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Neoplasia Maligna Metastática de Origem Indeterminada

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 24/07/2015

Comentários de assinantes: 2

O câncer de sítio primário desconhecido é um grupo heterogêneo de tumores para os quais a localização anatômica de origem permanece oculta após detalhada investigação, sendo o seu diagnóstico feito pela descoberta de uma metástase. Representa uma entidade relativamente comum simulando cerca de 4 a 5% de todas as neoplasias malignas invasivas.

Com o aperfeiçoamento das técnicas de imagem e a utilização de tecnologias de imuno-histoquímica e biologia molecular, estes tumores podem ser classificados e avaliados em subgrupos conforme a histologia e a bioquímica.

Alguns destes tumores podem ter prognóstico relativamente favorável e estudos recentes estão avaliando a possibilidade de esquemas de quimioterapia padrão que podem ser eficazes para pacientes com neoplasia primária de sítio desconhecido, pois é possível que as variações na apresentação não tenham um efeito substancial sobre as abordagens terapêuticas ou sobrevivência. Desta forma, a visão do câncer primário de sítio desconhecido evoluiu assim como a nossa compreensão da biologia do câncer, em geral tornando esta abordagem mais personalizada.

Muitas pessoas agora acreditam que os tumores do câncer de origem desconhecida podem reter uma assinatura da origem primária e que podem representar em fato um subtipo de eventos biológicos específicos que levem ao sítio primário permanecer desconhecido. Anormalidades genéticas específicas como anormalidades cromossômicas, densidade de microvasos, aneuploidia e superexpressão de vários genes sugerem que essas alterações não são exclusivas do paciente com neoplasia de sítio primário desconhecido. Um estudo envolvendo pacientes consecutivos com câncer primário de sítio desconhecido mostrou uma baixa taxa de mutações (em 18% dos pacientes). Não parece haver um comportamento genético diferente, parecendo este na verdade ser semelhante a um tumor metastático de sítio conhecido.

Dentre as neoplasias malignas de sítio indeterminado, podemos criar algumas subdivisões baseadas na biopsia inicial, que são as seguintes:

 

-Adenocarcinoma de sítio primário desconhecido;

-Carcinoma epidermoide de origem indeterminada;

-Carcinoma neuroendócrino que pode ser dividido em bem ou mal diferenciado.

-Tumores pobremente diferenciados.

 

Avaliação Clínica

A avaliação clínica inicial inclui história e exame físico completo, hemograma, exames básicos bioquímicos como eletrólitos, função renal e exames de imagem. Na ausência de contraindicações, uma tomografia computadorizada (TC) do tórax, do abdômen e da pélvis com o uso de contraste intravenoso é o padrão de atendimento apoiado pelo National Comprehensive Cancer Network e do NIH (National Institutes of Health) e diversas diretrizes. O restante da abordagem deve ser adaptada conforme as características de apresentação dos diferentes pacientes, com abordagem de forma direcionada.Testes invasivos como broncoscopia, endoscopia digestiva alta, colonoscopia, entre outras devem ser limitadas a pacientes sintomáticos e àqueles com imagem ou anomalias patológicas indicativas de um câncer primário, uma vez que em pacientes assintomáticos podem ter um rendimento mais elevado, em comparação com pacientes assintomáticos sem alterações clínico-patológicas, em esforços para detectar um câncer primário. Na verdade, a abordagem após os exames já discutidos se baseia principalmente no tipo histológico, iremos discutir esta abordagem específica a cada tipo histológico a seguir:

 

-Adenocarcinoma de origem indeterminada: representa cerca de 70% dos tumores metastáticos de origem indeterminada. Sítios primários possíveis incluem pulmão, pâncreas, árvore biliar e rins. Alguns estudos são úteis e incluem:

-TC abdômen: sugere o sítio primário em 10-35% dos pacientes;

-PSA em homens pode ser útil, pode se fazer pesquisa imuno-histoquímica para PSA nos tumores;

-Mamografia e RM de mamas em mulheres com linfadenopatia axilar: atualmente, a ressonância magnética (RM) dos seios é indicada em mulheres que apresentem adenopatias axilares isoladas e adenocarcinoma de sítio indeterminado, se as conclusões da mamografia e da ultrassonografia de mamas forem negativas, a ausência de massa tumoral de mama na RM está associada com uma baixa probabilidade de se encontrar um tumor na mastectomia;

-Tomografia de emissão de pósitrons ou PET-CT é útil em algumas situações clínicas, mas acrescenta pouco em relação à TC convencional. O papel deste exame é pouco definido em fato.

 

Em pacientes que têm insuficiência renal, ou que não possam tomar o iodo, a tomografia por emissão de pósitrons ou a ressonância magnética pode ser utilizada.

O uso eletivo da PET-CT é atualmente limitado a pacientes com anemia ferropriva ou de doença crônica que têm indicação de endoscopia ou colonoscopia. Pacientes com metástases intra-abdominais também têm indicação de colonoscopia.

 Os tumores neuroendócrinos, por sua vez, representam 1% de todas as neoplasias malignas de sítio indeterminado e podem ocorrer em vários sítios, podem ainda ser divididos em alto grau e baixo grau, estes últimos incluem principalmente os tumores de ilhotas no pâncreas, a abordagem nestes pacientes usualmente inclui além de tomografia a realização de cintilografia de receptores da somatostatina ou octreoscan para ajudar na localização do tumor primário, se um sítio ainda não foi localizado pode ser realizada endoscopia ou colonoscopia. Em pacientes com sintomas sugestivos de síndrome carcinoide, níveis urinários de ácido 5-hidroxiindol acético elevados são altamente específicos para o diagnóstico de tumores secretores de serotonina.

Os carcinomas epidermoides representam cerca de 5% das neoplasias malignas de origem indeterminada, e na verdade são incomuns na ausência de um tumor primário, exceto para pacientes que se apresentam com massa em região cervical, algumas apresentações requerem abordagens específicas:

 

-Paciente com linfadenopatia cervical: com maior frequência representam câncer de cabeça e pescoço. Exames indicados nestes pacientes incluem a tomografia de crânio e região cervical, laringoscopia direta e nasofaringoscopia. PET-CT é bem indicada nestes pacientes e deve ser realizada na região do sítio primário indicada por CT ou exame endoscópico;

-Linfadenopatia inguinal: a maioria dos pacientes tem tumor em região anal ou genital. Em mulheres, avaliação cuidadosa de vulva, vagina e colo de útero é necessária. Em homens, avaliaçãoo cuidadosa de pênis; toque retal e anuscopia são indicados;

-Adenopatia de outros sítios: linfadenopatias cervicais, supraclaviculares e inguinais frequentemente representam metástases de pulmão. Os pacientes devem ser avaliados com TC de tórax e broncoscopia de fibra óptica.

 

Em relação aos tumores indiferenciados ou pobremente diferenciados, representam 20-25% dos casos de tumores metastáticos de origem indeterminada, têm uma abordagem que é dependente da imuno-histoquímica, que na maioria das vezes consegue determinar a linhagem da neoplasia. Estudos adicionais que podem ser úteis incluem pesquisa de gonadotrofina coriônica humana e alfa-feto proteína. Níveis elevados da subunidade beta da gonadotropina coriónica humana (hCG) e alfa-fetoproteína em homens com carcinoma pouco diferenciado (especialmente aqueles com um tumor na linha média) sugerem a possibilidade de um tumor de célula germinal extragonadal (testicular). O aumento da alfa-fetoproteína, também deve ser considerado como potencial do diagnóstico de hepatoma. 

 

Considerações Adicionais Sobre Exames Complementares

Ao longo dos anos, ocorreu uma melhora significativa nos métodos de diagnóstico, incluindo imaginologia, patologia e marcadores moleculares. Estes avanços têm ajudado a definir a taxonomia atual de câncer primário de sítio desconhecido. Além dos métodos diagnósticos já discutidos nesta revisão, outras abordagens como pan-endoscopia (laringoscopia direta e indireta, b roncoscopia e endoscopia digestiva alta) pode ser tentada. O PET-CT ainda é alvo de estudos para aplicações adicionais. Moller e colaboradores avaliaram o uso da 18F-fluorodeoxyglucose (FDG) PET-CT como teste de diagnóstico em pacientes com tumor metastático de sítio desconhecido extra-cervical. O tumor primário foi detectado por meio de FDG-PET-CT em 39% dos pacientes com câncer extra-cervical sendo desconhecido sítio principal.

O pulmão foi o sítio mais comumente detectado representando 50% dos casos em que o tumor primário foi encontrado. As estimativas combinadas da sensibilidade, especificidade e acurácia do FDG-PET-CT em relação à detecção do local do tumor primário eram de 87%, 88% e 88%, respectivamente. Os autores concluíram que a FDG-PET-CT pode ter um papel na identificação do tumor primário extra-cervical de sítio primário desconhecido; no entanto, estudos prospectivos com critérios de inclusão uniformes são necessários. Embora não tenham sido estudados de forma prospectiva, os estudos de PET-CT podem ser úteis em pacientes selecionados com metástases solitárias antes de terapias loco-regionais e no seguimento de pacientes com doença predominantemente envolvendo osso.

Os marcadores tumorais geralmente não são considerados como úteis para o diagnóstico. Níveis elevados de antígeno carcinoembrionário ou outros marcadores são inespecíficos e não são úteis na identificação do sítio primário do tumor. Nos homens que se apresentam com adenocarcinoma e metástases osteoblásticas, recomenda-se dosar o PSA (antígeno específico da próstata). Embora os marcadores tumorais não sejam particularmente úteis no diagnóstico de um tumor de sítio primário específico, eles podem ser úteis na monitorização da resposta ao tratamento.

Na maioria dos pacientes com câncer primário desconhecido, os achados patológicos substituem as interpretações de exames radiológicos. A obtenção de uma amostra adequada do tecido é essencial, assim como é a comunicação entre o oncologista e o patologista. A maioria dos estudos terapêuticos de fase 2 utilizou  terapia empírica e se limitou a tumores epiteliais.

O uso da imuno-histoquímica no tumor primário de sítio desconhecido baseia-se na premissa de que existe concordância com os perfis de expressão dos cânceres primários e metastáticos. Testes típicos da Imuno-histoquímica incluem testes de peroxidase, anticorpos marcados contra o tumor específico, antígenos que sugerem a linhagem tumoral e que podem estabelecer a maioria das linhagens (carcinoma, linfoma, sarcoma, melanoma, etc.).

A maioria dos pesquisadores acredita que uma pesquisa para o câncer primário por meio de imuno-histoquímica testes é útil na detecção de tumores com um prognóstico favorável e no planejamento de uma terapia adaptada para o paciente.

Embora  tenha modesta especificidade e sensibilidade (com a possível exceção do PSA), o seu valor preditivo pode melhorar com o agrupamento e reconhecimento de padrões que são indicativos de tumores específicos. Por exemplo, o fenótipo para o fator de transcrição da tireoide positivo (TTF1), com citoqueratina positiva (CK7), tem sido relatado como muito sugestivo de tumores de pulmão e, em menor grau, tumores gastrointestinais. Com a utilização de microscopia de luz e testes de imuno-histoquímica, uma única metástase de tumor primário pode ter seu sítio reconhecido em 25% dos casos, nos restantes a imuno-histoquímica é inespecífica. Limitações adicionais de testes imuno-histoquímica incluem fatores que afetam a antigenicidade tecidual, a variabilidade de interpretação e a heterogeneidade e inadequação do mesmo.

A premissa para estudar o perfil molecular do tecido em ensaios em cânceres primários desconhecidos é que, quando um grande número de genes, a partir de tumores conhecidos são examinados com o uso de ferramentas como microarray de DNA ou real-time PCR poderiam encontrar uma assinatura do tumor indicativa de seu sítio primário. A performance destas avaliações foi verificada em um estudo, mostrando uma acurácia de aproximadamente 90%. Ensaios de tecido de origem com base em RNA mensageiro têm sido estudados, mas ainda sem resultados conclusivos.

A combinação de dados incluindo comparação com imuno-histoquímica, apresentação clínica e  aparência da doença latente no sítio primário pode tornar a identificação do sítio primário possível em 70% dos pacientes. Nos demais pacientes, os resultados são discordantes.

 

Tratamento

Apesar de sua heterogeneidade, o câncer primário de sítio desconhecido tem sido tradicionalmente tratado em grande parte como uma entidade única, principalmente com base em esquemas quimioterápicos baseadas em platina. Durante as últimas duas décadas, vários tratamentos combinados têm sido avaliados, e estes têm conduzido a uma gama de terapias disponíveis para pacientes com tumor de sítio primário desconhecido. Estudos empíricos de fase 2 mostraram taxas de resposta de 25 a 35% e sobrevivência variando de 6 a 16 meses. A sobrevida foi maior em metástases nodais, pleural, peritoneal e serosas em comparação com metástases viscerais. Na maioria dos pacientes, a doença é disseminada e incurável. Fatores prognósticos  adicionais que orientam as decisões em relação ao tratamento incluem dosagens da lactato desidrogenase e os níveis de albumina, status de performance e o número de sítios acometidos pela doença.

Historicamente, a designação de "subconjunto favorável" é baseado em casos em que é provável um sítio primário específico com potencial de resposta ao tratamento de forma que o tratamento empírico possa prolongar a sobrevida e também uma cura potencial. Estas apresentações (e suas origens primárias presumidas) incluem:

 

-Mulheres com adenocarcinoma e linfadenopatia axilar: sugestivo de neoplasia de mama, poderiam fazer tratamento empírico para tal;

-Pacientes com carcinoma epidermoide e linfadenopatia cervical: o diagnóstico presumido é de tumores de cabeça e pescoço e podem ser tratados como tal;

-Mulheres com carcinomatose peritoneal: podem ser tratadas como tumor ovariano;

-Homens com metástases blásticas ósseas e PSA elevado: podem ser tratados empiricamente para neoplasia prostática.

 

Outras situações incluem tumores papilares ou serosos na cavidade peritoneal em mulheres (câncer de ovário), e doença nodal  em linha média diferenciada em homem jovem (câncer de células germinativas), bem como tumores neuroendócrinos metastático indolentes, solitários. Alguns médicos acreditam que carcinoma epidermoide isolado ou oligometastático nos gânglios inguinais como uma apresentação favorável, embora o diagnóstico diferencial desta situação seja mais amplo e incluir tumor anal, genito-urinário, e de origens primárias ginecológicas.

Em pacientes sem resultados diagnósticos específicos na imuno-histoquímica, pode ser cogitado  um regime à base de platina que baseia-se na apresentação clínicopatológica e genômica, baseadas em protocolo de estudos.

Faltam ainda drogas específicas e eficazes para vários perfis de câncer, e os tratamentos de diversas neoplasias se sobrepõem. No entanto, à medida que novas terapias são desenvolvidas para os cânceres conhecidos comuns, ferramentas de biologia molecular podem ser a pedra angular do processo de decisão. Mais amplamente, há um extenso impulso na direção personalizando o tratamento do câncer com o uso de sequenciamento de próxima geração para identificar mutações em tumores individuais.

 

Referências

Greco FA, Hainsworth JD. Introduction: unknown primary cancer. Semin Oncol 2009; 36:6.

 

Varadhachary G.R. et al. Cancer of Unknown Primary Site. New Engl J Med 2014: 371: 757-765.

Comentários

Por: Atendimento MedicinaNET em 17/06/2015 às 09:02:43

"Dr. Ildemar, agradecemos o seu contato. Encaminharemos sua solicitação para providencias do setor responsável. Atenciosamente, Os Editores"

Por: Ildemar Cavalcante Guedes em 16/06/2015 às 14:47:38

"Atenção na revisão para os erros de digitação."

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