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Anemias Hemolíticas Autoimunes por Crioaglutininas ou por Anticorpos Frios

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/04/2015

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Uma das causas mais comuns de anemia hemolítica adquirida é a destruição autoimune de hemácias autoanticorpos dirigidas contra antígenos nas células vermelhas do paciente. Dois tipos principais de anticorpos, cada um com características específicas, são causadores da anemia hemolítica autoimune:

-Anticorpos IgG: reagem geralmente contra antígenos de proteína sobre a superfície das hemácias, reação que ocorre na temperatura corporal. Por esta razão, eles são chamados de "aglutininas quentes" ou anticorpos quentes, embora eles raramente aglutinem hemácias.

-Anticorpos IgM: reagem com antígenos de polissacáridos na superfície da hemácia apenas a temperaturas abaixo da temperatura central do corpo. Eles são, portanto chamados de "crioaglutininas", ou anticorpos frios. Raramente, os anticorpos IgG possuem estas características de reação.

-Anticorpos IgA: são muito menos comuns e de significado desconhecido. Podem produzir anemia hemolítica por anticorpos quentes ou anticorpos frios.

Estes autoanticorpos são detectados pelo chamado teste de Coombs direto, o diagnóstico da presença de anticorpos quentes é realizado pela detecção de anticorpos na superfície da hemácia, ou por intermédio das consequências da sua interação com a hemácia.

O teste de Coombs direto é o padrão para o diagnóstico da anemia hemolítica autoimune, neste caso as hemácias do paciente são lavadas se tornando livres de proteínas aderentes e colocadas para reagir com antissoro ou anticorpos monoclonais preparados contra as diferentes imunoglobulinas, especialmente IgG e fragmentos do complemento no caso C3d. Se um ou ambos destes estão presentes na superfície dos glóbulos vermelhos, a aglutinação será detectada e o teste é considerado positivo.

Quando estes testes são realizados com precisão, a especificidade é superior a 99% dos pacientes. Este teste pode ter resultados positivos em menos de 1% da população normal. É importante saber se a IgG ou C3, ou ambos, estão presentes nas células vermelhas:

-Se IgG está presente, então a destruição das células vermelhas é quase certamente devido a este anticorpo. Se o C3 é também depositada sobre as hemácias e em seguida o anticorpo IgG for capaz de fixar o complemento, este pode desempenhar um papel adicional na destruição das células. Se C3 não está presente, então o anticorpo IgG não é capaz de fixar o complemento.

-A presença de C3, mas não IgG, pode ser explicada por um de dois mecanismos: em primeiro lugar, o anticorpo não é IgG; este é o caso para IgM aglutininas frias e os raros casos de anticorpos IgA. Em segundo lugar, o anticorpo pode ser IgG, mas estão fixados à superfície de hemácias e são removidos como as células  lavadas em preparação para o teste.

A incidência de um teste de Coombs positivo em doadores de sangue normais é de 1 caso a cada 1000 a 36.000 pessoas, fatores como idade avançada anticorpos cardiolipina, SIDA e drogas aumentam os resultados falso positivos. Testes de Coombs positivos podem ocorrer em neoplasias,especialmente em doenças linfoproliferativas, antecedendo seu diagnóstico por meses ou anos.

Foi percebido que algumas interações dos imunocomplexos entre hemácias e antígenos resultavam em hemólise apenas quando a temperatura era diminuída. Estas crioaglutininas são quase sempre  anticorpos do tipo IgM como os já descritos anteriormente. A hemólise nestes casos ocorre abaixo de 31 graus Celsius e quanto maior a amplitude térmica em que ocorre a hemólise, mais grave esta hemólise costuma ser. Além da doença por crioaglutinas, temos outra forma de anemia hemolítica por anticorpos frios,  a chamada Hemoglobinuria paroxistica do frio (ou doença de Donath-Landsteiner). Em ambas as síndromes o complemento tem muita importância na sua patogênese.

A primeira descrição foi em 1903 por Landsteiner, quando foram apresentados  pacientes com quadro de anemia, fenômeno de Raynaud e outros fenômenos vasculares periféricos. Em 1918 Clouga e Richer descreveram a presença de crioaglutininas em pacientes com pneumonia, já em 1926 foi descrita a concomitância da presença de crioaglutininas séricas e o fenômeno de Raynaud. Chubtze, posteriormente, foi quem pela primeira vez utilizou o termo de anemias hemolíticas associadas à crioaglutininas.

Esta síndrome consiste de uma anemia secundária a hemólise de natureza imune, em que os autoanticorpos aglutinam hemácias sanguíneas abaixo da temperatura corpórea. Se nesta situação para hemólise bastasse a fixação por complemento poderia ocorrer hemólise com temperatura <37 graus, mas as IgM sem complemento necessitam de temperaturas menores para ocorrer hemólise.

A anemia hemolítica autoimune por crioaglutininas pode ser dividida em primária e secundária. A primária ocorre principalmente em adultos e é associada a infecções como por mycoplasma pneumoniae, por isto a descrição de pneumonia com crioaglutininas, também associada à infecçções mono-like. A forma secundária é associada principalmente com doenças linfoproliferativas e a Macroglobulinemia de Waldenstroem.

 

Etiologia e Patogênese

As crioaglutininas são anticorpos Igm que têm especificidade para receptores nas hemácias e são denominadas de anti_I, estas células representam uma marcante e não regulada expressão de clones de células B. Algumas infecções desencadeiam a produção desregulada destes clones. Estes anticorpos são constituídos de cadeias kappa e lambda além de componente de cadeias pesadas. As crioaglutininas são em geral ineficazes em levar a hemólise às hemácias normais, pois como os macrófagos,outras células fagocíticas e citotóxicas não tem receptores IgM, a destruição da hemácia é totalmente dependente da fixação por complemento. As hemácias normais possuem elementos como o CD 55 e CD 59 que a protegem da lise de hemácias pela fixação por complemento, assim uma grande quantidade de unidades fixadoras de complemento são necessárias e estas só podem ser produzidas nas extremidades mais frias do organismo como dedos, nariz e orelhas. A intensidade da hemólise irá depender:

-Da quantidade de anticorpos produzida

-Da amplitude térmica em que estes autoanticorpos funcionam

-Do grau que a fixação de complemento é inibida pelo C3d

-Da Capacidade do anticorpo fixar nas hemácias e complemento. Alguns autoanticorpos se fixam às hemácias e têm dificuldade em fixar o complemento. Estas crioaglutininas tendem a se precipitar (criopreciptinas) e causam aglutinação clínica severa com acrocianose e dor, mas causam pouca hemólise.

-A especificidade dos autoanticorpos em causar lise das hemácias

-Os anticorpos IgM são compostos por cinco unidades similares a IgG, alguns auto-anticorpos IgM têm seis unidades e estas IgM têm maior capacidade de causar hemólise.

 

As síndromes hemolíticas criopáticas podem ser divididas em:

A-idiopática ou primária

B secundária: podendo ser subdividida em

1-pós-infecciosa

2-associada a malignidades pré-existentes de cálulas B.

C-Doença de Donath-landsteiner: usualmente asssociada a infecções virais agudas em crianças, é uma forma relativamente comum.

D-Congenita ou associada terciária em adultos, muito rara.

 

A maioria das crioaglutininas não aglutina em temperaturas maiores do que 30 graus, a maior temperatura em que causam aglutinação é chamada de amplitude térmica. Após a ativação do complemento pelo imunocomplexo de hemácias e crioaglutininas, a hemólise passa a ocorrer independente da presença de crioaglutininas.

 

A fixação por complemento pode afestar as hemácias de duas maneiras:

-Lise direta

-Opsonização por macrofagos hepáticos e esplênicos

 

Prevalência

As anemias hemolíticas autoimunes por crioaglutininas representam 10-20 % das anemias hemoliticas autoimune, sendo mais comum em mulheres. As crioaglutininas ocorrem em 60% dos pacientes infectados pelo Mycoplasma pneumoniae, mas anemia hemolítica é rara nestes casos.

 

Manifestações Clínicas

Os pacientes podem apresentar sintomas tanto por anemia como por aglutinação. A maioria dos pacientes com anemia hemolítica por crioaglutininas tem anemia hemolítica crônica com ou sem icterícia, em outros pacientes a manifestação pode ser através de uma crise aguda de hemólise com hemoglobinúria. A acrocianose e outros fenômenos vasculares em dedos mãos, pés, nariz e orelhas associados à fragmentação de hemácias na microvasculatura também pode ocorrer. A hemólise na infecção pelo mycoplasma é aguda e tipicamente aparece na recuperação da pneumonia. Os episódios de hemólise costumam ser autolimitadas e duram de uma a três semanas. Os pacientes podem apresentar esplenomegalia associada. No diagnóstico, as seguintes manifestações estão presentes com as frequências seguintes:

-Anemia: 35%

-Acrocianose: 24%

-Fadiga: 21%

-Fraqueza ou dispneia aos esforços: 7%

-Hemoglobinúria: 3%

Alguns sintomas são ocasionados pelo frio, como acrocianose e livedo reticular, estes sintomas melhoram com o aquecimento e pouca reatividade vascular ocorre como no fenômeno de Raynaud.

 

Exames Complementares

Na apresentação, os pacientes apresentam desde anemia leve até níveis de Hemoglobina menores que 5g/dl, os pacientes também apresentam policromasia 5-6 e também policromasia e um RDW aumentado, pois as populações de hemácias podem ter VCM muito diversos com hemácias com VCM mais de duas vezes superior a das hemácias normais.

O esfregaço de sangue periférico pode mostrar hemácias em aglutinação, ou hemácias em “rouleaux”. Os pacientes usualmente apresentam reticulocitose.

Os pacientes podem apresentar leucocitose leve a moderada durante a hemólise ativa, a contagem de plaquetas é normal e hiperbilirrubinemia leve às custas de bilirrubina indireta é comum.

Uma manobra que pode auxiliar o diagnóstico é o esfriamento das mãos do paciente para 4 graus, com reprodução dos sintomas vasculares, que se revertem com o aquecimento para 37 graus.

O diagnóstico pode ser confirmado pela pesquisa das crioaglutininas, os pacientes em geral em títulos acima de 1/10.000, eventualmente títulos acima de 1/1.000.000.

O Coombs direto é positivo para complemento, o anticorpo não é detectado porque as crioaglutininas se dissociam rapidamente das hemácias tanto in vivo como in vitro.

CD+ com reagentes anticomplemento o Ac por si é detectado porque crioaglutininas se dissociam rápido das células vermelhas tanto in vivo como in vitro, mas C4b e C3b são encontrados.

 

Diagnóstico Diferencial

Se as crioaglutininas tiverem em títulos maiores que 1/10.000 com Coombs direto positivo para complemento, o diagnóstico pode ser fechado.

Se o paciente tem história de uso de medicamentos ou títulos baixos ou ausentes de crioaglutininas fazem pensar em medicamentos como causa da hemólise. Em pacientes com crioaglutininas em títulos maiores que 1/10.000 e Coombs direto positivo para IgG e C3 deve-se pensar em uma anemia hemolítica autoimune mista com anticorpos frios e quentes. Outro diagnóstico diferencial é de Hemoglobinúria Paroxística Noturna ou Hemoglobinúria Paroxística do Frio.

Testar diferencial de HPON se hemólise episódica pensar em Hbnuria paroxística do frio.

 

Tratamento

A maioria dos pacientes não tem necessidade de tratamento e apresentam sintomas apenas no inverno e durante temperaturas frias eventualmente com necessidade de transfusão, assim uma das medidas mais importantes no manejo destes pacientes é manter as extremidades quentes.

Indicações para o tratamento incluem anemia sintomática, transfusões repetidas e sintomas circulatórios incapacitantes.

Atualmente, a medicação mais utilizada para o tratamento destes pacientes é o rituximab, que é um anticorpo monoclonal anti-CD20, com taxas de resposta relatadas em mais de 75% dos casos, a medicação pode ser utilizada isoladamente ou associada com fludarabina com sucesso. Outras associações possíveis são com prednisona e o interferon.

Em pacientes com crioglobulinemia do tipo II associada à hepatite C pode ser tratada com interferon, o tratamento da hepatite C é sempre indicado em pacientes com manifestações extra-hepáticas e pode ser suficiente para melhorar os sintomas. Em relação à anemia hemolítica por crioaglutininas a resposta é melhor com regimes com rituximab do que com o interferon.

O clorambucil ou ciclofosfamida podem ser usados e existem relatos de melhora rápida da acrocianose e anemia hemolítica, mas usualmente os resultados são piores do que com a terapia convencional.

Em pacientes sem resposta pode se considerar a esplenectomia, mas os resultados são ruins, em pacientes criticamente doentes a plasmaférese deve ser acrescida ao tratamento.

Caso seja necessário realizar transfusão, deve ser lembrado de tentar usar sempre hemácias lavadas.

 

Hemoglobinúria Paroxística do Frio

É uma forma rara de anemia hemolitica autoimune com episódios recorrentes de hemólise maçica após exposição ao frio. Historicamente foi uma das primeiras formas de anemia identificavel clinicamente, quando em 1904 demonstrou a presença de anticorpos com a capacidade de fixar o complemento e causar hemólise. A doença apresentava uma associação importante com a sífilis e com as quedas da taxa de cura da maioria dos casos de sífilis a doença se tornou extremamente rara.

 

Etiologia e Patogênese

O autoanticorpo envolvido é uma IgGm que é reativa ao frio e é invariavelmente policlonal. Mecanismos infecciosos ou imunes levam a produção de anticorpos de Donath-Landsteiner, que tem uma ação fisiopatológica muito semelhante à anemia hemolítica autoimune por crioaglutininas. Esse anticorpo irá ficar o complemento e causar a hemólise. O anticorpo se dissocia a 37 graus, mas após dissociar inicia a cascata de complemento com resultado final de hemólise. A doença representa 2-5% dos casos de anemia hemolítica autoimune.

 

Prevalência

2-5% dos casos na hemol autoimune, em crianças é mais frequente com séries descrevendo neste grupo populacional como causa de anemia hemolítica autoimune em até 30% dos pacientes.

 

Achados Clínicos

Os pacientes apresentam sintomas constitucionais que aparecem durante o paroxismo, poucos minutos a horas após exposição ao frio: dores importantes na região dorsal e membros inferiores são descritas. Os pacientes ainda podem ter dores abdominais e às vezes cefaleia, calafrios e febre. A primeira amostra de urina após o início dos sintomas tipicamente contém hemoglobina, podem ainda aparecer fenômeno de Raynaud e urticária. Insuficiência renal aguda é uma forma de apresentação rara, mas já foi descrita em crianças.

 

Exames Complementares

A presença de hemoglobinúria é esperada no inicio do ataque, mas não é um achado universal. A hemólise é intravascular e as alterações laboratoriais de hemólise intravascular como a presença de esquizócitos são esperadas. Os pacientes podem ter reticulocitose, hiperbilirrubinemia e hemoglobinemia.

No início do ataque os pacientes podem ter leucopenia e posteriormente desenvolvem leucocitose neutrofílica e o complemento diminui no ataque.

O Coombs direto é positivo durante e depois do ataque, normalmente para fragmentos de C3 e negativo para IgG, mas pode ser negativo entre crises. A pesquisa de anticorpo anti-Donath-Landsteiner, raramente os títulos são > 1:16.

 

Diagnóstico Diferencial

Devem ser consideradas a hipótese de outras formas de anemia hemolítica autoimune, mioglobinúria e hemoglobinúria paroxística noturna.

 

Tratamento

Durante um ataque agudo o tratamento é basicamente de suporte e inclui  evitar o frio, evitar bebidas geladas e transfusão para anemias sintomáticas. Em pacientes crônicos sintomáticos, que não melhoraram sintomas evitando o frio, pode-se considerar o uso de imunosupressores como o rituximab, ciclofosfamida ou azatioprina. O tratamento com glicocorticoides e esplenectomia não foram úteis.

Nos casos associados à sífilis, o tratamento da mesma melhora os sintomas podendo levar à remissão. Em pacientes com quadros urticariformes pode ser tentado o uso de anti-histamínicos e adrenalina para urticária.

 

Referências

1-Berentsen S. How I manage cold agglutinin disease. Br J Haematol 2011; 153:309.

 

2-Swiecicki PL, Hegerova LT, Gertz MA. Cold agglutinin disease. Blood 2013; 122:1114.

 

3-Heddle NM. Acute paroxysmal cold hemoglobinuria. Transfus Med Rev 1989; 3:219.

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