L e de 25 a 61x10³/ L. Esse problema é contornado por meio da realização de transfusão do concentrado de plaquetas em pacientes que recebem mais de 20 unidades de concentrado de hemácias em 24 horas.

 

Distribucional. Normalmente, cerca de 33% das plaquetas circulantes são sequestradas no baço, onde elas estão em equilíbrio com as plaquetas circulantes. O sequestro esplênico das plaquetas pode aumentar para até 90% em pacientes com esplenomegalia congestiva devido à hipertensão porta, embora a massa total de plaquetas e a sobrevida delas permaneça relativamente normal. Dessa forma, pacientes com esplenomegalia e hiperesplenismo podem apresentar graus significativos de aparente trombocitopenia (com ou sem anemia e leucopenia), mas raramente apresentam sangramento clínico, uma vez que a massa total de plaquetas disponível geralmente é normal.

 

Diagnóstico

Avaliação clínica

Não há exame que substitua história familiar e clínica e exame físico acurados, porém uma contagem de plaquetas que não faz sentido dentro do contexto clínico deve ser repetida antes que uma avaliação extensiva seja realizada.

 

História médica geral

Condições associadas à trombocitopenia

Certas condições são óbvias e podem ser imediatamete reconhecidas pelo clínico (Quadro 53.3).

 

Medicações

É necessário revisar a lista de medicações que podem estar associadas ao desenvolvimento de trombocitopenia e que estejam sendo utilizadas pelo paciente (Tab. 53.1).

 

 

 

 

 

Também se deve incluir qualquer produto sem receituário médico, como fitoterápicos e bebidas contendo quinina.

As medicações podem causar trombocitopenia devido à indução da destruição periférica de plaquetas, à produção de aplasia ou hipoplasia da medula óssea ou ao agravamento de um distúrbio plaquetário subjacente.

O tempo de início do sangramento clínico ou do primeiro reconhecimento da trombocitopenia com o uso das medicações deve ser explorado detalhadamente, pois isso pode destacar o agente mais provável.

 

Viagens recentes

A presença de febre e trombocitopenia em um adulto ou em uma criança que viajou recentemente pode indicar infecção.

 

História de sangramentos

Os pacientes com suspeita de um distúrbio hemorrágico devem ser questionados sobre:

problemas de sangramentos no passado;

história de anemia responsiva ao ferro;

sangramentos com procedimentos cirúrgicos e extrações dentárias;

história de transfusão;

características do fluxo menstrual.

 

Exame físico

Há áreas críticas que devem ser examinadas e que incluem (mas não são limitadas) a realização dos seguintes exames:

Fundoscopia para evidência de sangramento, uma vez que o sangramento no SNC é a maior causa de morte em paciente trombocitopênico.

Exame físico para identificar linfadenopatias, hepatoesplenomegalia e outras massas que podem sugerir a existência de distúrbio disseminado.

Exame da pele: essa etapa do exame deve ser a mais detalhada, já que o sangramento na pele é um dos achados mais comuns na trombocitopenia.

 

Exames laboratoriais

Deve-se iniciar os exames laboratoriais com a realização de hemograma completo com esfregaço.

 

Hemograma com esfregaço

O padrão-ouro para a avaliação de trombocitopenia de qualquer causa é o exame do esfregaço do sangue periférico preparado de uma amostra fresca de sangue não anticoagulado.

O esfregaço periférico proporciona uma estimativa do número de plaquetas, determina a presença ou a ausência de agregados plaquetários, a morfologia das plaquetas, bem como a avaliação de alterações associadas das séries branca e eritroide (Tab. 53.2 e Quadros 53.4 e 53.5).

• Pseudotrombocitopenia e artefatos: deve-se confirmar se a plaquetopenia é verdadeira, e não causada por artefatos ou troca de amostra.

Pode haver uma contagem baixa de plaquetas devido à anticoagulação inadequada da amostra ou à agregação das plaquetas induzida por EDTA, observando-se a existência de agregados plaquetários no esfregaço.

• Morfologia plaquetária anormal: há diversos distúrbios trombocitopênicos congênitos que podem ser diagnosticados após a realização do exame do esfregaço em virtude das alterações no tamanho das plaquetas, dos grânulos plaquetários anormais e/ou de inclusões neutrofílicas. Muitos desses pacientes são inicial e erroneamente diagnosticados com PTI (Tab. 53.2).

 

Exame da medula óssea

A realização de aspirado e biópsia de medula óssea é indicada em praticamente todos os pacientes com trombocitopenia grave o suficiente para constituir um risco de sangramento maior. O paciente com menos de 60 anos e com trombocitopenia isolada, cujos exame físico, hemograma completo e exame do esfregaço periférico não sugerem outras etiologias para a trombocitopenia e, portanto, apresenta um diagnóstico clínico de PTI não deve realizar esses exames.

Em pacientes acima de 60 anos, trombocitopenia isolada pode ser a anormalidade inicial da mielodisplasia, e, por conseguinte, o exame da medula óssea é apropriado.

Embora seja possível determinar se a trombocitopenia é causada devido à diminuição da produção ou ao aumento da destruição com as demais informações clínicas e laboratoriais citadas, a única maneira definitiva de confirmar essas possibilidades é por meio do exame da medula óssea.

 

 

 

 

Tratamento

A causa subjacente e a história natural do distúrbio trombocitopênico determina a abordagem terapêutica (Quadro 53.6).

Em qualquer situação clínica, o risco de sangramento do paciente trombocitopênico pode ser reduzido evitando-se o uso de drogas que prejudiquem a hemostasia (p. ex., álcool, agentes antiplaquetários, anticoagulantes) e procedimentos invasivos (p. ex., injeções intramusculares). Havendo suspeita de trombocitopenia induzida por droga, deve-se interromper a administração de todas as medicações sempre que possível.

Independentemente do mecanismo causador da trombocitopenia, episódios de sangramentos com risco de vida devem ser tratados por meio de transfusão de plaquetas.

 

A decisão de realizar transfusão profilaticamente é guiada, em linhas gerais, da seguinte forma:

Pacientes com distúrbios trombocitopênicos crônicos, caracterizados por aumento da destruição plaquetária (p. ex., PTI) ou diminuição da produção crônica (p. ex., anemia aplásica, mielodisplasia), podem tolerar longos períodos de trombocitopenia grave sem haver sangramento maior.

Uma transfusão profilática pode determinar aloimunização contra antígenos leucocitários humanos (HLA) ou contra antígenos plaquetários, estabelecendo um risco para as futuras transfusões de plaquetas de caráter terapêutico, e a transfusão profilática está raramente indicada para esses pacientes.

Havendo um risco de sangramento maior, mesmo que transitório, como traumas e determinadas cirurgias, a contagem de plaquetas deve ser mantida acima de 50x10³/ L.

Procedimentos mais invasivos, como toracocentese, paracentese e biópsia hepática, geralmente não são associados a sangramento excessivo se a contagem de plaquetas for maior que 50x10³/ L.

 

 

Transfusão profilática de plaquetas não deve ser realizada em pacientes com trombocitopenia induzida por heparina, púrpura trombocitopênica trombótica ou síndrome hemolítico-urêmica, pois pode haver agravamento das complicações trombóticas mediadas por plaquetas.

O Quadro 53.7 e a Tabela 53.3 reúnem outras informações importantes.

 

 

Caso Clínico Comentado

O medulograma evidencia hipocelularidade difusa devido à redução global das três séries hematopoiéticas, confirmada pela biópsia de medula óssea, sem aumento de blastos, alterações mielodisplásicas ou megaloblásticas, infiltração por neoplasias ou presença de granulomas, sendo firmado o diagnóstico de aplasia de medula óssea.

Um paciente previamente hígido pode desenvolver pancitopenia decorrente da interrupção da produção hematopoiética por lesão à célula-tronco, que pode ser causada, por exemplo, por agente infeccioso viral, como os vírus das hepatites A, B ou C. Em termos clínicos, a seguinte tríade deve ser observada: síndrome anêmica (fadiga, palpitações aos esforços, palidez, taquicardia), quadro febril (temperatura axilar de 38,5°C) e sangramentos (epistaxe, gengivorragia, petéquias, equimoses) pelo déficit de produção.

A leucopenia (neutropênica e linfocitopênica) causa um risco aumentado de infecções graves. Assim, a investigação de um foco infeccioso, associado à terapia empírica com antibióticos de amplo espectro, em especial com cobertura para gram-negativos (que desencadeiam sepse potencialmente fatal em até 24 horas na presença de neutropenia) é uma medida imediata, bem como a transfusão de plaquetas, uma vez que o paciente apresenta plaquetopenia grave devido a sangramentos ativos.

Deve-se considerar que as transfusões são restritas nesses pacientes se não houver clara indicação, em decorrência da aloimunização, que pode complicar a realização de um transplante de medula óssea quando indicado.

 

Leituras Recomendadas

Cines DB, Bussel JB, Liebman HA, Luning Prak ET. The IPT syndrome: pathogenic and clinical diversity. Blood. 2009;113(26):6511-21.

D’Andrea G, Chetta M, Margaglione M. Inherited platelet disorders: thrombocytopenias and thrombocytopathies. Blood Transfus.2009;7(4):278-92.

Gawaz M, Langer H, May AE. Platelets in inflammation and atherogenesis. J Clin Invest. 2005;115(12):3378-84.

George JN, Aster RH. Drug-induced thrombocytopenia: pathogenesis, evaluation, and management. Hematology Am Soc Hematol Educ Program.2009:153-8.

Kaushansky K. Determinants of platelet number and regulation of thrombopoiesis. Hematology Am Soc Hematol Educ Program.2009:147-52.

Marwaha N, Sharma RR. Consensus and controversies in platelet transfusion. Transfus Apher Sci. 2009;41(2):127-33.

Tsai HM. Pathophysiology of thrombotic thrombocytopenic purpura. Int J Hematol. 2010;91(1):1-19.

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