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Insuficiência Cardíaca de Alto Débito

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 15/07/2015

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Introdução

A síndrome da insuficiência cardíaca (IC) é um problema clínico global com pelo menos 10 milhões de pacientes em toda Europa e 5 milhões nos EUA convivendo com a doença. A grande maioria dos casos é associada à  disfunção sistólica e um baixo débito cardíaco, mas menos frequentemente os sintomas e sinais de insuficiência cardíaca podem ocorrer na circunstância de um débito cardíaco elevado. Historicamente, esta tem sido chamada de "insuficiência cardíaca de alto débito". Dados de ensaios clínicos nessa área são escassos. A utilização de terapias convencionais para insuficiência cardíaca, tais como inibidores da enzima conversora de angiotensina, bloqueadores dos receptores da angiotensina e alguns beta-bloqueadores com propriedades vasodilatadoras, podem reduzir ainda mais a resistência vascular sistêmica, resultando em deterioração clínica. A condição, embora incomum, é frequentemente associada com uma etiologia potencialmente reversível. Na ausência de uma causa remediável, as opções terapêuticas são muito limitadas, mas incluem a restrição dietética de sal e água combinada com o uso criterioso de diuréticos. Vasodilatadores e agentes inotrópicos não são recomendados.

 

Definição

Vários consensos internacionais estão disponíveis para o diagnóstico e tratamento da IC de baixo débito. Entretanto, estas diretrizes e as evidências clínicas publicadas não fazem referência à insuficiência cardíaca de alto débito e nem ao menos sugerem como definir uma insuficiência cardíaca de alto débito.

Um alto débito cardíaco tem sido descrito como sendo> 8 l / min, ou com um índice cardíaco> maior que os limites de 2,5 a 4,0 l / min / m2, portanto uma insuficiência cardíaca de alto débito é definida por sintomas de insuficiência cardíaca com débito cardíaco acima de 4,0 l/min/m2. A insuficiência cardíaca de alto débito é uma doença que apresenta várias fases, e alguns autores sugerem que o termo "insuficiência cardíaca de alto débito" é um equívoco, pois o coração é intrinsecamente normal e capaz de gerar um débito cardíaco elevado. Outros sugerem que a insuficiência cardíaca de alto débito ocorre apenas quando há a presença de doença cardíaca subjacente. É provável que em estados de alto débito cardíaco crônico, a insuficiência cardíaca ocorra devido a uma eventual deterioração devido à presença, ou na maioria dos casos, ao desenvolvimento de doença cardíaca. Um estado de alto débito cardíaco persistente pode estar associado à dilatação ventricular e/ou hipertrofia, taquicardia persistente e anormalidades valvares funcionais, todas as quais podem culminar em insuficiência cardíaca.

 

Fisiopatologia

A insuficiência cardíaca de alto débito é associada principalmente com resistência vascular sistêmica reduzida. Isso ocorre devido ao shunt artério-venoso ou vasodilatação periférica. Ambos os cenários podem levar a uma queda da pressão arterial sistêmica, uma característica da insuficiência cardíaca de baixo débito. Isto pode conduzir à ativação neuronal simpática, um aumento compensatório no débito cardíaco e a ativação neuro-hormonal (incluindo o sistema renina-angiotensina-aldosterona e vasopressina). Este processo, por sua vez, pode causar retenção de sal e água e insuficiência cardíaca clínica visível. Assim, retenção de sal e água ocorre tanto na insuficiência cardíaca de saída de baixo débito como em alto débito devido a uma resposta neuro-hormonal semelhante à hipotensão arterial. Na primeira, é devido ao baixo débito cardíaco e, no segundo, devido à resistência vascular sistêmica reduzida.

 

Manifestações Clínicas e Diagnóstico

Algumas situações são associadas com aumento fisiológico do débito cardíaco, estas situações incluem exercício, febre, gestação e estresse físico ou psicológico. Alguns achados físicos são característicos da IC de alto débito, a frequência cardíaca é usualmente entre 85 e 105 b.p.m, mas pode ser maior dependendo da etiologia da IC de alto débito como no hipertireoidismo. Os pulsos nesta situação tendem a ser amplos, sendo descritos como “pulsos em martelo de água”, sopro sistólico pode muitas vezes ser ouvido em região de carótidas e uma terceira bulha cardíaca pode ser ouvida eventualmente, estas alterações não são específicas da  IC de alto débito.

Semelhante à IC de baixo débito, os pacientes com insuficiência cardíaca de alto débito podem cursar com uma série de sintomas, incluindo dispneia em repouso ou com esforço, intolerância ao exercício, fadiga e retenção de líquidos. Os sinais de insuficiência cardíaca típicos podem estar presentes, incluindo taquicardia, taquipneia, aumento da pressão venosa jugular, estertores pulmonares, derrame pleural e edema periférico.

Na insuficiência cardíaca de alto débito, os pacientes são susceptíveis a ter extremidades quentes ao invés de frias devido à baixa resistência vascular sistêmica e vasodilatação periférica.

 

Exames Complementares

Radiografia de tórax é essencial na investigação de insuficiência cardíaca de alto ou baixo débito cardíaco. É útil na avaliação de cardiomegalia, congestão pulmonar e derrame pleural bilateral, que são complicações possíveis. A identificação de doença pulmonar e sepse por pneumonia pode ser relevante para o diagnóstico de insuficiência cardíaca de alto débito e leva ao tratamento destas condições associadas.

O ecocardiograma é obrigatório em pacientes com suspeita de insuficiência cardíaca. Nos estados de IC de alto débito, a ecocardiografia pode demonstrar uma fração de ejeção ventricular esquerda preservada (> 45-50%). A insuficiência cardíaca de alto débito pode ocorrer, apesar de função 'normal' sistólica de ventrículo esquerdo. Os pacientes podem desenvolver posteriormente uma dilatação compensatória do ventrículo esquerdo e depois hipertrofia. Isso pode ter eventuais consequências deletérias com agravamento da insuficiência cardíaca.

A saturação venosa mista pode oferecer pistas importantes para seu diagnóstico, de forma que raramente serão necessárias medidas hemodinâmicas para confirmar um débito cardíaco elevado. A saturação venosa mista (SvO2) fornece uma estimativa da taxa de entrega/ consumo de oxigênio corporal, que serve como uma aproximação do débito cardíaco e da perfusão dos órgãos. Uma SvO2 baixa (<65%) está associada com um débito cardíaco diminuído e, inversamente, uma saturação venosa alta (SvO2 > 75%) pode ser devido a um estado de elevado débito cardíaco.

Condições específicas associadas à insuficiência cardíaca de alto débito incluem um amplo espectro de condições congênitas, adquiridas e iatrogênicas podem causar um estado de alto débito e levar à síndrome clínica de insuficiência cardíaca. Em muitos casos, isso começa como uma fisiologia "adaptativa", como as verificadas no coração do paciente. Quando este estímulo para remodelação é persistente, a adaptação pode resultar em função cardíaca reduzida. Em muitos casos, isto é o início de um ciclo de deterioração que se auto-perpetua.

Algumas condições são associadas com IC de alto débito e devem ser comentadas:

-Anemia

Anemia crônica grave pode resultar em ajustamento fisiológico para manter a perfusão tecidual e oxigenação. A anemia pode ainda levar à vasodilatação periférica, pelo menos em parte, devido ao aumento da produção e atividade de óxido nítrico renal e vascular. Ambos podem levar à baixa resistência vascular sistêmica com ativação neuro-hormonal associada e IC. Apesar destas alterações, raramente anemia é associada à insuficiência cardíaca de alto débito e quando isto ocorre em geral existe uma condição cardíaca ou outra superimposta, de qualquer forma a IC só tende a  ocorrer quando os níveis de hemoglobina se tornam muito baixos, em geral inferiores a 5 g/dl.

O tratamento visa à correção da causa subjacente da anemia. Enquanto transfusão de sangue cautelosa pode ser necessária, a expansão do volume sanguíneo rápida pode piorar edema pulmonar.

-Fístula artério-venosa sistêmica: pode causar IC de alto débito devido a uma diminuição da resistência vascular sistêmica e um aumento compensatório do débito cardíaco. As fístulas artério-venosa podem ser iatrogênicas ou ocasionalmente devido a trauma e o risco de desenvolver IC é maior em fístulas na extremidade superior. A criação de fístulas artério-venosa em pacientes em diálise renal revelam a extensão e a adaptação cardíaco associada com fístulas. Isto inclui o aumento das dimensões do ventrículo esquerdo e uma redução no tempo de enchimento do ventrículo esquerdo. Um aumento dos peptídeos natriuréticos cerebrais é também observada. O grau de aumento do débito cardíaco depende do tamanho físico e da magnitude da anemia crônica concomitante à fístula. O tratamento pode necessitar de reversão ou modificação do shunt, um estudo demonstrou que o fechamento da fístula leva a aumento de 0,3 a 1 l no débito cardíaco.

A fístula artério-venosa, tal como em endoteliomas hepáticos e do pulmão e / ou fígado e envolvimento em telengiectasia hemorrágica hereditária (doença de Osler-Weber-Rendu), assim como hemangiomas cutâneos gigantes podem produzir uma circulação dinâmica hiperdinâmica e insuficiência cardíaca subsequente. Malformações venosas no membro superior são associadas com hipertrofia cardíaca e IC (síndrome Parkes-Weber). Insuficiência cardíaca também tem sido relatada em malformações arteriovenosas difusas associadas com Klippel-Trenaunay, o tratamento ideal destina-se a tentativa de excisão cirúrgica do shunt causador. Contudo, as lesões podem ser difíceis de localizar com precisão ou em alguns casos, tão grande como para impedir a excisão completa.

Doença de Paget: a Doença de Paget está associada com a formação óssea e reabsorção rápida que pode levar a um aumento do fluxo de sangue dentro do osso e a parte de tecido circundante. Isto pode causar uma menor resistência vascular periférica. Significativo envolvimento ósseo (geralmente definido como> 15%) pode, então, levar à IC. Ambos, o mieloma múltiplo e a displasia fibrosa (doença de Albright), por um mecanismo semelhante têm sido associados com shunt arteriovenoso e de alto débito cardíaco. Mais uma vez, anemia concomitante é susceptível de agravar este processo.

Hipercapnia crônica: hipercapnia crônica está associada à vasodilatação e pode potencialmente levar à hipotensão sistêmica e subsequente resposta neuro-hormonal hipercapnia é comumente vista na prática clínica devido a DPOC e cor pulmonale. Estas condições podem levar à retenção de fluidos no ambiente de um maior débito cardíaco.

Hipertireoidismo: uma das condições mais classicamente associadas à IC de alto débito. A tirotoxicose é associada a uma circulação hiperdinâmica. E pode ser associada à taquicardia, dilatação ventricular esquerda e aumento do débito cardíaco. Deve-se lembrar, ainda que mesmo sem IC de alto débito, que o hipertireoidismo é associado à palpitações e arritmias cardíacas que podem prejudicar a performance cardíaca, caso estas arritmias se tornem persistentes uma cardiomiopatia associada à taquicardia pode ocorrer. Achados como exoftalmia, intolerância ao calor entre outras ajudam a realizar o diagnóstico de hipertireoidismo.

Sepse: a sepse e endotoxemia é um processo complexo e multifatorial. A sepse grave está associada com vasodilatação sistêmica e um aumento do débito cardíaco. Um número de citocinas vasoativas incluindo o fator de necrose tumoral-a, interleucinas-2, -6, -8 e -15 entre outras têm sido implicadas no processo. O resultado final é, por vezes, a vasodilatação sistêmica significativa culminando com hipotensão arterial e IC. Deve-se lembrar que em fases avançadas da sepse ocorre depressão miocárdica que pode piorar a IC.

-Beribéri: a deficiência da tiamina é mais comum em áreas de deficiência na dieta com alta ingestão de carboidratos (como o Extremo Oriente). No mundo desenvolvido, é mais frequentemente observada em alcoólatras crônicos devido à má ingestão de tiamina, absorção de tiamina prejudicada, metabolismo e armazenamento. A deficiência de tiamina, também está associado a condições de má absorção, diálise e outras causas de protéico-calórica crônica de desnutrição. Esta última deve ser suspeitada em pacientes idosos isolados. A doença cardíaca pelo Beribéri é uma causa de insuficiência cardíaca de alto débito e pode cursar com edema, fadiga e mal-estar geral (beribéri "úmido"). insuficiência cardíaca de alto débito é possivelmente devido à vasodilatação cutânea que leva a uma resistência vascular sistêmica reduzida. A reposiçãoo de tiamina é realizada inicialmente com 100 mg endovenoso seguidos por 25 mg oral diariamente por duas semanas.

Obesidade: a obesidade produz um aumento do volume de sangue total e do débito cardíaco. Isto é devido à atividade metabólica do tecido adiposo, o que leva a alterações cardíacas, incluindo a dilatação do ventrículo esquerdo e hipertrofia excêntrica. Estas modificações adaptativas podem eventualmente levar a ambas as anormalidades de IC sistólica e diastólica, culminando com a insuficiência cardíaca associada à obesidade ou miocardiopatia da obesidade.

-Cirrose: associada à vasodilatação periférica por shunts e endotoxemia, a circulação nestes pacientes é hiperdinãmica e pacientes com cirrose e fração de ejeção abaixo de 50-55% provavelmente têm disfunção cardíaca significativa, as outras manifestações da cirrose, por vezes, tornam difícil o diagnóstico da mesma.

Outras causas de IC de alto débito incluem gestação, acromegalia e síndrome carcinoide. Todas estão relacionadas a um mecanismo comum de vasodilatação e uma queda na pressão arterial.

 

Tratamento

Embora a patogênese final de retenção de água e sal é semelhante em estados de baixo e alto débito, as opções de tratamento são diferentes. Na insuficiência cardíaca de baixo débito, com a resistência vascular sistêmica normal ou alta associada, vasoconstritores circulam predominantemente e são neutralizados por antagonistas neuro-hormonais (inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores dos receptores da angiotensina, antagonistas da aldosterona e beta-bloqueadores). Muitos estudos clínicos suportam o tratamento da IC de baixo débito, mas o tratamento da IC de alto débito tem pouca evidência. O uso de terapias estabelecidas vasodilatadoras, como os inibidores da enzima de conversão da angiotensina, bloqueadores dos receptores da angiotensina e alguns mais recentes beta-bloqueadores com propriedades vasodilatadoras ,por exemplo, carvedilol,  em pacientes com baixa resistência vascular sistêmica na insuficiência cardíaca de alto débito é susceptível de conduzir a uma deterioração clínica e não é recomendada. Além disso, o uso de inotrópicos positivos não é aconselhável.

O tratamento deve ser orientado para corrigir a causa da baixa resistência vascular sistêmica. Além disso, a restrição dietética de sal e água e uso criterioso de diuréticos são aconselhados. Embora as opções de tratamento sejam limitadas por insuficiência cardíaca de alto débito, existem algumas terapias de suporte existentes. Um número de vasoconstritor intravenosos adrenérgicos estão disponíveis, incluindo noradrenalina, efedrina, metaraminol e fenilefrina.

Estes tratamentos aumentam a resistência vascular sistêmica, agindo sobre receptores alfa-adrenérgicos a constrição dos vasos sanguíneos periféricos. Essas terapias podem ser auxiliares úteis em curto prazo na insuficiência cardíaca de alto débito, enquanto o tratamento da etiologia subjacente está em curso. O tratamento em longo prazo pode ser associado tanto à reduzida perfusão dos órgãos vitais e taquicardia devido à ativação do receptor beta-adrenérgico (por exemplo, efedrina) e não é recomendado. Intervenção respiratória com alta pressão expiratória final pico ventilatório por edema pulmonar resistente também pode ser útil.

 

Bibliografia

Klein I, Ojamaa K. Thyroid hormone and the cardiovascular system. N Engl J Med 2001; 344:501.

 

Metha PA, Dubrey SW. High output heart-failure. Q J Med 2009; 102: 235-241.

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