Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 07/10/2015
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A doença de Churg Strauss é uma vasculite autoimune e de etiologia indeterminada, também denominada de granulomatose eosinofíliuca, angeíte lérgica granulomatosa e vasculite de Churg-Strauss. Inicialmente, foi descrita em 1951 por Churg e Strauss, na época sua determinação era realizada por três critérios clínicos que incluíam: presença de vasculite necrotizante, infiltração tecidual eosinofílica e presença de granulomas extravasculares. A etiologia da doença ainda não está esclarecida, mas parece haver um importante componente alérgico e imune, já que há forte relação de pacientes com eosinofilia persistente, sintomas asmatiformes e elevação de IgE. A doença é considerada sistêmica, sendo o órgão mais comumente acometido os pulmões, seguido pela pele e sistema nervoso, embora possa atingir qualquer sistema ou aparelho do organismo. Mialgias e Artralgias ocorrem entre 35 e 40% dos pacientes, o coração também pode ser atingido, e após o pulmão, é a segunda causa de morte nestes pacientes, manifestando-se com infarto agudo do miocárdio ou como pericardite que pode ser constritiva.
A real prevalência e incidência da doença são difíceis de determinar, pois muitos pacientes não são diagnosticados, uma das formas mais importantes de apresentação da doença é com sintomas asmatiformes, assim o paciente pode erroneamente ser diagnosticado como apresentado asma, em pacientes com asma de dífícil controle deve-se sempre aventar a possibilidade de doença de Churg-Strauss.
A doença de Churg-Strauss representa aproximadamente 10% dos casos das principais formas de vasculite não associadas com medicações, sendo bem menos frequente que a granulomatose de Wegener e a poliangeíte microscópica. A idade média no diagnóstico é de 40 anos, sendo raro o diagnóstico após os 65 anos de idade e em crianças. A doença se distribui em ambos os sexos sem predominância de um gênero em relação ao outro.
A fisiopatologia da doença permanece em sua maior parte desconhecida. Alterações da autoimunidade ocorrem sendo que anticorpos anticitoplasma de neutrófilos são presentes em 40-60% dos casos, em particular contra a mieloperoxidade, ou seja, Anca-p, não se sabe se os autoanticorpos têm um papel patogênico direto ou se são apenas marcadores da doença. Achados fisiopatológicos importantes incluem:
-Predominância de manifestações alérgicas como rinite alérgica, sintomas asmatiformes sugerindo uma resposta imune Th2;
-Presença de granulmatose pulmonar angiocêntrica, sugerindo papel de uma resposta imune Th1;
-Aumento na circulação de células CD4, CD 25 e linfócitos T são diminuídas em comparação com pacientes com asma sugerindo um papel regulatório de linfócitos T suprimindo estas células;
-Alteração da função eosinofílica provavelmente por aumento do recrutamento de eosinófilos por citocinas secretadas por células Th2;
-Imunidade humoral alterada evidenciada por hipergamaglobulinemia associada.
Algumas medicações foram relatadas como associadas com o aparecimento da doença de Churg-Strauss, notoriamente os antagonistas de leucotrienos utilizados para tratar asma, neste caso em particular é provável que o que ocorra é que com o uso destas medicações seja necessário retirar glicocorticoides que controlam a vasculite de Churg-Strauss e, desta forma, a mesma fica mais evidente, outra teoria é que o bloqueio dos receptores de leucotrienos podem aumentar células B circulantes e aumentar a chance do desenvolvimento de vasculite. Existem ainda relatos de associação com o uso de cocaína inalatória, que pode levar a lesões destrutivas em parênquima pulmonar que simulam a vasculite de |Churg-Strauss, também existem relatos de associação com Adalimumab, utilizada para tratar asma refratária, neste caso novamente a associação pode na verdade ser com a retirada de glicocorticoides.
A vasculite de CHurg-Strauss pode ocorrer em três fases, inicialmente uma fase prodrômica cursa com sintomas atípicos de rinite e asmatiformes. Posteriormente, os pacientes apresentam um quadro de eosinofilia periférica e infiltração de eosinófilos de órgãos-alvo como pulmões e trato gastrointestinal, e na terceira fase os pacientes apresentam sintomas mais graves de vasculite com granulomatose extravascular, sintomas constitucionais e eventualmente com manifestações que causam risco de vida.
O sintoma usual de apresentação é asma, que ocorre em 90-95% dos pacientes com infiltrados pulmonares aparecendo na abertura do quadro em cerca da metade dos pacientes. Os sintomas asmatiformes precedem os sintomas associados à vasculite por 8-10 anos na maioria das séries. As manifestações radiológicas são muito variáveis, ocorrendo de 27% a 93% dos pacientes. Infiltrados pulmonares antecedem vasculite sistêmica em 40% dos casos, infiltrados típicos de consolidação ocorrem em cerca de 65% dos casos, outros achados incluem infiltrados intersticiais, cavitações, adenopatia hilar, mas derrame pleural ocorre em menos de 10% dos casos, estes pacientes apresentam líquido eosinofílico.
Manifestações cutâneas também são descritas:
O diagnóstico se baseia em critérios clínicos revisados da Associação Americana de reumatologia e incluem:
1-Sintomas asmatiformes;
2-Eosinofilia em sangue periférico superior a 10%;
3-Mono ou polineuropatia;
4-Infiltrados pulmonares migratórios;
5-Alteração dos seios paranasais;
6-Biópsia com linfonodos extravasculares.
A presença de quatro ou mais critérios fecha o diagnóstico com sensibilidade de 85% e especificidade tendendo a 100%, a doença ainda apresenta um marcador sorológico que é positivo em 40-60% dos pacientes que é o ANCA, sendo o ANCA-p presente em 75% destes casos e o ANCA-c nos restantes.
Outro achado comum é rinite alérgica, também pode ocorrer sinusite recorrente e polipose nasal, que em uma série ocorreu em até 60% dos pacientes, outras séries relatam estes sintomas em cerca de 40% dos casos, outros sintomas incluem otite serosa e perda de audição, embora sintomas de vias aéreas superiores sejam mais comuns em outra síndrome vasculítica que é a Granulomatose de Wegener.
Manifestações cutâneas ocorrem em até 70% dos pacientes, sendo a lesão mais usual a presença de nódulos subcutâneos dolorosos embora púrpura palpável seja também descrita. Por sua vez, a manifestação neurológica mais comum é a mononeurite múltipla, embora hemorragia subaracnoide e acidentes vasculares cerebrais possam ocorrer (são raros).
O envolvimento cardiovascular é uma das manifestações mais graves da vasculite de Churg-Strauss, com 16% dos pacientes em uma série desenvolvendo miocardiopatia, e 15% dos pacientes desenvolvendo pericardite e arritmias eventualmente malignas podem ocorrer.
O risco de eventos tromboembólicos é maior nestes pacientes, o que é similar a outros pacientes com quadros de vasculite. Alterações renais ocorrem em cerca de 22% dos pacientes, portanto em frequência menor que na poliangeíte microscópica, as manifestações variam desde proteinúria e hematúria macroscópica sem outros sintomas até glomerulonefrite rapidamente progressiva e HAS ocorre em 10 a 305 dos pacientes.
Gastroenterite eosinofílica ocorre em cerca de 60% dos pacientes e manifestações incluem diarreia, dor abdominal, sangramento gastrointestinal e colite. Sintomas constitucionais, mialgias e artralgias ocorrem em cerca de 40% dos casos e linfadenopatia em 30% dos pacientes, principalmente em cadeias cervical e axilares.
Eosinofilia periférica usualmente entre 5000-9000 cels/mm3 é comum e valores de eosinófilos acima de 1500 cels/mm3 já são suspeitos, a eosinofilia é quase universal em pacientes com atividade da doença, mas respondem dramaticamente aos glicorticoides e podem por isto não serem detectadas. Aumento de provas inflamatórias como proteína C reativa é também frequente. O ANCA é positivo em 50 a 60% dos pacientes, a maioria deles ANCA-p ou ANCA dirigido à mieloperoxidase.
Outros achados comuns incluem:
-Anemia normocítica, normocrômica;
- Leucocitose;
-Aumento de IgE;
-Hipergamaglobulinemia;
-Infiltrados pulmonares transitórios (pode ocorrer em até 755 dos casos na evolução).
O tratamento depende da gravidade do paciente, um escore foi desenvolvido para esta avaliação e inclui os seguintes critérios:
-Envolvimento cardíaco;
-Doença gastrointestinal (sangramento, perfuração, isquemia mesentérica ou pancreatite);
-Creatinina maior que 1,5 mg/dl atribuível a doença;
-Proteinúria maior que 1 grama ao dia;
-Envolvimento do Sistema Nervoso Central.
A presença de dois ou mais fatores indicam doença potencialmente grave que deve ser tratada mais agressivamente.
Em geral se trata os sintomas asmatiformes como habitualmente se trata a asma. Caso o paciente apresente hipertensão arterial, o tratamento também segue as condutas habituais.
A medicação usual para tratamento são os corticoides como a prednisona em dose de 0,5 a 1,5 mg/Kg de peso, que se mantém por cerca de 2-6 meses, com a melhora dos sintomas é possível considerar diminuição da corticoterapia e associação com outras medicações. Em pacientes com dois ou mais critérios de gravidade usualmente se utiliza a associação com ciclofosfamida, em geral após realizar pulsoterapia com metilprednisolona de 1 grama por dia por dois dias, a ciclofosfamida (4-5 mg/Kg ao dia) é introduzida posteriormente. A taxa de remissão para tais pacientes é de 80%, com reatividade em torno de 25% e sobrevida em dez anos de 79,4%. Obtida a remissão inicial, mantém-se prednisona (1 mg/kg) por um mês, com redução paulatina, e ciclofosfamida (2 mg/kg) por um ano. Uma opção de manutenção mais segura é a azatioprina, que pode substituir a ciclofosfamida e é utilizada em doses de 50-200 mg ao dia.
Outras opções medicamentosas incluem uso do metotrexate e leflunamida, que podem ser utilizadas principalmente se a azatioprina não for eficaz. Ainda é descrito uso de gamaglobulina e micofenolato mofetil, embora com evidências e experiência com seu uso limitada.
A duração recomendada do tratamento imunossupressor, para pacientes que apresentavam escore de gravidade maior ou igual a 2 é de 12 a 18 meses, os glicorticoides são mantidos na menor dose associada com remissão dos sintomas. O rituximab, recentemente está sendo estudado para casos refratários, a medicação causa broncoespasmo e seu uso por este motivo deve considerar este evento adverso antes da introdução da medicação. Plasmaférese foi estudada, mas não apresentou benefício nesta situação.
1- Pagnoux C, Guilpain P, Guillevin L. Churg-Strauss syndrome. Curr Opin Rheumatol 2007; 19:25.
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