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Prontuário de pacientes finalidades preenchimento e questões éticas e legais

Autores:

Mariza Machado Klück

Médica. Professora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da UFRGS. Coordenadora da Comissão de Prontuários do HCPA.

José Ricardo Guimarães

Médico contratado do Serviço de Cirurgia do HCPA. Membro da Comissão de Prontuários do HCPA. Mestre em Gastrenterologia.

Última revisão: 15/05/2014

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Versão original publicada na obra Barros E, Albuquerque G, Pinheiro C, Czepielewski MA. Exame clínico. Consulta rápida - 2º ed. Porto Alegre: Artmed; 2004.

 

Juridicamente, o prontuário, do latim prontuarium, designa toda a espécie de fichário ou livro de apontamentos, onde, devidamente classificada e em certa ordem, tem-se disposta uma série de informações que devam ser de pronto encontradas. De acordo com o dicionário Aurélio, prontuário é “lugar onde se guardam ou depositam coisas das quais se pode necessitar a qualquer instante.

Ficha (médica, policial etc.) com os dados referentes a uma pessoa”. Portanto, entende-se por prontuário médico ou prontuário do paciente o conjunto de documentos gerados a partir do paciente, por todos os profissionais do hospital envolvidos em seu atendimento, seja em nível ambulatorial seja de internação, disponível para consulta e para registro em todos os atos assistenciais.

O prontuário de paciente é definido pelo Conselho Federal de Medicina como sendo “o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo” (Resolução no 1.638/2002) e considerado de elaboração obrigatória pelo Código de Ética Médica (Artigo 69). O sigilo das informações do prontuário é um dever do médico, definido pelo Código de Ética Médica, Código Penal, Código Civil e Resoluções do Conselho Federal de Medicina.

 

O prontuário como fonte de informações

O principal objetivo do prontuário é facilitar a assistência ao paciente, constituindo-se em um meio de comunicação entre os diferentes profissionais da saúde e em um recurso indispensável para assegurar a continuidade do atendimento, tanto durante uma internação como no período entre as consultas de ambulatório. O prontuário é, também, uma fonte de dados e conhecimentos. Estudos retrospectivos realizados por meio de consulta a prontuários têm sido fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa médica e das demais áreas da saúde. Além desses fins, o prontuário é um suporte para a área administrativa do hospital, em seus aspectos financeiros e legais. Seus registros são cada vez mais, documentos essenciais para a elucidação de questões jurídicas e éticas cada vez mais frequentes, envolvendo pacientes, serviços de saúde e seus profissionais.

Por todos esses motivos, o prontuário não deve ser visto como um conjunto de formulários a serem preenchidos de rotina, mas sim como um depositário de importantes informações que merecem todo o empenho no sentido de se garantir sua qualidade, integridade e confiabilidade. Consideram-se como componentes do prontuário tanto as informações armazenadas em papel como em meio digital, magnético ou qualquer outra forma de registro de dados.

 

História

Encontramos notícias da existência de registro médico desde a Antiguidade. Conhecemos informações a respeito de pacientes e moléstias datadas do ano 4500 a.C. Relatórios, feitos em 3000 a.C., mencionam informações sobre a medicina praticada no Egito. No século V a.C., Hipócrates, o “pai da medicina”, procurou abandonar as velhas teorias da medicina sacerdotal, encarando-a com zelo científico.

Esse observador, atento e perspicaz, assinalou e descreveu muitos sinais e sintomas (Figura 26.1). Legou-nos também os princípios da ética médica e do dever profissional e incentivou o registro cuidadoso de sinais e sintomas físicos das doenças.

A Idade Média deixou indícios de uma nítida preocupação com os assentamentos sobre a evolução da doença e com o uso dessa informação para explicar fenômenos médicos recorrentes, como as epidemias. O Renascimento introduziu novas atitudes em relação à ciência, enfatizando a importância da medida como fonte primária do conhecimento da natureza. Em 1819, o foco do registro passou a ser nos dados observados pelo médico em vez de nos sintomas relatados pelo paciente, pela adoção do estetoscópio. Nessa época, o registro dos dados era feito pelo médico em livro próprio, de propriedade de cada profissional. O atendimento prestado era bem-documentado, mas para se obter informações completas sobre um mesmo paciente, era necessário consultar os livros dos diversos médicos responsáveis por seu atendimento. Em 1907, Plummer introduziu o registro por paciente. Em 1920, os médicos passaram a se preocupar com a metodologia do registro e com uma padronização incipiente.

Nos Estados Unidos, o Hospital Geral de Massachussets começou a arquivar dados clínicos de forma sistemática em 1877, tendo sido, 10 anos antes, o primeiro hospital a organizar um Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME). Depois da Primeira Guerra, a rede hospitalar americana adotou uma série de medidas, com o estabelecimento de padrões mínimos para credenciamento, que incluíam o registro cuidadoso e completo dos casos e seu arquivamento de forma acessível.

Apollinius estava doente por um longo período sem estar confinado ao leito. Apresentava distensão abdominal e dor contínua de longa data na região do fígado; apresentou ainda durante esse período icterícia e flatulência; sua tez ficou pálida. Após jantar e beber em excesso, Apollonius ficou febril e recolheu-se ao leito. Tendo bebido copiosamente leite, fervido e cru, tanto de cabra como de ovelha, e adotando uma dieta absolutamente ruim, sofreu muito. Havia exacerbações da febre, e praticamente nada do alimento ingerido era evacuado, a urina era rala e em pequeno volume. Não conseguia dormir. Uma penosa distensão, muita sede, um resmungar delirante... Aproximadamente quatorze dias após adoecer, seguindo um episódio de calafrios, apresentou febre; delírios severos, gritos, mal-estar, muita desorientação seguidos de calma; neste momento entrou em coma. Sobre o vigésimo quarto dia, confortável; em outros aspectos sem alterações, mas tinha intervalos de lucidez. Sobre o trigésimo dia, febre aguda, diarreia copiosa; desorientação, extremidades frias, não falava nada. Trigésimo quarto dia: morte.

 

 

Figura 26.1

Descrição de uma evolução clínica (Apolônio) por Hipócrates 2.600 anos atrás.

(Reproduzida de Handbook of Medical Informatics, J.H. van Bemmel.)

 

Em 1969, Weed introduziu o conceito de Prontuário Orientado a Problemas (POMR), no qual todas as anotações são registradas no contexto de um problema específico. Embora o POMR ofereça benefícios educacionais, requer o registro de dados redundantes, pertencentes a mais de um problema, e dá uma visão fragmentada do paciente, visto não como um indivíduo, mas como um conjunto de problemas identificados.

No Brasil, o primeiro hospital a implantar o serviço de arquivo médico foi o Hospital da Universidade de São Paulo, em 1943, seguido pela Santa Casa de Santos, em 1945, e pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

Outra referência histórica importante é a Lei Alípio Correia Netto, de 1952, pela qual se exige que os hospitais públicos e filantrópicos passem a arquivar as histórias clínicas de forma adequada, como condição para recebimento das subvenções públicas. O III Congresso Nacional de Hospitais, em julho de 1961, deu destaque especial à discussão sobre o tema. Atualmente, é exigência do Programa Brasileiro de Acreditação Hospitalar a existência de prontuários completos, com informações de qualidade e disponíveis nas áreas assistenciais para certificação dos hospitais.

Há 30 anos, o médico de família detinha, muitas vezes em sua memória, as informações referentes aos seus pacientes. Hoje, a medicina moderna exige o trabalho em equipe, aumentando a importância de um correto registro com consultas rápidas e eficientes. O prontuário do paciente é chamado, ainda hoje, de prontuário médico na maior parte dos hospitais do país. No entanto, em nível internacional, essa abordagem está se modificando para uma visão que parte do usuário, provedor de todas as informações constantes no prontuário e principal beneficiário dessas. Por outro lado, o paciente é assistido por uma equipe de profissionais de múltiplas áreas. Portanto, o adjetivo “médico” empregado para os prontuários não parece refletir adequadamente a situação e, por esse motivo, está sendo progressivamente chamado de “prontuário do paciente”.

 

Conteúdo e organização dos prontuários

O prontuário do paciente deve ser único para cada indivíduo em cada hospital, reunindo registros de atendimentos ambulatoriais, de emergência e de internação. Esses registros devem ser organizados de forma a garantir o pronto acesso às informações e, por esse motivo, recomenda-se a utilização de separadores para as diferentes áreas de atendimento (ambulatório, internação, CTI etc.) e o uso de formulários padronizados que contenham em destaque a identificação do paciente (nome e número) e a identificação do documento (nome do hospital, tipo de formulário).

Os documentos são arquivados na pasta em ordem cronológica inversa, ficando os mais recentes em evidência.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina(2), devem fazer parte do prontuário pelo menos os seguintes itens: identificação do paciente (nome, data de nascimento, nome da mãe, sexo, naturalidade, endereço); anamnese e exame físico, exames complementares, hipóteses diagnósticas, diagnósticos definitivos e tratamento efetuado; evolução diária, discriminação de todos os procedimentos realizados e identificação dos profissionais responsáveis.

Diversas formas de organizar o conteúdo do prontuário podem ser adotadas, de acordo com as características de atendimento de cada hospital e com a cultura médica local. No modelo adotado pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, hospital-escola da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, os documentos do prontuário em papel são distribuídos em subdivisões: internação, ambulatório, procedimentos especiais (hemodiálise, quimioterapia, radioterapia), CTIs e emergência. Ficam localizados em cada uma delas os formulários referentes a cada um desses tipos de atendimento do paciente.

Dois documentos são comuns a todas as atividades assistenciais e devem estar no início da pasta:

 

         Dados de identificação: são informações cadastrais necessárias para comunicação do HCPA com seus pacientes, familiares ou responsáveis bem como para a elaboração de trabalhos científicos e levantamentos epidemiológicos de sua clientela. Esses dados são colhidos por pessoal administrativo do Hospital, cabendo aos profissionais da equipe de saúde alertar o SAME no caso de verificação de erros ou incorreções nessas informações.

 

         Lista de problemas: é uma síntese dos problemas atuais e ativos ou passados do paciente e destina-se a fornecer uma visão geral da situação clínica do paciente e permitir a integração da equipe multidisciplinar. Deve ser elaborada em ordem numérica crescente e com o menor grau de abstração possível. Podem ser incluídos na lista: sinais ou sintomas, diagnósticos, perturbações fisiológicas, emocionais, síndromes, achados morfológicos e sinais ou anormalidades laboratoriais.

 

Internação

         Anamnese e exame físico: são os dados obtidos pela história e exame físico do paciente na sua admissão, organizados de maneira convencional e completados pela hipótese(s) diagnóstica(s) e plano(s) inicial(ais).

 

         Anamnese de enfermagem: são os dados obtidos pela história e exame físico de enfermagem realizados na admissão do paciente, segundo formulário próprio de cada unidade de internação.

 

         Resultados de exames: são os resultados dos exames complementares impressos individulamente ou apresentados no formato de tabelas, que são impressas no momento da alta do paciente ou periodicamente nos casos de internações prolongadas.

 

         Laudos de exames: é o conjunto de laudos descritivos de exames cujos resultados não são numéricos. (p. ex., radiologia, ecografia, espirometria, eletrocardiografia).

 

         Prescrição médica: é o registro de todas as medidas necessárias ao tratamento do paciente, como cuidados gerais, prescrições medicamentosas, medidas de reabilitação, fisioterapia, dietas, medidas educacionais e manejo ambiental e familiar, elaborada diariamente e assinada pelo médico.

 

         Notas de evolução: é o registro cronológico das informações obtidas do paciente, de seus familiares, da enfermagem ou de outros informantes sobre seu estado ou sua evolução clínica. Devem ficar claras as razões para continuar ou alterar as condutas diagnósticas ou terapêuticas, assim como o planejamento do seguimento do atendimento.

 

         Sumário de transferência: é recomendada a realização desse documento no momento da transferência do paciente para outra unidade de internação ou para outro hospital, onde outras equipes médicas ou especialidades passarão a participar do seu tratamento. É o caso de pacientes transferidos, por exemplo, das unidades de internação comum às unidades de tratamento intensivo ou vice-versa. Deve conter uma síntese da situação clínica do paciente até o momento da transferência, as razões que a motivaram e o planejamento terapêutico a partir de então.

 

         Sumário de alta: é uma síntese do atendimento prestado ao paciente durante o período de internação e inclui dados de identificação, diagnósticos, procedimentos diagnósticos e terapêuticos, consultorias, evolução, condições de alta e plano pós-alta.

 

         Sumário de óbito: é uma síntese do atendimento prestado ao paciente que foi a óbito durante o período de internação. Inclui dados de identificação, diagnósticos, procedimentos diagnósticos e terapêuticos, consultorias, evolução, causas do óbito classificadas pelo CID-10 e usando a mesma lógica do atestado de óbito.

 

         Documentos diversos específicos: ficha anestésica, descrição cirúrgica, laudos de consultoria, registro obstétrico e exame do recém-nascido, identificação do recém-nascido, registros de quimioterapia, radioterapia, hemodiálise etc., tural (feminino e masculino) e curva de crescimento do recém-nascido de baixo peso.

 

Ambulatório

Na subdivisão do prontuário referente aos atendimentos ambulatoriais deverão constar os seguintes documentos:

         Anamnese e exame físico: informações coletadas na primeira consulta ambulatorial em cada especialidade no hospital.

         Notas de evolução: registro cronológico das consultas ambulatoriais nas diversas especialidades.

         Resultados de exames: idem ao sumário de exames da internação.

         Laudos de exames: idem à internação.

 

Seções terapêuticas: fisiatria, hemodiálise, quimioterapia e radioterapia

Nessa subdivisão localizam-se os documentos próprios dos serviços de fisiatria, hemodiálise, quimioterapia e radioterapia. Como regra geral, cada um desses serviços deve produzir um documento no início do tratamento onde constam os diagnósticos, indicações e planejamento terapêutico. Ao final do tratamento, deverá ser realizado um documento resumindo o tratamento realizado. Como documentos específicos de cada área, encontraremos solicitação de tratamento da fisiatria, curva de pressão arterial da fisiatria, prescrição de quimioterapia, nota de admissão e sumário de alta da radioterapia, relatório e evolução de diálise.

 

Hospital-dia

Os documentos do prontuário dessa subdivisão referem-se ao atendimento realizado no regime de hospital-dia. Esses documentos são os mesmos do ambulatório e obedecem às mesmas regras.

 

Emergência

Nessa subdivisão do prontuário localizam-se os documentos produzidos durante os atendimentos no setor de emergência. Devem constar os mesmos documentos da internação nos casos de pacientes que tenham permanecido nesse setor por um período maior do que 24 horas. Além desses, encontraremos dois documentos específicos desse setor, que são o boletim de atendimento na emergência e a evolução da emergência.

 

CTI

Nessa subdivisão localizam-se os documentos produzidos durante internações nas unidades de tratamento intensivo de adultos, pediátrica e neonatal. Esses documentos são os mesmos de uma internação em outras unidades.

 

Preenchimento do prontuário

O adequado preenchimento do prontuário garante a qualidade da assistência, a facilidade da recuperação de informações para a pesquisa, a comunicação entre profissionais e a documentação legal do atendimento prestado. Portanto, é do interesse de todos os profissionais que atuam no hospital zelar pela sua qualidade.

Os registros feitos em qualquer tipo de documento do prontuário devem ser devidamente identificados, sendo obrigatórios a assinatura do profissional responsável, seu nome legível, número do seu registro profissional e data.

Todos os registros no prontuário devem ser feitos de forma legível, com caneta de tinta azul-escura ou preta. Não é permitido o uso de carbono, de canetas com tinta de outras cores, com ponta porosa ou marcadores, pois os registros feitos com essas não são legíveis em cópias solicitadas por pacientes ou por autoridades legais.

Deve ser evitada a rasura ou a destruição de documentos do prontuário bem como a colocação de observações em documentos preexistentes, como laudos de exames ou de consultorias. Se forem verificados erros ou enganos, esses devem ser apontados e corrigidos em um registro posterior, que faça referência aos problemas encontrados. Rasuras invalidam os documentos como prova processual.

A preservação do sigilo e da privacidade das informações sobre o paciente é dever e responsabilidade de todos os envolvidos na assistência, e o não cumprimento dessa determinação se caracteriza como infração ética e legal. O acesso a essas informações só pode ser permitido a pessoas autorizadas. Não são permitidas a reprodução, utilização e divulgação de documentos de prontuário para qualquer fim sem a autorização expressa do paciente ou responsável legal.

O preenchimento dos diferentes documentos do prontuário deve seguir a seguinte orientação.

 

Dados de identificação

Os dados de identificação contêm as informações cadastrais básicas dos pacientes do hospital, essenciais para o contato com o paciente, familiar ou responsável, a elaboração de trabalhos científicos e a análise dos dados epidemiológicos e podem ser colhidos por auxiliares administrativos.

 

Lista de problemas

O que é problema? Problema é tudo o que necessita de cuidado ou solução pela equipe de saúde.PACIENTES

 

A lista de problemas tem por finalidade expressar de uma forma sintética os diferentes problemas do paciente. A lista deve fornecer uma visão abrangente dos problemas do paciente, físicos, mentais ou sociais, sejam eles ativos (presentes), passados ou resolvidos. Facilita a síntese, comunicação e a integração entre os vários profissionais e diferentes especialidades. É a primeira folha após os dados de identificação do prontuário. As instruções para seu preenchimento são as seguintes:

         O profissional de saúde, após realização da anamnese e do exame físico completo, organiza a lista de problemas, dando um número para cada problema, seja ativo ou passado.

         Nas reconsultas ambulatoriais ou durante o período de internação a lista de problemas dever ser atualizada na medida em que evolui o quadro clínico do paciente.

         Os problemas devem ser formulados com a menor abstração possível e em nível de certeza máxima. Há quatro níveis de problemas de saúde:

– sintomas ou sinais (p. ex., dor no peito, nódulo de mama);

– achado laboratorial anormal (p. ex., ECG alterado, hemograma alterado);

– alteração físico-patológica (p. ex., insuficiência cardíaca congestiva);

– diagnóstico: cirrose nutricional, diabete melito tipo I.

         Os problemas psiquiátricos e sociais devem ser listados de forma a comunicar claramente a situação (p. ex., depressão, ansiedade, desemprego, promiscuidade habitacional). Termos não técnicos podem ser usados (p. ex., chora fácil, dificuldades familiares), quando tais manifestações são insuficientes para inclusão em uma síndrome ou numa categoria diagnóstica definida.

         Não se deve incluir, na lista de problemas, hipóteses diagnósticas ou expressões como: “a excluir”, “a afastar”, “provável”, “provavelmente devido a” ou um ponto de interrogação. Tais observações podem ser incluídas no item hipótese diagnóstica inicial ou plano inicial do formulário “anamnese e exame físico”.

         A responsabilidade do registro da lista de problemas definitiva é do profissional da equipe de saúde que realiza o atendimento inicial do paciente, seja esse uma consulta ambulatorial, seja internação etc. Qualquer profissional da saúde deverá registrar, na lista de problemas, os problemas relevantes que vierem a ser identificados.

         Para os pacientes hospitalizados, a lista de problemas deve estar pronta nas primeiras 24 horas de internação. Isso dá tempo para considerações, discussões com vários membros da equipe de saúde, incluindo os médicos assistentes e consultores. Para os pacientes de ambulatório, a lista de problemas deve ser feita pelo médico ou por outro profissional da saúde logo após a obtenção dos dados, durante a consulta inicial ou nas reconsultas.

         Quando um problema com diagnóstico já estabelecido apresentar um ou mais aspectos que, por sua relevância, necessitam de tratamento específico, esses devem ser listados como problemas separados, indicando a relação, se for conhecida.

         À medida que os problemas listados forem elucidados, permitindo uma conclusão diagnóstica, a lista deverá ser alterada, incluindo o novo diagnóstico na lista imediatamente abaixo do problema esclarecido e datando adequadamente. O título inicial poderá ser riscado com um traço ou usando uma seta para indicar a alteração.

 

Exemplo:

— 1#    

dor abdominal        

10/12/1994

 

1#

apendicite aguda

             ou

 

dor abdominal

11/12/1994

                    

 

 

10/12/1994

 

 

apendicite aguda      

            

11/12/1994

 

 

         No caso de dois ou mais problemas posteriormente se integrarem em um único, o novo título deve ser colocado na lista. Ao lado do título dos demais coloca-se: “devido ao no (PROBLEMA INTEGRADOR)” ou “secundário ao nº “(PROBLEMA INTEGRADOR)”. Esses problemas resolvidos tornam-se, dessa forma, inativos e seus números podem ser usados para novos problemas.

 

Exemplo:

 

1#

 

emagrecimento (secundário a 3#)

 

07/08/1994

 

2#

 

 

disfagia (secundário a 3#)

 

20/08/1994

 

33#

carcinoma epidermóide de esôfago

30/09/1994

 

 

 

         Quando um procedimento cirúrgico tiver resolvido problemas listados, seu nome e data deverão ser colocados na coluna dos problemas inativos ou passados ao lado do primeiro título resolvido. Entretanto, o pós-operatório de um procedimento cirúrgico, até que esteja completamente resolvido, deve ser listado como um problema ativo.

         Quando surgir um problema novo, esse deverá ser acrescentado à lista e datado de acordo. Também, quando resolvido, o problema deverá ser datado. Uma lista mantida atualizada refletirá com exatidão o estado do paciente.

         A lista de problemas original não deve nunca ser retirada da pasta, nem inutilizada. Caso existam alterações, essas deverão ter justificativa nas notas clínicas, e a lista original deverá ficar no prontuário como índice dos problemas até a data da mudança.

 

Anamnese e exame físico

A anamnese e o exame físico são métodos de obtenção de dados do paciente, essenciais para o adequado atendimento do mesmo. Devem ser realizados de forma completa, por ocasião da primeira consulta do paciente no serviço. As orientações para seu registro estão descritas nos Capítulos 1, 2 e 3.

 

Prescrição

A prescrição é a implementação das medidas terapêuticas e educacionais, consultorias, dietas, cuidados, hemoterapia, ordenadas pelo médico, para pacientes internados ou em regime de hospital-dia.

A prescrição deve ser impressa e assinada pelo médico.

PRONTUÁRIO DE PACIENTES

Notas de evolução – internação

As anotações sobre a evolução do paciente devem conter os seguintes itens:

         S (Subjetivo): informações do paciente sobre seus sintomas, alterações em seu estado geral.

         O (Objetivo): novos achados do exame físico, parâmetros de controle, como peso e balanço hídrico, temperatura, pulso e alterações dos exames laboratoriais e estado geral etc.

         I (Impressão): é uma avaliação crítica e sintética dos dados subjetivos e objetivos. Pode incluir aspectos diagnósticos terapêuticos e prognósticos, tais como dor abdominal sugestiva de colecistite aguda, boa resposta à antibioticoterapia, boa evolução após o início do corticosteróide, quadro clínico sugere progressão na neoplasia etc.

         C (Conduta): medidas a serem implementadas no sentido de elucidação diagnóstica ou planejamento terapêutico. Por exemplo: solicitação de novos exames, opiniões de consultores, alteração de esquema de antibioticoterapia, intervenção de cuidados a ser implementada, orientações para educação para saúde.

 

A evolução pode fazer referência à lista de problemas mencionando o respectivo número e deve ser redigida sempre que o paciente é atendido por algum membro da equipe, podendo existir mais de uma anotação no dia. Deve constar data, hora e carimbo (ou nome por extenso) com assinatura do profissional responsável pelos registros.

 

Exemplo:

12/12/94, 8 h

S.– paciente em primeiro dia de pós-operatório de apendicectomia. Queixando-se de dor moderada localizada na incisão cirúrgica, relacionada principalmente à mobilização no leito. A dor alivia com o uso de Petidina na dose prescrita, por um período de aproximadamente duas horas. Refere ter apresentado dois episódios de vômitos biliosos durante a noite. Agora, sem náuseas ou vômitos. Não conseguiu dormir durante a noite devido à dor.

Anorético. Referindo tosse produtiva, expectoração hialina.

O – Balanço hídrico no pós-operatório: + 300 mL. Temperatura 37°C; TA: 130/80 mmHg; FC: 85 bpm. (descrição do exame físico)

I – Boa evolução pós-operatória.

C – Manter hidratação por via parenteral até a tarde, quando deverá ser iniciada via oral com líquidos.

–Analgesia com petidina pelo menos até amanhã.

–Estimular deambulação e mobilização fora do leito.

–Suspender antibióticos profiláticos.

–Manter restante da prescrição.

 

Notas de evolução – ambulatório

A evolução ambulatorial deve ser registrada a cada consulta do paciente. Todo o atendimento ambulatorial deve ter um registro no prontuário. A ordem de registro deve ser cronológica, independentemente do local de consulta. Assim, com o seu manuseio é possível o acesso a todas as consultas realizadas nas diversas especialidades na ordem em que aconteceram.

No cabeçalho de cada consulta deve ser registrada a especialidade e a equipe responsáveis por aquela consulta e a data da mesma. Ao final, deve ser assinada e carimbada pelo profissional responsável, ficando claro o seu nome e número de registro profissional.

A organização e o registro da consulta devem obedecer à mesma lógica da evolução de pacientes internados. Deve organizar-se em subjetivo, objetivo, impressão e conduta.

 

Sumário de alta

O sumário de alta é o documento do prontuário que obrigatoriamente deve integrar o prontuário de pacientes que foram internados. Deve conter o motivo da internação, os diagnósticos secundários, as hipóteses diagnósticas, a terapêutica instituída e a evolução do estado do paciente e dos exames realizados. Além disso, deve deixar claro, aos profissionais que continuarem o acompanhamento, o planejamento terapêutico após alta. O sumário de alta deve ser um documento completo e abrangente, mas também objetivo, conciso e direto.

Sugere-se que o sumário de alta contenha os seguintes elementos:

         Identificação: são apresentados os dados de identificação do paciente e a relação de equipes e especialidades responsáveis pelo atendimento ao longo da internação.

         Motivo da alta:

         Diagnósticos: são apresentados os diagnósticos na internação, diagnóstico principal da alta e diagnósticos secundários. Para cada um deles o sistema oferece uma pesquisa em uma tabela do Código Internacional de Doenças versão 10 (CID-10).

         Evolução: a evolução é um dos itens mais importantes do sumário de alta.

         O AGH oferece um campo de texto livre onde cabe ao médico, de forma completa, sucinta e objetiva, descrever os aspectos clínicos da internação, diagnósticos e condutas terapêuticas.

         Plano pós-alta: o sistema permite ao médico programar a realização de exames após a alta e emitir solicitação de agendamento de reconsulta ambulatorial.

         Condições do paciente na alta: o médico deve informar as condições do paciente no momento da alta (curado, melhorado, inalterado).

 

Sumário de óbito

O sumário do óbito deve ser realizado para todos os óbitos de pacientes internados, em substituição à nota de alta. Deve ser uma síntese das informações geradas durante a internação, como motivo da internação, diagnósticos, medidas diagnósticas e terapêuticas. Deve haver um preocupação em descrever as razões que levaram ao óbito.

PRONTUÁRIO DE PACIENTES

Na sua maior parte, o sumário de óbito é igual ao de alta. É constituído por:

         Identificação: vide sumário de alta.

         Diagnósticos: vide sumário de alta.

         Procedimentos terapêuticos: vide sumário de alta.

         Evolução: vide sumário de alta.

         Informações do óbito: o médico deverá informar a causa direta do óbito, as causas antecedentes que produziram a causa da morte e as outras condições patológicas que contribuíram para a morte.

 

O prontuário eletrônico do paciente (PEP)

O arquivamento e a distribuição diária de prontuários em papel representa um ônus importante para hospitais de grande porte, tanto em área física como em processos de trabalho. Nas últimas décadas, o imenso volume de dados que o clínico precisa ter disponível tem crescido além da imaginação dos pioneiros médicos que introduziram os primeiros registros médicos na mudança do século. A quantidade de detalhes da história de cada paciente, com profundidade suficiente para facilitar a interpretação correta e segura dos problemas atuais, e a segura prescrição de drogas são, por si mesmas, tarefas insuperáveis. Quando se adiciona o volume necessário de conhecimento científico que deve estar disponível, a tarefa se torna impossível. A informatização provê um mecanismo tecnicamente factível para atender a essas necessidades. Em termos de qualidade da assistência ao paciente e de gestão hospitalar, não migrar para esse caminho pode ser impensável.

Em 2002, o Conselho Federal de Medicina criou a Câmara Técnica de Informática em Saúde, encarregada de discutir os aspectos técnicos e legais do prontuário eletrônico e propor medidas que viabilizem sua utilização. A Resolução nº 1.639/2002(3) aprova as normas técnicas para o uso de sistemas informatizados, deixando em aberto as exigências para sua certificação legal, que deverão ser elaboradas por um grupo de trabalho formado por representantes do CFM e da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde. O uso de suporte eletrônico para guarda e disponibilização dos registros de prontuário já é de uso corrente em vários hospitais brasileiros e deve ser incentivado desde que se garanta o respeito à segurança e ao sigilo e privacidade das informações. A eliminação do prontuário em papel ainda não está regularizada e, portanto, ainda é exigida a guarda de cópias impressas dos documentos essenciais.

O suporte legal existente para a utilização de sistemas de registro eletrônicos é a Resolução CFM 1.639/2002(3), que decidiu:

Art. 1° – Aprovar as “Normas Técnicas para o Uso de Sistemas Informatizados para a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico”, anexas à esta resolução, possibilitando a elaboração e o arquivamento do prontuário em meio eletrônico.

Art. 2° – Estabelecer a guarda permanente para os prontuários médicos arquivados eletronicamente em meio óptico ou magnético e microfilmados.

Art. 5° – Autorizar, no caso de emprego da microfilmagem, a eliminação do suporte de papel dos prontuários microfilmados, de acordo com os procedimentos previstos na legislação arquivística em vigor (Lei nº 5.433/68 e Decreto nº 1.799/96), após análise obrigatória da Comissão Permanente de Avaliação de Documentos da unidade médico-hospitalar geradora do arquivo.

Art. 6° – Autorizar, no caso de digitalização dos prontuários, a eliminação do suporte de papel dos mesmos, desde que a forma de armazenamento dos documentos digitalizados obedeça à norma específica de digitalização contida no anexo desta resolução e após análise obrigatória da Comissão Permanente de Avaliação de Documentos da unidade médico-hospitalar geradora do arquivo.

Art. 7° – O Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), mediante convênio específico, expedirão, quando solicitados, a certificação dos sistemas para guarda e manuseio de prontuários eletrônicos que estejam de acordo com as normas técnicas especificadas no anexo a esta resolução.

 

Normas técnicas para o uso de sistemas informatizados para a guarda e manuseio do prontuário médico

Integridade da informação e qualidade do serviço – o sistema de informações deverá manter a integridade da informação por meio do controle de vulnerabilidades, de métodos fortes de autenticação, do controle de acesso e métodos de processamento dos sistemas operacionais conforme a Norma ISO/IEC nº 1.5408, para segurança dos processos de sistema.

 

Cópia de segurança: deverá ser feita cópia de segurança dos dados do prontuário pelo menos a cada 24 horas. Recomenda-se que o sistema de informação utilizado possua a funcionalidade de forçar a realização do processo de cópia de segurança diariamente.

 

Bancos de dados: os dados do prontuário deverão ser armazenados em sistema que assegure, pelo menos, as seguintes características:

         compartilhamento dos dados;

         independência entre dados e programas;

         mecanismos para garantir a integridade, controle de conformidade e validação dos dados;

         controle da estrutura física e lógica;

         linguagem para a definição e manipulação de dados (SQL – Standard Query Language);

         funções de auditoria e recuperação dos dados.

 

Privacidade e confidencialidade: com o objetivo de garantir a privacidade, a confidencialidade dos dados do paciente e o sigilo profissional, faz-se necessário que o sistema de informações possua mecanismos de acesso restrito e limitado a cada perfil de usuário, de acordo com a sua função no processo assistencial:

          recomenda-se que o profissional entre pessoalmente com os dados assistenciais do prontuário no sistema de informação;

         a delegação da tarefa de digitação dos dados assistenciais coletados a um profissional administrativo não exime o médico, fornecedor das informações,da sua responsabilidade desde que o profissional administrativo esteja inserindo esses dados por intermédio de sua senha de acesso;

         a senha de acesso será delegada e controlada pela senha do médico a quem o profissional administrativo está subordinado;

         deve constar da trilha de auditoria quem entrou com a informação;

         todos os funcionários de áreas administrativas e técnicas que, de alguma forma, tiverem acesso aos dados do prontuário deverão assinar um termo de confidencialidade e não divulgação, em conformidade com a Norma ISO/IEC nº 17.799.

 

Autenticação: o sistema de informação deverá ser capaz de identificar cada usuário por meio de algum método de autenticação. Em se tratando de sistemas de uso local, no qual não haverá transmissão da informação para outra instituição, é obrigatória a utilização de senhas. As senhas deverão ser de no mínimo cinco caracteres, compostos por letras e números. Trocas periódicas das senhas deverão ser exigidas pelo sistema no período máximo de 60 (sessenta) dias. Em hipótese alguma o profissional poderá fornecer a sua senha a outro usuário, conforme preconiza a Norma ISO/IEC nº 17.799. O sistema de informações deve possibilitar a criação de perfis de usuários que permita o controle de processos do sistema.

 

Auditoria: o sistema de informações deverá possuir registro (log) de eventos, conforme prevê a Norma ISO/IEC nº 17.799.

 

Transmissão de dados: para a transmissão remota de dados identificados do prontuário, os sistemas deverão possuir um certificado digital de aplicação única emitido por uma autoridade certificadora credenciada, a fim de garantir a identidade do sistema.

 

Certificação do software: a verificação do atendimento destas normas poderá ser feita com processo de certificação do software junto ao CFM.

 

Digitalização de prontuários: os arquivos digitais oriundos da digitalização do prontuário médico deverão ser controlados por módulo do sistema especializado que possua as seguintes características:

         mecanismo próprio de captura de imagem em preto e branco e colorida independentemente do equipamento scanner;

         base de dados própria para o armazenamento dos arquivos digitalizados;

         método de indexação que permita criar um arquivamento organizado, possibilitando a pesquisa futura de maneira simples e eficiente;

         mecanismo de pesquisa utilizando informações sobre os documentos, incluindo os campos de indexação e o texto contido nos documentos digitalizados, para encontrar imagens armazenadas na base de dados;

         mecanismos de controle de acesso que garantam o acesso a documentos digitalizados somente por pessoas autorizadas.

 

Questões éticas e legais

O prontuário do paciente é um documento de importância fundamental para garantir a qualidade da assistência continuada ao paciente, do ensino e da pesquisa e para assegurar ao médico e ao paciente o atendimento de todos os seus direitos e deveres. O cumprimento das questões referentes ao conteúdo completo e de qualidade, aos prazos de armazenamento e, principalmente, ao sigilo, privacidade e segurança das informações dos prontuários, é um compromisso legal e ético assumido por todos os médicos e é o seu principal argumento de defesa quando necessário. Os principais tópicos abordados na legislação brasileira são os que seguem.

 

Finalidades: o prontuário é documento valioso para o paciente, para o médico que o assiste e para as instituições de saúde, bem como para o ensino, a pesquisa e os serviços públicos de saúde, além de instrumento de defesa legal. (Resolução nº CFM 1.638/2002)

 

Obrigatoriedade: O registro de qualquer atendimento prestado ao paciente por profissional de saúde, em instituição hospitalar, unidade de saúde ou consultório, deve ser feito em prontuário. Segundo o Código de Ética Médica, em seu Artigo 69, “é vedado ao médico deixar de elaborar o prontuário de cada paciente”.

 

Conteúdo: devem constar obrigatoriamente no prontuário os dados de identificação do paciente, anamnese, exame físico, resultados de exames, hipóteses diagnósticas, diagnóstico(s) definitivo(s), tratamento realizado, evolução diária, procedimentos realizados. (Resolução CFM nº 1.638/2002, Artigo 5º.)

 

Qualidade do registro: nos prontuários em papel é obrigatória a legibilidade da letra do profissional que atendeu o paciente, bem como a identificação de todos os profissionais prestadores do atendimento. São também obrigatórios a assinatura e o respectivo número do CRM. (Resolução CFM nº 1638, Artigo 5º.)

 

Prazos: sendo o prontuário um documento de importância fundamental para o atendimento continuado ao paciente, dever-se-ia supor que o mesmo fosse mantido durante toda a vida do indivíduo e mais ainda considerando seu interesse para a pesquisa científica. No entanto, existem imperativos de limites de área física de armazenamento e dificuldades de organização de um acervo infinito. O CFM determina, através do Artigo 4º da Resolução nº 1.639/2002, que o prontuário em papel seja armazenado por um período mínimo de 20 anos, considerando comodata-base o último comparecimento do paciente, mantendo-se a informação em outro meio qualquer por prazos não especificados. Os registros eletrônicos devem ser mantidos indefinidamente.

 

Responsabilidades: a responsabilidade pelo prontuário cabe ao médico assistente e aos demais profissionais que compartilham o atendimento, à hierarquia médica da instituição, às chefias médicas e ao diretor clínico. É obrigatória a existência de uma comissão de prontuários nas instituições onde se presta assistência médica, que deve ser criada por designação da direção ou por outro meio, devendo ser coordenada por um médico. (Resolução CFM nº 1.638 Artigos 3º e 4º.)

 

Sigilo: desde Hipócrates a guarda do sigilo é reconhecida como dever ético, valor moral que, embora extremamente relevante, não é absoluto, já que sua quebra pode se fazer necessária para proteger a saúde e o bem-estar do paciente ou porI interesses maiores da sociedade. Essa obrigação não deve ser atendida apenas de forma passiva, não revelando as informações, mas também ativamente, preservando os registros do acesso por pessoas não autorizadas. A exigência da manutenção do sigilo das informações obtidas por profissional de saúde a partir de ato assistencial é uma garantia para o profissional e para o paciente. Dessa forma, haverá uma relação de confiança mútua que permitirá ao paciente o relato de suas queixas e antecedentes e, ao médico, o registro adequado dos mesmos.

 

O sigilo médico é garantido por legislação bastante rigorosa:

         Código Penal, Artigo 154: criminaliza a ação de revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que teve ciência em razão da função de ministério, ofício ou profissão e cuja revelação possa produzir dano a outrem – pena de 3 meses a 1 ano.

         Código Civil, Artigo 144: ninguém pode ser obrigado a depor de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo.

         Código de Processo Penal, Artigo 207: são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devem guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

         Código de Processo Civil, Artigo 406, inciso II: a testemunha não é obrigada a depor de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

         Código de Ética Médica, Artigo 11: o médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções.

         Código de Ética Médica, Capítulo IX: é vedado ao médico:

 

Art. 102 – Revelar o fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.

Parágrafo único – Permanece essa proibição:

– Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido.

– Quando do depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.

Art. 103 – Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e deconduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente.

Art. 104 – Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou suas fotografias em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações legais.

Art. 105 – Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.

Art. 106 – Prestar a empresas seguradoras qualquer informação sobre as circunstâncias da morte de paciente seu, além daquelas contidas no próprio atestado de óbito, salvo por expressa autorização do responsável legal ou sucessor.

Art. 107 – Deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão obrigados por lei.

Art. 108 – Facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não obrigadas ao mesmo compromisso.

Art. 109 – Deixar de guardar o segredo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial.

Esse sigilo somente pode ser quebrado na existência de justa causa, devendo haver um sólido entendimento por parte do médico de que a manutenção do sigilo irá provocar danos graves a outros ou ao próprio paciente. Exemplo típico de justa causa é a comunicação de evidências de maus tratos ou abusos praticados contra menores sem o consentimento de seus pais ou responsáveis. Esse sigilo também pode ser quebrado pelo próprio médico para uso de informações contidas no prontuário em sua defesa.

 

Consulta a prontuários: os prontuários podem ser consultados pelos profissionais da equipe assistencial do paciente e da instituição, por médicos peritos judiciais ou de seguradoras, por auditores de convênios médicos e por pesquisadores autorizados pela administração do hospital ou por comitês de pesquisa. Outras pessoas externas à instituição, mesmo sendo médicos, somente poderão consultar o prontuário com a autorização do paciente ou responsável legal. Suporte legal: Resolução CFM nº1.641/012(4)/, Parecer CFM nº 02/94(5), Revogada pela Resolução CFM 1.614/2001, Resolução CFM nº 1.614/2001(6), Processo-consulta CFM nº 5150/95(7), Processo-consulta CFM nº 1.242/89(8), Processo-consulta CFM nº 4.842/93(9).

 

Cópia de documentos do prontuário: o fornecimento de cópias de documentos do prontuário somente pode ser feito ao paciente ou mediante sua autorização expressa, que se recomenda seja arquivada na pasta. Mesmo mediante solicitação judicial, cabe à comissão de prontuários decidir baseada nos interesses do paciente. Estas solicitações somente devem ser atendidas em processos em que o prontuário será usado como prova a favor do paciente ou em situações de “justa causa”. O médico e o hospital podem fazer cópias do prontuário para uso em sua defesa.

 

Suporte legal: Resolução CFM nº 1.605/2000(10):

Art. 1° – o médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou da ficha médica.

Art. 2° – nos casos do artigo 269 do Código Penal, em que a comunicação de doença é compulsória, o dever do médico restringe-se exclusivamente a comunicar tal fato à autoridade competente, sendo proibida a remessa do prontuário médico do paciente.PRONTUÁRIO DE PACIENTArt. 3° – na investigação da hipótese de cometimento de crime o médico está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal.

Art. 4° – se, na instrução de processo criminal, for requisitada, por autoridade judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento.

Art. 5° – se houver autorização expressa do paciente, tanto na solicitação como em documento diverso, o médico poderá encaminhar a ficha ou o prontuário médico diretamente à autoridade requisitante.

Art. 6° – o médico deverá fornecer cópia da ficha ou do prontuário médico desde que solicitado pelo paciente ou requisitado pelos Conselhos Federal ou Regional de Medicina.

Art. 7° – para sua defesa judicial, o médico poderá apresentar a ficha ou o prontuário médico à autoridade competente, solicitando que a matéria seja mantida em segredo de justiça.

Art. 8° – nos casos não previstos nesta resolução, e sempre que houver conflito no tocante à remessa ou não dos documentos à autoridade requisitante, o médico deverá consultar o Conselho de Medicina, onde mantém sua inscrição, quanto ao procedimento a ser adotado.

 

Dicas

         É obrigatório ao médico o registro de todos os atos assistenciais em prontuário, constando os dados de identificação do paciente, anamnese, exame físico, resultados de exames, hipóteses diagnósticas, diagnóstico(s) definitivo(s), tratamento realizado, evolução diária, procedimentos realizados.

         O registro em prontuário somente terá validade legal se for datado, assinado e identificado pelo médico com seu número do CRM.

         O prontuário em papel deve ser guardado por um período mínimo de 20 anos, a partir do último comparecimento do paciente. O registro eletrônico deve ser mantido por prazo indefinido.

         A manutenção do sigilo, privacidade e segurança das informações do paciente é um dos deveres mais importantes do médico.

         Cópias de documentos do prontuário somente podem ser fornecidas ao paciente, mediante sua autorização expressa, ao médico assistente para sua defesa ou mediante requisição judicial.

 

Conclusões

O prontuário do paciente é um documento de importância fundamental para garantir a qualidade da assistência continuada ao paciente, do ensino e da pesquisa e para assegurar ao médico e ao paciente o atendimento de todos os seus direitos e deveres. O cumprimento das questões referentes ao conteúdo completo e de qualidade, aos prazos de armazenamento e, principalmente, ao sigilo, à privacidade e à segurança das informações dos prontuários, é um compromisso legal e ético assumido por todos os médicos e é o seu principal argumento de defesa quando necessário.

 

Referências bibliográficas citadas

1. van Bemmel, Musen MA, editors. Handbook of medical informatics. Heidelberg: Springer; 1997.

2. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.638 (2002). Define prontuário médico e torna obrigatória a criação da Comissão de Revisão de Prontuários nas instituições de saúde [online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/

16382002.htm.

3. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.639(2002). Normas Técnicas para o Uso de Sistemas Informatizados para a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/16392002.htm.

4. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.641(2002). Veda a emissão, pelo médico, de Declaração de Óbito nos casos em que houve atuação de profissional não-médico e dá outras providências[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/ cfm/2002/16412002.htm.

5. Conselho Federal de Medicina. Parecer n.2(1994). Fornecimento de prontuário para auditorias do SUS e Poder Judiciário[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/ pareceres/cfm/1994/21994.htm.

6. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1.614(2001). Trata da inscrição do médico auditor e das empresas de auditoria médica nos Conselhos de Medicina. Revoga-se a Resolução CFM n. 1.466/96[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2001/16142001.htm.

7. Conselho Federal de Medicina. Parecer consulta n.5.150(1995). Fornecimento de prontuário à empresa para pagamento contas[online]. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/legislacao/pareceres/parcfm/51501995.htm.

8. Conselho Federal de Medicina. Parecer consulta n.1.242(1989). Hospital enviar prontuários quando exigidos para pagamento de contas[online]. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/legislacao/pareceres/parcfm/12421989.htm.

9. Conselho Federal de Medicina. Parecer consulta n.4.842(1993) [online]. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/legislacao/pareceres/parcfm/48421993.htm.

10. Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1605(2000). O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica. Revoga-se a Resolução CFM nº 999/80[online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/ resolucoes/cfm/2000/16052000.htm.

 

Referências bibliográficas consultadas

1.      Conselho Federal de Medicina. Resolução n.1246(1988). Código de ética médica [online]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1988/12461988.htm.

2.      Ginneken AM. The structure of data in medical records. In: van Bemmel JH, McCray AT, editors. Yearbook of Medical Informatics. Sttutgart: Schattauer; 1995. p.61-70.

3.      Klück MM, Guimarães JR. Questões éticas e legais do prontuário de paciente: da teoria à prática. Anais do VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde. Natal, RN: Sociedade Brasileira de Informática em Saúde; 2002.

4.      Klück MM, Guimarães JR, Vieira DF, Silveira IP. Comissão de prontuários do HCPA. Manual do Prontuário do Paciente, versão 3, outubro de 2002.

5.      Klück, MM. A gestão da informação em um hospital universitário: em busca da definição do “prontuário essencial” do Hospital de Clínicas de Porto Alegre [Dissertação de mestrado] Porto Alegre: PPGA/UFRGS; 1996.

6.      Martinez D, Kluck MM, Leão ML. Informática médica. SEI/CNPq; 1981.

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