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Coagulação Intravascular Disseminada

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 27/03/2015

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A coagulação intravascular disseminada (CIVD), ou coagulopatia de consumo, é uma síndrome clínico-patológica em que a coagulação intravascular disseminada é induzida por pró-coagulantes que entram na circulação ou são produzidos e vencem os mecanismos naturais anticoagulantes. Historicamente, sua primeira descrição é de 1834 quando Dupuy demonstrou achado em animais com injúria cerebral de trombose disseminada; em 1835 Trousseau mostrou que neoplasias têm a tendência à trombose disseminada e, em 1961, Lasch e colaboradores demonstraram os mecanismos do que hoje nós denominamos de coagulopatia de consumo.

A CIVD pode ter uma apresentação tanto aguda como uma emergência com alto risco de vida ou uma condição crônica, por vezes até subclínica que acompanha condições como neoplasia e hepatopatias. Discutiremos agora a CIVD com foco principalmente nas apresentações agudas desta síndrome.

 

Etiologia e Patogênese

Em estudos anátomo-patológicos os órgãos mais comumente envolvidos são os pulmões e osrins. Além destes órgãos são comumente envolvidos cérebro, coração, fígado, baço, adrenais, pâncreas e intestinos. Outro achado anátomo patológico importante é a presença de endocardite marântica nestes pacientes, que aparece em até 50% dos pacientes com CIVD, quando buscada ativamente.

O processo de hemostasia normal se inicia no próprio local da lesão vascular inicial, primeiramente com formação de coágulo e posteriormente com a resolução do mesmo para permitir o reparo tecidual. Na CICD este processo ocorre anormalmente e de forma muito amplificada levando à coagulação disseminada e fibrinólise.

O fator iniciador geralmente é a exposição a um fator coagulante, denominado de fator tissular ou tecidual. O fator tissular é presente na membrana da maioria dos tecidos incluindo camada média e adventícia dos vasos, em condições normais o sangue não e exposto ao fator tissular, componentes destes fatores tissulares incluem:

- Produtos bacterianos como lipopolissacárides;

- Na sepse por meningococos pode ser encontrado o fator tecidual na circulação;

-O fator pró-coagulante das neoplasias que são uma enzima proteolítica produzida por tumores mucinosos, principalmente;

-Lesão endotelial pelo trauma com dano endotelial libera enzimas pró-coagulantes e fosfolípides;

-Na hemólise intravascular severa como nas reações hemolíticas transfusionais, um processo de coagulação é ativado por vias como liberação de fator tecidual, citocinas incluindo TNF e produção reduzida de óxido nítrico;

-Em pacientes com deficiência de proteína C, o desbalanço entre geração de trombina e fibrinólise pode sobrepujar os mecanismos normais de proteção contra coagulação inapropriada.

 

O fator tecidual leva à produção intravascular de trombina, isto combinado com a falha dos mecanismos naturais de coagulação leva à coagulação disseminada na maioria dos casos, como no caso de o sangue ser  exposto ao fator tissular (trauma, queimadura, placenta prévia ou outros eventos) ou a entrada de células entranhas na circulação, que podem ocorrer por metástases, leucemias, embolia amniótica, de forma que se ativa o sistema de coagulação, que também é ativado na resposta inflamatória sistêmica ou por bactérias, em um processo que envolve monócitos, células endoteliais, neutrófilos e plaquetas no processo.

Os mecanismos de controle envolvem a remoção da trombina gerada por células endoteliais em complexos formados com a antitrombina III (ATIII), outra linha de defesa envolve os inibidores do fator tecidual, além das células do parênquima hepático que levam ao clareamento dos fatores IX, X e XI da circulação e reposição dos fatores de coagulação, plaminogênio, A-2 antiplasma, ATIII e proteína C.

 

São fatores causais importantes de CIVD:

-Sepse;

-Doenças neoplásicas malignas: especialmente na leucemia promielocítica aguda, tumores mucinosos como os de pâncreas, estômago e ovário e tumores cerebrais;

-Trauma: principalmente se envolve SNC;

-Complicações obstétricas: principalmente pré-eclâmpsia, aborto retido, esteatose hepática aguda da gestação e placenta prévia;

-Hemólise intravascular: por reações transfusionais, púrpura trombocitopênica trombótica e malária severa.

 

Causas menos comuns envolvem:

-Heat stroke ou hipertermia;

-Lesões por esmagamento;

-Uso de simpaticomiméticos abusivos;

-Shunts peritoneo venosos;

-Picadas de cobras;

-Deficiência de proteína C;

-Rejeição a transplante de órgão sólido;

-Embolia gordurosa;

-Síndrome antifosfolípide catastrófica.

 

Quadro Clínico

Maior parte das manifestações são atribuíveis a doença de base que leva ao aparecimento da CIVD, as manifestações específicas atribuíveis a CIVD são as de sangramento e tromboses, sendo mais evidente clinicamente os sangramentos, que são comuns em todas as séries de casos publicados, por outro lado, o achado de choque ou disfunção de outros órgãos apresentam proporção variável em diferentes estudos variáveis nas diferentes séries de casos.

Os sangramentos na CIVD aguda costumam ser de múltiplos sítios e incluem petéquias, equimoses e sangramento em babação em sítios de venopunção, também são descritos sangramento de mucosas. Os eventos hemorrágicos podem, inclusive dependendo de sua extensão, ser associados com risco de vida.

Outra manifestação frequente na CIVD grave é a disfunção extensa de órgãos, que frequentemente resulta de trombos microvasculares. A ocorrência de tromboembolismo pulmonar e trombose de grandes veias, por sua vez, são raras.

Em pacientes com endocardite marântica associada podem ocorrer AVCs, caso ocorra trombose de vasos cutâneos podem aparecer bolhas hemorrágicas, necrose acral e gangrena.

O aparecimento de disfunção circulatória com choque pode ser tanto causa como consequência da CIVD, por sua vez, disfunção renal frequentemente ocorre por microtrombose de arteríolas glomerulares, as manifestações incluem oliguria, anuria, azotemia, hematuria em 25-67% dos casos.

Disfunção hepática é descrita nestes pacientes com icterícia ocorrendo em 22 a 57% dos casos de CIVD, se o paciente apresentar hipotensão prolongada aumenta as chances de disfunção hepática simulando inclusive as evoluções de hepatites fulminantes.

As disfunções de sistema nervoso central (SNC) ocorrem por micro ou macrotrombos, além de eventos embólicos e hemorragias que podem ser associadas à CIVD.

As manifestações pulmonares incluem desde hipoxemia leve a hemorragia alveolar (achado relativamente especifico na CIVD) e até mesmo SARA. Podem ainda ocorrer hemoptise, dispneia, dor torácica, roncos, sibilos e atrito pleural, na radiografia de tórax podem aparecer infiltrados difusos.

Hemoptose, dispneia, dor torácica: roncos, sibilos e até atrito pleural na radiografia aparecem como infiltrados difusos. Outra manifestação descrita é insuficiência adrenal aguda secundária ao processo inflamatório afetando a adrenal e hemorragia da mesma, em quadro que simula a síndrome de Waterhouse-Friederich.

Mortalidade da CIVD varia 31 a 86% nas diferentes séries e é relacionada em grande parte ao seu fator precipitante.

 

Achados Laboratoriais

Na apresentação aguda podemos apresentar plaquetopenia, que é um achado sensível, mas pouco específico. Alterações de exames de coagulação como tempo de protrombina (TP), TTPA, D-dímero, Tempo de Trombina, fibrinogênio, produtos de degradação de fibrina e esfregaço de sangue periférico.

Quando ocorre mudança em mais de três parâmetros e plaquetopenia, o diagnóstico de CIVD é provável, e usualmente se descarta a necessidade de outros testes.

O fibrinogênio pode ser normal no início das manifestações, pode-se levar até 1-2 dias para ocorrer as alterações (meia vida do fibrinogênio de quatro dias)

Existem escores de CIVD de valor prognóstico, embora pouco validados na literatura. O D-dímero pode ser muito útil, pois indica que cross-linkage gerado por trombina que digerida pela plasmina.

 

CIVD Crônica

Ocorre em varias doenças como Carcinoma metastático, hemangiomas gigantes ou síndrome do óbito fetal, em todas estas situações os mecanismos de controle tendem a prevenir a ocorrência de manifestações clínicas severas neutralizando enzimas ativas por aumento da síntese de componentes hemostáticos consumidos.

Com isso valores variáveis dos testes laboratoriais, as plaquetas, por exemplo, frequentemente estão apenas levemente diminuídos, fibrinogênio normal ou alto, TTPA ou TP dentro dos limites da normalidade. Entretanto paciente tem PDF e d-dímeros elevados. São comuns os achados de células fragmentadas, mas em menor proporção que na PTT.

Outra forma de manifestação da CIVD é a chamada CIVD acompanhada de fibrinólise primária, os achados típicos são plaquetas diminuídas, d-dímero aumentado, diminuição da lise de coágulo, diminuição do tempo de lise da hemoglobina e PDF muito aumentado. Situações em que ocorre esta situação incluem a LMA, heat stroke e carcinoma metastático de próstata e embolia de fluído amniótico.

 

Fibrinólise Primária

Ocorre quando plasmina é gerada na ausência de CIVD, esta situação tem sido descrita em doença hepática, carcinoma de próstata, terapia trombolítica e em alguns casos sem causa aparente.

Nestes pacientes o D-dímero é usualmente normal, mas algumas vezes aumenta, por exemplo, na terapia trombolítica com t-Pa.

 

Tratamento

Não está muito definido, pois não existem estudos controlados, o mais importante é o manejo das doenças predisponentes. A terapia com componentes sanguíneos só é indicado se houver sangramento ou por depleção de fatores hemostáticos.

Em pacientes com plaquetas entre 50.000 e 100.000 células/mm3, pode ser indicada  transfusão de 6 a 10 Unidades de plaquetas, caso o paciente apresente sangramento, mas transfusão de plaquetas profilática não é usualmente recomendada, exceto se plaquetas < 10.000 céls/mm3. Os pacientes com hipofibrinogenemia com valores < 100 mg/dl, têm como opção a transfusão de 8-10 U de crioprecipitado, caso estes valores sejam maiores que 100 mg/dl mas TP e TTPA alargados significativamente deve ser considerado o uso de plasma fresco congelado.

Para reposição de outros fatores de coagulação é indicado 1 a 2 U de Plasma Fresco Congelado (PFC) ou 15 ml/Kg de peso de PFC.

Pode ser necessário repetir a cada 8 horas a reposição de PFC conforme TP. TTPA, fibrinogênio, número de plaquetas e estado volêmico. Não é útil utilizar d-dímero e PDF para monitorar terapia.

O uso de heparina convencional, para diminuir risco de trombose e tratar a CIVD, é controverso, pois pode exacerbar sangramento, a medicação parece benéfica se carcinoma metastático, purpura fulminante ou síndrome de óbito fetal principalmente se quadro trombótico associado. A dose inicial é de 500-750 U/hora se não melhora em 24 horas aumentar dose, alguns autores consideram o uso da heparina se ATIII> 50% do normal.

Outra opção é a utilização de concentrado ATIII: diminui a duração das alterações laboratoriais e mortalidade em estudos pequenos, de qualquer forma não existe no momento recomendação favorável para o uso de heparina nestes pacientes, exceto em casos de exceção e com trombose documentada.

Outra opção medicamentosa são os Inibidores da fibrinólise como o ácido aminocaproico, de qualquer forma antes da sua utilização é importante a reposição de componentes sanguíneos e manter heparina contínua.

Outras modalidades terapêuticas incluem o Gabesate mexilate que foi avaliado em um estudo com 395 pacientes, ocorrendo melhora em 58% dos casos neste estudo, mas também não é recomendado seu uso rotineiro.

Algumas etiologias específicas de CIVD merecem consideração, as infecções são causas comuns, principalmente em pacientes asplênicos, na maioria das vezes a infecção é bacteriana. O S.aureus, por exemplo, é associado a dano renal cortical e necrose de pele, outras etiologias que devem ser lembradas para tratamento específico são a rubéola, a varicela e a influenza.

A púrpura fulminante é uma forma severa e até letal de CIVD, acomete extremidades, nádegas e os pacientes apresentam necrose hemorrágica. A biópsia de pele demonstra microtrombos difusos em pequenos vasos e vasculite que ocorre de 2 a 4 semanas após a infecção inicial, estes pacientes  em específico parecem ter benefício com a utilização de heparina. Outras situações associadas com purpura fulminante incluem tumores sólidos e leucemias, principalmente a leucemia aguda pró-mielocítica, nestes casos a fibrinólise primaria é a causa. Em pacientes que sofreram trauma pode ocorrer exposição ao fator tecidual e choque hemorrágico, nestes casos ocorre aumento de TNF. Interleucina-1 e PAI-1, estas alterações são preditoras em alguns estudos de desenvolvimento de SARA.

Outra opção terapêutica que deve ser lembrada é o debridamento de tecidos desvitalizados, pois pode parar fluxo de inibidor tecidual inibindo assim a continuação da cascata de eventos que leva à CIVD. O concentrado ATIII também pode ajudar nestas situações.

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