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Coagulação trombose arterial e venosa

Autor:

Denise Lehugeur

Médica internista e hematologista contratada da Emergência de Adultos do HCPA.

Última revisão: 14/04/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 28 anos, branca, é internada devido a um quadro de dor precordial prolongada associada a náusea e dispneia. Ela relata ser tabagista de 20 cigarros/dia e sedentária. A paciente afirma não apresentar outros antecedentes patológicos. Ao realizar exame físico, é possível verificar pressão arterial de 120/80 mmHg, frequência cardíaca de 80 bpm. Na ausculta cardíaca, constata-se ritmo cardíaco regular em 3 tempos por B4. No que diz respeito ao restante do exame físico, a paciente apresenta-se normal. O eletrocardiograma evidencia supradesnivelamento do segmento ST de V1 a V3. A partir do ecocardiograma, observa-se hipocinesia anterior e apical. Realiza-se cateterismo cardíaco, quatro dias após o episódio de dor, por meio do qual identificam-se trombos em artéria coronária descendente anterior, com fluxo lento nessa coronária, sugerindo a ocorrência de recanalização espontânea.

 

Definição

A compreensão da fisiopatologia da trombose, tanto arterial quanto venosa, estendeu-se consideravelmente nos últimos 50 anos. Foi descoberto um número, que aumenta rapidamente, de condições herdadas ou adquiridas, predispondo pacientes a tromboembolismo venoso e/ou trombose arterial ou embolia.

A tríade de Virchow, composta por hipercoagulabilidade, estase venosa e lesão endotelial, permanece sendo um modelo útil para a interação de fatores genéticos e gatilhos ambientais que causam trombose.

 

Epidemiologia

A trombose venosa profunda (TVP) e/ou a embolia pulmonar (EP), referidas como tromboembolismo venoso (TEV), são distúrbios comuns. Nos Estados Unidos, estima-se que elas afetem 900 mil pacientes por ano. Aproximadamente 300 mil casos são EP fatais, e os 600 mil restantes são episódios não fatais de TVP ou EP.

A trombose arterial (TA) ocorre tipicamente em pacientes com lesões ateroscleróticas, e as consequências da doença vascular aterosclerótica são a principal causa de morbimortalidade nos países desenvolvidos, representando um evento agudo que converte a aterosclerose crônica – uma doença progressiva, silente e assintomática – em uma complicação clínica sintomática, de risco de vida, incluindo infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e isquemia de extremidades.

 

Patogênese

A formação, o crescimento e a resolução do tromboêmbolo venoso reflete o equilíbrio entre o estímulo trombogênico e os mecanismos protetores.

 

O estímulo trombogênico foi identificado primeiramente por Rudolf Virchow, em 1856, e propõe que a trombose venosa resulte dos seguintes fatores conhecidos como tríade de Virchow:

• Alterações no fluxo sanguíneo ou estase.

Lesão do endotélio vascular.

Alterações nos constituintes do sangue, isto é, estado hipercoagulável herdado ou adquirido (Fig. 55.1).

 

Os mecanismos protetores são os que constam a seguir:

Inativação dos fatores de coagulação ativados pelos inibidores circulantes principalmente pelos sistema antitrombina-heparan sulfato e sistema proteína C e S, entre outros (Fig. 55.2).

Retirada da circulação, pelos macrófagos e pelo fígado, dos fatores de coagulação ativados e complexos de polímero de fibrina solúvel.

Lise da fibrina pelas enzimas fibrinolíticas derivadas do plasma e das células endoteliais.

 

Existem diferenças fundamentais, patológicas e fisiopatológicas, entre o trombo arterial e o venoso (Tab. 55.1). Essas diferenças não são absolutas porque ambos os tipos de trombo são compostos por diferentes quantidades de plaquetas, fibrina e leucócitos. Além disso, todos os trombos sofrem, de forma contínua, propagação, organização, embolização, lise e retrotrombose, e essa remodelação dinâmica resulta em constante mudança na composição.

 

Fatores de Risco

O risco de trombose é determinado tanto por influências genéticas quanto ambientais. O principal fator de risco para TA é a arterioesclerose, enquanto para TVP são imobilização, cirurgia, condições médicas subjacentes (como malignidade), medicações (como terapia hormonal), obesidade e predisposição genética. Os fatores que aumentam o risco para TA e TVP são verificados na Tabela 55.2.

 

 

Figura 55.1

Tríade de Virchow

 

 

 

Hoje, um fator de risco para trombose pode ser identificado em mais de 80% dos pacientes com TVP. Além disso, há, frequentemente mais de um fator em um paciente – observou-se , p. ex., que, em 50% dos eventos trombóticos em pacientes com trombofilia herdada, há associação com um fator de risco adquirido adicional (p. ex., cirurgia, repouso prolongado no leito, gravidez e uso de contraceptivos orais). A idade é um significativo fator de risco para TVP; o risco desta aumenta por década, com uma incidência aproximada de 1/100.000 por ano na infância precoce a 1/200 por ano na oitava década.

A história familiar é útil para determinar se há uma predisposição genética e o quanto essa predisposição parece ser forte. A maioria dos pacientes desenvolve TVP após algum evento incitante, como trauma, cirurgia ou imobilização prolongada. Entretanto, um paciente com um distúrbio que causa hipercoagulabilidade pode apresentar eventos trombóticos sérios com pouco ou nenhum fator incitante, contribuindo para a ideia de alguns pesquisadores de que o risco de vários fatores é aditivo, e, se o risco do paciente atingir um limiar de trombose, o trombo é desenvolvido. De fato, alguns pesquisadores acreditam que todos os pacientes com trombose têm uma tendência à hipercoagulabilidade que ainda não foi descoberta.

Como evidenciado na Figura 55.3, um evento trombótico frequentemente apresenta mais de um fator que contribui para seu desenvolvimento. Fatores predisponentes devem ser cuidadosamente avaliados para determinar o risco de trombose recorrente. Consideração semelhante deve ser utilizada para estabelecer a necessidade ou não de testagem de paciente e familiares para trombofilias genéticas.

 

 

Figura 55.2

Sistemas antitrombina-heparan sulfato e proteína C e S.

 

 

Figura 55.3

Fatores contributivos para risco de trombose. A intensidade e a duração do risco esquematizados não refletem precisamente o risco relativo determinado pelos estudos clínicos e têm como objetivo ilustrar o risco de fatores contributivos para trombose.

ACO, anticoncepcional oral; RH, reposição hormonal; MsIs, membros inferiores.

 

Etiologia

Trombose arterial

A oclusão arterial aguda pode ocorrer devido a êmbolo com origem distante, trombose aguda de uma artéria previamente patente ou trauma direto em uma artéria (Quadros 55.1 e 55.2).

 

Trombose venosa

A tríade de Virchow prognostica que as causas de trombose são mudanças na coagulabilidade sanguínea, mudanças na parede do vaso e estase. Exceto na trombose associada à cirurgia, o exame do trombo nas veias humanas raramente indica evidência de lesão, e acredita-se que a TVP afete de forma inicial as válvulas venosas, que são áreas onde a estase e a hipoxia podem ocorrer, e os seios valvulares venosos são uma frequente localização do início da trombose. Em estudos recentes, várias das proteínas antitrombóticas importantes do vaso, incluindo trombomodulina e receptor da proteína C endotelial, apresentaram-se regionalmente expressas nas válvulas. Uma vez que a expressão dessas proteínas anticoagulantes é sensível ao ambiente, tanto hipoxia quanto inflamação podem causar sub-regulação, possivelmente contribuindo para o início da trombose. Uma anormalidade em um único fator raramente é suficiente para causar a TVP, gerando a "hipótese de múltiplos acidentes" (Fig. 55.3 e Tab. 55.3).

 

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Sinais e Sintomas

A realização cuidadosa de anamnese e exame físico é essencial para a avaliação do risco trombótico. O dado mais importante em uma história relacionada à TVP é se o evento trombótico é idiopático, significando que não há um claro fator precipitante, ou se é um evento precipitado. O paciente deve ser avaliado para serem obtidas informações pertinentes a fim de se considerar um estado hipercoagulável não diagnosticado.

Em pacientes em que não é evidenciado malignidade, um evento idiopático é um forte preditor de recorrência da TVP. Em pacientes que apresentam uma vaga história de trombose, a ocorrência de administração de varfarina sugere uma TVP no passado. A maioria dos quadros de TVP que não é associada a um distúrbio hipercoagulável envolve trombose venosa dos membros inferiores com ou sem embolia pulmonar. As manifestações clínicas da TA ocorrem conforme o segmento arterial afetado (Quadro 55.3, 55.4 e 55.5).

 

 

 

Diagnóstico

O diagnóstico laboratorial da TVP é associado a mudanças laboratoriais inespecíficas que constituem a resposta de fase aguda à lesão tissular. Essa resposta inclui níveis elevados de fibrinogênio e de fator VIII, aumento na contagem de leucócitos e de plaquetas e ativação sistêmica da coagulação sanguínea, formação de fibrina, degradação da fibrina, com aumento nas concentrações plasmáticas do fragmento 1+2 da protrombina, fibrinopeptídeo A, complexos de trombina-antitrombina e produtos de degradação da fibrina. Todas essas alterações são inespecíficas e podem manifestar-se como resultado de cirurgia, trauma, infecção, inflamação ou infarto e, portanto, não podem ser utilizadas para avaliar o desenvolvimento de tromboembolismo venoso. O produto de degradação da fibrina D-dímero pode ser medido. Um resultado negativo desse exame descarta a suspeita diagnóstica de TVP ou de EP; um positivo, porém, é altamente inespecífico.

Havendo suspeita de TVP, os exames de imagem diagnósticos utilizados são a ultrassonografia e a venografia. Ambos os testes têm sido validados por estudos que estabelecem seguramente o impedimento da anticoagulação em pacientes com resultados negativos (Fig. 55.4).

Os exames que confirmam o diagnóstico de EP são a cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão (utilizada quando a angiotomografia está contraindicada, como em pacientes com insuficiência renal), a angiotomografia das artérias pulmonares (preferível na maioria dos casos) e a arteriografia pulmonar (exame invasivo utilizado em casos seletos).

A arteriografia é o procedimento diagnóstico que proporciona melhores dados na ocorrência de oclusão arterial aguda. Além de evidenciar a anatomia arterial detalhada, por meio desse exame geralmente é possível realizar distinção entre trombose e embolia.

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 55.4

Fluxograma do diagnóstico da trombose venosa profunda.

* D-dímero negativo descarta a possibilidade de trombose venosa aguda sem necessitar de ultrassonografia de compressão (USC) se o paciente apresenta probabilidade clínica baixa, improvável, moderada ou intermediária.

** A evidência, por meio da USC, de não compressibilidade dos segmentos venosos profundos sugere fortemente a ocorrência de trombose venosa profunda ( 95%), devendo-se indicar terapia antitrombótica para a maioria dos pacientes.

 

Tratamento

A terapia anticoagulante é o tratamento de escolha para a maioria dos pacientes com TVP ou EP (grau de recomendação 1A). As contraindicações absolutas e relativas constam no Quadro 55.6. Os pacientes com TEV necessitam de terapia inicial adequada com anticoagulante, heparina ou heparina de baixo peso molecular (LMW), e também a longo prazo (em geral com varfarina) para prevenir recorrência da TEV.

A administração de heparina LMW, uma ou duas vezes ao dia, subcutaneamente, é preferível em vez de heparina não fracionada intravenosa para tratamento inicial da maioria dos pacientes com TVP ou EP submaciça (recomendação grau 1A), permitindo a terapia ambulatorial para pacientes com trombose de veia proximal não complicada. A utilização de heparina LMW é vantajosa, pois não há necessidade de monitoração laboratorial (recomendação grau 1A). Na Tabela 55.4, estão listados os regimes específicos com heparina fracionada.

A terapia anticoagulante a longo prazo é realizada para prevenir a alta frequência (15 a 25%) de extensão sintomática da trombose e/ou de eventos tromboembólicos recorrentes. O tratamento com anticoagulante oral, utilizando um antagonista da vitamina K (p. ex., varfarina sódica), atualmente é a abordagem de escolha para a maioria dos pacientes (recomendação grau 1A).

O tratamento a longo prazo com doses adequadas de heparina LMW é indicado para determinados pacientes, nos quais os antagonistas da vitamina K estão contraindicados (p. ex., gestantes), não são práticos, ou para pacientes com câncer, em que os regimes com heparina LMW têm evidenciado mais efetividade e segurança.

A dose do antagonista da vitamina K deve ser ajustada para manter a razão normalizada internacional (INR) entre 2 e 3 (recomendação grau 1A).

Deve-se realizar a terapia anticoagulante por, no mínimo, três meses em pacientes com primeiro episódio de TVP ou EP secundária a um fator de risco transitório (reversível) (recomendação grau 1A). Pacientes que apresentam um primeiro episódio de TVP idiopática devem ser tratados por, pelo menos, três meses (recomendação grau 1A), e deve-se considerar terapia anticoagulante indefinida para esses indivíduos. Havendo ocorrência de um segundo episódio de TVP idiopática, a terapia com antagonista da vitamina K oral deve ser administrada indefinidamente (recomendação grau 1A).

 

 

 

Caso Clínico Comentado

A paciente apresenta alguns fatores de risco clássicos para doença coronariana, como tabagismo e sedentarismo. Contudo, de uma forma geral, é uma paciente de baixo risco. Por essa razão, realiza-se pesquisa de causa de trombofilia, com execução de tempo de atividade da protrombina (TAP), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), anticardiolipina, proteína C, proteína S, antitrombina III, FAN, VDRL. Verificam-se, então, todos os resultados normais. A pesquisa de mutação da protrombina é positiva no padrão heterozigótico. A mutação da protrombina 20210A, também denominada mutação do fator II, é uma alteração no código genético que causa aumento da produção de protrombina.

A relação entre aterosclerose e trombose é reconhecida há muito tempo, mas apenas recentemente compreende-se que alguns fatores hemostáticos afetam não apenas a formação do trombo, mas também apresentam efeito aterogênico direto. O infarto agudo do miocárdio é uma doença complexa, poligênica e multifatorial, resultado da interação entre a herança genética do indivíduo e vários fatores ambientais. Pacientes jovens que apresentem infarto agudo do miocárdio devem ser investigados quanto à trombofilia, e deve-se proceder da mesma forma com seus familiares.

 

Leituras Recomendadas

Charles T. Esmon Basic mechanisms and pathogenesis of venous thrombosis. Blood Rev. 2009;23(5):225-9.

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