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Alterações da parede abdominal

Autores:

Eduardo Corrêa Costa

Médico Cirurgião Pediátrico. Mestrando em Cirurgia pela UFRGS.

José Carlos Soares de Fraga

Professor Associado de Cirurgia da UFRGS. Cirurgião Pediátrico dos Hospitais HCPA, Mãe de Deus e Moinhos de Vento. Doutor em
Pneumologia pela UFRGS. Pós-Doutor em Cirurgia Torácica Infantil pela UFRGS.

Última revisão: 10/06/2014

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Versão original publicada na obra Xavier Picon P, Cauduro Marostica PJ, Barros E. Pediatria. Consulta rápida. Porto Alegre: Artmed; 2010.

Gastrosquise e onfalocele

Definição

         Gastrosquise: é um defeito da parede abdominal localizado à direita e lateralmente ao cordão umbilical intacto. As estruturas evisceradas não são cobertas por saco peritoneal.

         Onfalocele: é uma alteração da parede abdominal em que as vísceras saem por meio da base do cordão umbilical, herniando para dentro de um saco (âmnio e peritônio).

 

Embriologia

         Gastrosquise: defeito resultante de uma ruptura na base do cordão umbilical em uma área enfraquecida pela involução prematura da veia umbilical direita.

         Onfalocele: falha na fusão central das quatro pregas abdominais (duas laterais, uma caudal e uma cefálica).

 

Epidemiologia

         Onfalocele e gastrosquise: 1:3.000 nascidos vivos

         Estudos mais recentes demonstram que a gastrosquise é mais comum do que a onfalocele, especialmente pela diminuição da idade materna

         Predisposição sexual:

–Gastrosquise: 1:1

–Onfalocele: meninos – 1,5-2:1

         Prematuridade:

–Gastrosquise: 50-65%

–Onfalocele: 10-15%

         Fatores de risco (gastrosquise):

–Idade materna < 20 anos

–Primípara

–Baixo nível escolar e social

–Abuso de drogas (tabaco, álcool, cocaína)

–Aspirina, ibuprofeno, pseudoefedrina, acetaminofeno

 

Anomalias congênitas associadas

         Gastrosquise: somente 15% dos pacientes apresentam alguma malformação, sendo que, destes, três quartos dos casos são malformações intestinais; entre elas, estenose, atresia e perfuração intestinal, geralmente consequência da isquemia mesentérica provocada pelo estrangulamento, tração e volvo do mesentério. É importante lembrar que esses pacientes apresentam vícios de não rotação intestinal.

         Onfalocele: esses pacientes apresentam uma maior associação com malformações, podendo chegar até mais de 50% dos casos. Podem ser estruturais ou cromossômicas. Entre as estruturais, as mais frequentes são as cardiovasculares (20%), mas existem também as de tubo neural, divertículo de Meckel e musculoesqueléticas. Já as cromossômicas são responsáveis por 15-20%, sendo as mais frequentes: trissomias 13, 15, 18, 21; síndrome de Beckwith-Wiedemann; pentalogia de Cantrell; extrofia de cloaca.

Ecografia pré-natal. Após a 13º semana gestacional, é possível visualizar o defeito da parede abdominal. Também é importante para verificar os possíveis defeitos estruturais associados. É indicado manter-se um acompanhamento ecográfico.

Existe a recomendação de que pacientes que têm o diagnóstico pré-natal devem ser encaminhados ainda in utero para um centro terciário.

Tipo de nascimento. Apesar da tendência de submeter à cesariana as gestantes cujo diagnóstico pré-natal indica a presença de malformação da parede abdominal anterior, só deve ser evitado o parto vaginal nas pacientes com indicações obstétricas para isso: onfalocele com fígado extracorpóreo e gastrosquise com complicações.

 

Manejo pós-natal imediato

         Gastrosquise: receber o recém-nascido (RN) em um ambiente asséptico e aquecido, envolver o intestino exteriorizado em compressas secas e esterilizadas; assim que possível, envolvê-lo em bolsa plástica estéril; transferir o paciente para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal; passar sonda nasogástrica (SNG) para evacuar ar e líquidos intestinais; iniciar com antibiótico de amplo espectro, hidratação adequada e agressiva (2-3× a manutenção); providenciar e preparar a correção cirúrgica.

         Onfalocele: manejo local do defeito similar ao da gastrosquise. Necessita de uma reposição hídrica menor que a gastrosquise (1,5× a manutenção). Por não se tratar de uma urgência cirúrgica como a gastrosquise, deve-se realizar toda a investigação em busca da malformações potencialmente associadas antes do procedimento cirúrgico (Tab. 26.2.1).

 

 Tratamento cirúrgico

         Gastrosquise: geralmente consegue-se fechamento primário. Pode-se aumentar o defeito aponeurótico para facilitar a entrada das alças intestinais. Utiliza-se o streching, que é a distensão da parede abdominal para aumentar o tamanho da cavidade abdominal e permitir a redução do conteúdo exteriorizado.

O uso de enemas com solução fisiológica via retal esvazia o conteúdo do cólon e facilita a redução. Após fechamento da parede abdominal, são avaliadas as condições clínicas do RN, como restrição da ventilação, perfusão dos membros inferiores e medida da pressão intra-abdominal. Se a última estiver < 18 mmHg, pode-se realizar o fechamento primário do defeito da parede abdominal. Quando não se consegue atingir esses parâmetros, lança-se mão do tratamento estagiado com silo. O silo corresponde a uma tela de silicone fixada na aponeurose envolvendo as alças, que serão gradualmente reduzidas na UTI neonatal, com posterior fechamento da cavidade abdominal.

         Onfalocele: quando temos um defeito pequeno ou médio, normalmente o fechamento primário é possível, como na gastrosquise, sendo necessário remover previamente o saco que recobre as alças. Os defeitos maiores que não puderem ser corrigidos com fechamento primário podem ser tratados com silo ou fechamento estadiado, que corresponde ao fechamento da pele sem fechamento da aponeurose abdominal, criando uma hérnia ventral, postergando-se o fechamento da cavidade abdominal para 6-12 meses. Nos RNs que estão hemodinamicamente instáveis para se submeterem à anestesia e correção cirúrgica, pode-se usar a sulfadiazina de prata no saco para produzir uma epitelização deste, sendo possível o fechamento posterior. Essa técnica está em desuso.

 

Manejo pós-operatório. A maioria dos RNs necessita de ventilação mecânica com sedação e relaxante muscular. Em geral, esta pode ser suspensa em 48-72 horas. A hidratação deve se manter de forma adequada. O uso de antibióticos deve ser mantido por 72 horas após o fechamento. A nutrição parenteral somente será interrompida após boa aceitação via oral; sabe-se que o íleo normalmente é mais prolongado, podendo chegar a seis semanas nas gastrosquises e em torno de cinco dias nas onfaloceles. Está indicado o uso de alimentação trófica, para estimular o intestino ao contato com dieta.

 

Prognóstico. A mortalidade na onfalocele varia de 5-30%, sobretudo devido às malformações associadas. Já em crianças com gastrosquise, a mortalidade é de 4-6%. O refluxo gastresofágico pós-operatório chega a 50%. Há grande associação de gastrosquise com intestino curto pelo encurtamento anatômico.

 

Hidrocele e hérnia inguinal

Definição

         Hidrocele: acúmulo de líquido peritoneal dentro da túnica vaginal. Pode ser não comunicante, quando há somente líquido residual, ou comunicante, quando há persistência do conduto peritoneovaginal.

         Hérnia inguinal: saída de víscera ou conteúdo do abdome por meio de persistência do conduto (indireta) ou defeito da parede (direta). Pode ser completa (inguinoescrotal), quando há contato com a túnica vaginal do testículo, ou incompleta, quando não há contato com a túnica.

 

Epidemiologia

         Prevalência: 0,8-4,4%

–Prematuros (< 1.000 g): 5-25%

         Mais comum em meninos (6-8:1)

         Lado:

–Direito: 60%

–Esquerdo: 30%

–Bilateral: 10%

• Prematuros: 40%

         Maioria: hérnia inguinal indireta

         Hérnia inguinal direta: 0,5%

         Hérnia femoral: 0,2%

         15% das crianças com hérnia encarceram

–70% no primeiro ano de vida

         Meninas: 15-20% hérnia deslizada

–50%: ovário

–12%: tuba uterina

–15%: ovário e tuba uterina

Quadro clínico. Os pais ou responsáveis buscam atendimento por abaulamento na região inguinoescrotal, geralmente aos esforços e facilmente redutível. Quando não é possível visualizar ou palpar essa massa, pode-se palpar o espessamento do cordão espermático, sinal da seda de Gross. Sempre que, no exame físico, não forem evidenciados os sinais de hérnia inguinal, o paciente deve ser avaliado novamente em outra ocasião, pois a taxa de ausência de hérnia inguinal na exploração cirúrgica pode chegar até 12%, se levarmos em consideração somente a história clínica relatada pelos pais.

Na hidrocele, é sempre importante realizar a transiluminação da bolsa escrotal para descartar a presença de tumores sólidos que possam ser a causa desse acúmulo de líquido, principalmente se apresentar-se de forma abrupta e nunca ter sido notada. Outra causa seria o trauma da bolsa escrotal.

Deve-se ressaltar que algumas doenças estão mais associadas com a hérnia inguinal, seja por aumento da pressão abdominal, alteração do colágeno ou pela própria embriogênese; são elas: criptorquidia, fibrose cística, pacientes com derivação ventriculoperitoneal, malformações pélvicas (extrofias), síndrome de Hunter, síndrome de Ehlers-Danlos,anomalias da parede abdominal e luxação congênita de quadril.

Tratamento. A indicação é de correção cirúrgica no momento do diagnóstico, pelo alto índice de encarceramento. As exceções são a hidrocele não comunicante, em que o líquido pode ser reabsorvido espontaneamente em até 18-24 meses; quando a criança apresenta alguma doença aguda intercorrente que impeça a cirurgia, e os RNs internados com menos de 2 kg.

A correção cirúrgica ocorre por meio de uma inguinotomia, em que é realizada a ligadura alta do saco herniário, tendo em vista que, na grande maioria dos casos, há somente hérnia inguinal indireta. Nos casos especiais, pode-se realizar outras técnicas, como o reparo à Marcy, nos casos em que o anel inguinal interno está alargado; sutura do saco herniário em bolsa, em hérnias deslizadas; reparo à McVay nas hérnias femorais; reparo à Bassini, McVay ou uso de tela de Marlex nas hérnias inguinais diretas. Sempre salientando que o uso de material protético em crianças é temerário por não acompanhar o crescimento do paciente. Um ponto sempre controverso é a exploração contralateral da hérnia inguinal.

Existem algumas situações em que a indicação é justificada, como nos pacientes com aumento da pressão abdominal, nos prematuros, nos pacientes com risco anestésico aumentado e naqueles com doenças hematológicas.

Apesar de ser considerada uma cirurgia ambulatorial, nos RNs que ainda não completaram 45 semanas pós-concepção, opta-se por mantê-los internados por 24 horas devido ao risco aumentado de apneia.

Em alguns casos, a cirurgia deve ser apressada: após a redução de um encarceramento, pois o risco de recidiva é de 40%, e nas meninas que apresentam o ovário encarcerado dentro do saco herniário.

Assim como em adultos, tem aumentado o número de herniorrafias por videolaparoscopia. Ainda é muito polêmico esse tipo de abordagem na criança, com relação a seus benefícios e complicações, especialmente por haver necessidade de um maior tempo de seguimento pós-operatório.

Complicações. O encarceramento, que é o aprisionamento do conteúdo abdominal dentro do saco herniário, é a complicação mais frequente. Felizmente, em 80% dos casos, é possível reduzir o conteúdo encarcerado. Essa redução é realizada com a sedação e analgesia do paciente, elevação dos membros inferiores e compressão gentil e constante da massa. Se houver sucesso, o ideal é manter o paciente sob supervisão e esperar em torno de 24-48 horas para submetê-lo à correção cirúrgica. Nos casos de insucesso, deve-se operar o paciente imediatamente.

Nos casos de estrangulamento, nos quais, além do aprisionamento, existe ainda sofrimento isquêmico do conteúdo abdominal, em alguns casos – em torno de 1,4% – é necessário submeter o paciente à ressecção intestinal.

É importante ressaltar que, se levarmos em consideração a relação do saco herniário com o cordão espermático, outra complicação do encarceramento é a lesão vascular do testículo, que pode levar à atrofia testicular. Essa é a complicação mais comum de hérnia inguinal encarcerada no menino.

Felizmente a taxa de recorrência após a correção cirúrgica é baixa (1%). Deve-se salientar que essa recorrência pode estar relacionada à prematuridade, encarceramento, distúrbios do colágeno ou má técnica operatória.

 

Hérnia umbilical

Definição. Protrusão do conteúdo abdominal pelo defeito de fechamento do anel na cicatriz umbilical.

Epidemiologia. Em torno de 20% dos RNs a termo apresentam fechamento incompleto. Em 80% dos casos ocorre o fechamento completo do anel umbilical. Em prematuros com baixo peso (1-1,5 kg), encontra-se uma incidência de até 85%. Entre os pacientes negros, a incidência é de 40%.

Quadro clínico. Geralmente o paciente chega referindo protrusão assintomática da hérnia umbilical. Raramente apresenta-se com encarceramento. Entre os mitos ligados à hérnia umbilical, encontra-se o uso de faixas e moedas, bem como a fantasia de que o cateter umbilical pode provocá-la.

Tratamento. O tratamento deve ser expectante até em torno dos 5 anos de idade, momento em que se espera que, na maioria dos casos, o anel já deva ter fechado espontaneamente. Nos casos em que não houve fechamento ou nos quais o anel apresenta um diâmetro > 2 cm, está indicada a correção cirúrgica, que consiste no fechamento do anel.

 

Outras hérnias da parede abdominal anterior

Hérnia epigástrica

Consiste no defeito da aponeurose entre o apêndice xifoide e a cicatriz umbilical, que decorre da falha de fixação das bordas mediais dos músculos retos abdominais.

Geralmente o defeito é pequeno e sintomático. É importante diferenciar da diástase dos retos abdominais, que corresponde ao afastamento dos músculos. O tratamento sempre é cirúrgico e consiste no fechamento do defeito aponeurótico.

 

Hérnia de spiegel

Consiste na protrusão do conteúdo abdominal na intersecção da linha semilunar, bordo lateral do músculo reto abdominal e linha semicircular, na porção caudal do músculo reto abdominal. Envolve também os músculos transverso e oblíquo interno. Sua apresentação geralmente é sintomática, mais à direita e de difícil diagnóstico. Por ser um defeito pequeno com saco herniário grande, em 20% dos casos apresenta-se com estrangulamento. O uso de exames de imagem como ecografia e tomografia computadorizada pode ser útil. O tratamento é cirúrgico, sendo realizado o fechamento do defeito.

 

Referências

1.             Garcia VF. Umbilical and other abdominal wall hernias. In: Ashcraft KW, Holcomb GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. p. 659-69.

2.             Klein MD. Congenital abdominal wall defects. In: Ashcraft KW, Holcomb GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. p. 659-69.

3.             Souza JCK. Hérnia epigástrica. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 332.

4.             Souza JCK. Hérnia inguinal. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 321-9.

5.             Souza JCK. Hérnia umbilical. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 330-1.

6.             Souza JCK. Onfalocele e gastrosquise. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 333-41.

7.             Weber TR, Tracy Jr TF, Keller MS. Groin hernias and hydroceles. In: Ashcraft KW, Holcomb GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. p. 697-705.

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