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HIV

Autores:

Ana Paula Pfitscher Cavalheiro

Médica internista. Médica residente do Serviço de Infectologia do HCPA.

Eduardo Sprinz

Médico infectologista. Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutor em Medicina pela UFRGS.

Daniela Z. Larentis

Médica residente do Serviço de Medicina Interna/Infectologia do HCPA.

Última revisão: 17/03/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 47 anos, branco, casado, que exerce a profissão de caminhoneiro, comparece ao posto de saúde devido a emagrecimento de 10 kg e fadiga com início há quatro meses. O paciente apresenta-se previamente hígido. Ele afirma não utilizar drogas; é tabagista e etilista. Relata ter relações heterossexuais com várias parceiras sem uso de preservativos.

Ao realizar exame são observados: emagrecimento, temperatura axilar de 36,7°C, discreta hiperemia e descamação na face, frequência cardíaca de 83 bpm e frequência respiratória de 21 rpm. Na oroscopia, são evidenciadas lesões brancacentas na língua e no palato que sugerem candidíase oral. A partir do hemograma, verificam-se anemia normocítica e normocrômica e linfocitopenia. Não há outras particularidades no exame físico. Na radiografia de tórax, não são identificadas alterações significativas. O resultado do teste no sangue para presença de anticorpos anti-HIV é positivo.

 

Definição

O vírus da imunodeficiência humana também conhecido por HIV (sigla em inglês para human immunodeficiency virus), pertence à família dos retrovírus que têm a sua informação genética codificada em ácido ribonucleico (RNA). Ele é o agente causador da doença infectocontagiosa que, na maioria das vezes, resulta na deficiência progressiva da imunidade, ocasionando a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), o estágio final da infecção. Nessa fase, se não tratada, a infecção é fatal.

 

Patogênese

O HIV apresenta tropismo por diversas células, principalmente macrófagos ativados e as que expressam o receptor CD4 na membrana celular. Assim, liga-se aos linfócitos que expressam o receptor CD4, que são, em sua maioria, linfócitos T de socorro ou auxiliares. Posteriormente, une-se ao correceptor de entrada (em geral denominado CCR5 e, com menor frequência, CXCR4) para, em seguida, ocorrer a fusão de sua membrana com a célula do hospedeiro, o que permite a entrada do seu código genético no citoplasma do linfócito T CD4+. O genoma do HIV é, então, transcrito de RNA para DNA por meio da enzima transcriptase reversa. Após, o DNA viral é carregado para o núcleo e inserido junto ao DNA do hospedeiro pela enzima integrase. Por diversos estímulos, tais como multiplicação celular ou infecções associadas, produz proteínas virais que saem do genoma humano. A seguir, ao serem clivadas pela enzima protease, tais proteínas virais organizam-se e amadurecem, podendo infectar novas células. A Figura 68.1 mostra o ciclo do HIV na célula humana.

Existem dois tipos de vírus do HIV: tipo 1 e tipo 2. O HIV-1 é o agente causador da maioria dos casos da doença e pode ser classificado basicamente em três grupos: M (o principal e que predomina no mundo), O e N (não pertence aos dois grupos anteriores). O grupo M pode ser dividido em diversos subgrupos (ou classes), que atualmente vão de A a H. Apesar de os primeiros casos (diagnosticados no hemisfério norte) apresentarem o subtipo B, o subgrupo que predomina no mundo é o C. O HIV-2, originado no oeste africano e praticamente inexistente no Brasil, quando comparado ao HIV-1, é menos transmissível, está associado a menor carga viral e apresenta um curso menos agressivo da doença.

 

 

Figura 68.1

Ciclo de vida resumido da replicação viral do HIV.

 

Epidemiologia

Inicialmente, no ano de 1981, esse vírus foi identificado em homens que mantinham relações sexuais com outros homens. Hoje, o HIV é uma pandemia, e todos os continentes do planeta apresentam casos de infecção pelo vírus. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde,1,2  em 2010, havia cerca de 33 milhões de pessoas contaminadas pelo HIV no mundo, sendo que 25,5 milhões estavam na África subsaariana. Além disso, estima-se que aproximadamente 40 milhões de pessoas já tenham morrido devido a essa epidemia. A prevalência estimada, no Brasil, segundo o Ministério da Saúde,³ no ano de 2010, é de 630 mil pessoas infectadas; dessas, cerca de 180 mil utilizam medicamentos antirretrovirais. O número atual de mortes tem diminuído progressivamente de 2,2 milhões, em 2005, para 2 milhões em 2007, devido ao tratamento antirretroviral (TARV).

 

Transmissão

Os principais modos de transmissão são por via sexual (vaginal, anal e oral), parenteral (com o compartilhamento de drogas injetáveis, transfusão sanguínea, ou de seus derivados, ou de exposição ocupacional) e materno-fetal (durante a gestação, parto ou amamentação). Os principais fatores de risco para a transmissão sexual são uma maior exposição ao vírus sem  proteção (uso de preservativo), existência de outras infecções sexualmente transmitidas e lesões (até mesmo microtraumatismos) na região genital. Há mais chance de transmissão em indivíduos que apresentam elevada quantidade do vírus no sangue.

 

Sinais e Sintomas

A história do HIV não tratado é dividida nos estágios mostrados na Figura 68.2.

Inicialmente, após 2 a 12 semanas da exposição, em geral o indivíduo pode apresentar a síndrome retroviral aguda, que varia desde um resfriado comum até um quadro de virose grave e multissistêmica. Os sinais e os sintomas mais comuns podem ser verificados na Tabela 68.1.

Nenhum dos sinais e sintomas da síndrome aguda são específicos, isto é, o médico deve elaborar hipótese diagnóstica com base nos achados e na história recente de possível exposição ao HIV.

Após a fase aguda, também conhecida como soroconversão (quando o indivíduo desenvolve anticorpos contra o HIV), que ocorre entre 2 a 10 semanas depois do contágio, inicia-se a fase de latência clínica, geralmente assintomática, com duração de cinco a nove anos. Nesse período, há destruição progressiva dos linfócitos T CD4+, responsáveis pelas defesas do nosso organismo. A queda da imunidade está associada a um aumento na chance de desenvolvimento de doenças oportunistas, assim denominadas por não ocorrerem em indivíduos com imunidade preservada. Nesse estágio, a doença é sintomática e denominada Aids, que, sem tratamento, causa a morte do indivíduo em um a dois anos.

 

 

Figura 68.2

Fases da infecção pelo HIV.

 

 

Diagnóstico

 

HIV

O diagnóstico sorológico do HIV pode ser realizado tanto por meio de teste-padrão quanto de teste rápido, mas somente após o consentimento esclarecido do paciente. Os primeiros testes surgiram em 1985; desde então, houve melhora da acurácia, diminuindo o período de janela imunológica – período entre o contágio e a viragem sorológica, com duração média de 30 dias. Nessa fase, realiza-se o diagnóstico por exame de RNA-HIV (carga viral). Um resultado positivo no teste de rastreamento sempre precisa ser confirmado com o western blot ou imunofluorescência indireta e com a coleta de uma nova amostra, conforme fluxograma sugerido pelo manual do Ministério da Saúde de 20084 (Fig. 68.3).

O teste rápido é de baixo custo e fácil execução, fornecendo o resultado em aproximadamente 30 minutos. Esse teste é indicado nas seguintes situações:

 

Populações que moram em locais de difícil acesso

Gestantes que não fizeram o acompanhamento no pré-natal

Situações de acidentes no trabalho

 

Não é necessário realizar os testes confirmatórios para concluir o diagnóstico da infecção pelo HIV.

Na Figura 68.4, tem-se o algoritmo para interpretação do teste rápido, conforme manual do Ministério da Saúde.4

 

Aids

O diagnóstico de Aids é baseado no diagnóstico sorológico de HIV, associado à existência de uma condição definidora de Aids e/ou contagem de CD4 de menos de 500 cél/mm³.

As doenças consideradas definidoras de Aids estão no Quadro 68.1.

 

Notificação dos casos

A infecção pelo HIV é de notificação compulsória por qualquer profissional de saúde nas seguintes situações:

Diagnóstico de Aids

Gestante com HIV

Exposição vertical (chance de transmissão materno-fetal)

Exposição ocupacional

493

 

Figura 68.3

Fluxograma para rastreamento do HIV.

Teste 1 e teste 2, imunoensaio; IFI, imunofluorescência indireta; IB, imunoblot; IC, inconclusivo; I, indeterminado; (-), não reagente; (+), reagente.

 

 

Figura 68.4

Algoritmo para interpretação do teste rápido de HIV.

 

 

Tratamento

As indicações de tratamento são as seguintes:

Para casos sintomáticos, independentemente da contagem de CD4, o tratamento é indicado. Esta situação inclui tuberculose ativa, independente da forma clínica, alterações neurológicas, nefropatia e miocardiopatia associadas ao HIV.

Para assintomáticos, as medidas são as seguintes:

Se CD4 apresentar contagem de menos de 500 é indicado tratamento.

Se a contagem de CD4 for de mais de 350 a 500 cél/mm³, o tratamento é recomendado para pacientes que são coinfectados pela hepatite B e que tenham indicação de tratamento da hepatite. Considerar início de TARV em pacientes com doença cardiovascular ou risco cardiovascular elevado e neoplasias que necessitem de tratamento imunossupressor.

Gestantes a partir da 14ª semana também devem realizar tratamento.

Deve-se oferecer o tratamento como medida de prevenção de transmissão para pacientes portadores de HIV que tenham parceiro não portador do vírus, independente da contagem de CD4.

 

Os antirretrovirais disponíveis são os que constam a seguir:

Inibidores da transcriptase reversa análagos dos núcleosídeos (ITRN)/nucleotídeos (ITRNt):

Lamivudina (3TC)

Zidovudina (AZT, ZDV)

Tenofovir (TDF)

Abacavir (ABC)

Didanosina (ddI)

Estavudina (d4T)

Entricitabina (FTC): não disponível ainda no Brasil.

Inibidores da transcriptase reversa não análagos dos nucleosídeos (ITRNNs):

Efavirenz (EFZ)

Nevirapina (NVP)

Etravirina (ETR)

Inibidores da protease (IP):

Lopinavir/ritonavir (LPV/r)

Atazanavir +/- ritonavir (ATV/r)

Indinavir/ritonavir (IDV/r)

Darunavir/ritonavir (DRV/r)

Fosamprenavir/ritonavir (FPV/r)

Saquinavir/ritonavir (SQV/r)

Inibidor da integrase:

Raltegravir (RAL)

Inibidor da fusão:

Enfuvirtida (T20)

Antagonista do receptor CCR5:

Maraviroque (MVC)

A terapia inicial ainda deve sempre incluir combinações de três drogas: dois ITRN/ITRNt associados a um ITRNN ou IP reforçado com ritonavir (utilizado para potencialização dos outros IPs).

No Brasil, segundo o comitê assessor de HIV/Aids de adultos e adolescentes do Ministério da Saúde,3 o esquema preferencial é ZDV (ou TDF) + 3TC + EFZ ou NVP. Como alternativa, sugere-se ZDV (ou TDF) + 3TC + LPV/r. Deve-se sempre adequar o TARV de acordo com as características do paciente e os efeitos adversos da medicação.

 

Os principais efeitos colaterais do TARV são os seguintes:

Dislipidemias: d4T, LPV/r, EFZ

Lipoatrofia: d4T, ZDV, ddI

Miocardiotoxicidade: ZDV

Mielossupressão: ZDV

Acidose lática: d4T, ZDV, ddI

Diarreia: LPV/r

Neuropatia periférica: DDI, d4T, ZDV (remotamente)

Pancreatite: ddI, 3TC (em sobredose)

Hipersensibilidade: ABC, NVP, EFZ (menos frequente)

Icterícia: ATV

Teratogenicidade: EFZ

Alterações psiquiátricas, tonturas, sonhos vívidos: EFZ

Nefrotoxicidade: TDF

495

Complicações em Órgãos-Alvo

As complicações em órgãos-alvo, ainda sem outro agente etiológico definido, podem ocorrer em qualquer fase da doença. Deve-se considerar que, quanto mais grave for a deficiência imunológica, a probabilidade de que essas complicações possam acontecer aumenta. A seguir, estão listadas as principais complicações, e elas constituem indicação precisa para início de TARV:

 

Demência associada ao HIV

Nefropatia, na qual não é possível excluir o HIV como agente etiológico

Hipertensão pulmonar

Miocardiopatia

Trombocitopenia atribuída ao HIV

 

Doenças oportunistas

Na Tabela 68.2, mostra-se a correlação das complicações conforme a contagem de CD4.

 

Profilaxia das infecções

Nas Tabelas 68.3 e 68.4, constam as indicações para profilaxia de infecções oportunistas e os critérios para interrompê-las e reiniciá-las.

 

 

 

 

Caso Clínico Comentado

Após diagnóstico de HIV, o paciente realizou exames de primeira consulta, cujos resultados foram os seguintes: antivírus da hepatite C: não reagente, HBsAg: não reagente, anti-HBCtotal: não reagente, anti-HBs: não reagente, antivírus da hepatite A total: reagente, VDRL e FTa-abs: não reagente, toxoplasmose IgG reagente e IgM não reagentes, reação de mantoux: não reator (0 mm). A contagem de CD4 foi de 137 cél/mm³ e a carga viral de 145.834 cópias/mL.

A partir dos resultados, foi iniciado TARV com ZDV/3TC e EFZ, além de profilaxia com sulfametoxazol/trimetoprima de 960 mg/dia contra pneumocistose e toxoplasmose. O paciente tolerou bem as medicações e não houve efeitos colaterais. Após três meses de tratamento, ele apresentou-se em bom estado geral, com contagens de CD4 de 160 a 290 cél/mm³ e contagem viral indetectável. Passados sete meses, a viremia continuou indetectável, e o CD4 foi de 290 cél/ mm³, razão pela qual a profilaxia das doenças oportunistas foi interrompida (assumindo que o paciente já estivesse há, pelo menos, três meses com CD4 > 200 cél/mm³).

 

Referências

1.UNAIDS.org [Internet]. Geneva: UNAIDS, [2012] [capturado em 3 out. 2012]. Disponível em: http://www.unaids.org/en/.

2.World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; c2012 [capturado em 10 set. 2012]. Disponível em: http://www.who.int/en/.

3.Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Portal sobre AIDS, doenças sexualmente transmissíveis e hepatites virais [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; c2012 [capturado em 15 set. 2012]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/.

4.Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de adesão ao tratamento para pessoas vivendo com HIV e AIDS. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.

 

Leituras Recomendadas

Mandell GL, Bennett JE, Dolin R. Mandell, Douglas, and Bennett’s principles and practice of infectious diseases. 7th ed. Philadelphia: Elsevier; 2010.

Sprinz E, Finkelsztejn A. Rotinas em HIV e AIDS. Porto Alegre: Artmed; 1999.

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