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Mialgia

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 04/01/2016

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A mialgia é uma queixa comum. Em algum momento da vida praticamente todas as pessoas apresentarão quadro de dor muscular, o que não significa que estão apresentando miosite ou miopatia e pode inclusive ser causada por patologias não relacionadas ao músculo como artroses ou tendinites. Esforço excessivo, trauma, infecções virais estão entre as causas mais comuns. Enquanto muitas causas são benignas e autolimitadas, a mialgia pode ser o prenúncio de distúrbios associados com morbidade significativa.

A primeira pergunta a ser respondida na avaliação de pacientes com mialgias é se esta é localizada ou generalizada. A mialgia localizada é uma queixa que leva a preocupação menor, e uma miopatia não vai ser uma consideração diagnóstica, nesse caso os principais diagnósticos diferenciais incluem:

 

-Exercício físico intenso ou uso excessivo de musculatura;

-Doenças de partes moles (como bursite, trauma ou infecção);

-Piomiosite;

-Síndrome dolorosa miofascial;

-Infarto múscular ou síndrome compartimental.

 

As mialgias difusas, por sua vez, implicam em outras possibilidades diagnósticas, em geral abrangendo  doenças de maior gravidade e incluem:

 

-Infecções sistêmicas, incluindo causas virais, bacterianas e por espiroquetas. Entre estes se destacam a dengue,  também chamada de "febre quebra ossos" devido às mialgias intensas e artralgias associadas e leptospirose que pode cursar com mialgias principalmente em região de pantorrilhas e cursar com aumento de enzimas musculares.

-Doenças reumáticas, especialmente a polimialgia reumática (PMR) e miopatias inflamatórias, como a polimiosite.

-Condições não inflamatórias: tais como a fibromialgia e a síndrome da fadiga crônica.

-Medicamentos: particularmente o uso de estatinas (com ou sem elevação da creatina quinase), a ciprofloxacina, os bisfosfonatos, inibidores da aromatase, ou descontinuação de tratamento com antidepressivos.

-Distúrbios metabólicos, como a miopatia mitocondrial, a deficiência de vitamina D e escorbuto.

-Doenças hepáticas e doenças endócrinas, tais como doenças da tireoide e insuficiência adrenal podem causar miopatia. Por outro lado, a miopatia induzida por glucocorticoides muitas vezes leva à fraqueza muscular sem quadro doloroso associado.

-Causas psiquiátricas, como acontece com manifestações somatoformes de depressão.

Avaliação diagnóstica

Uma revisão completa da história do paciente e um exame físico completo geralmente pode restringir a lista de potenciais causas de mialgia. No caso da mialgia persistente ou grave sem uma causa conhecida, exames complementares podem ser necessários para identificar ou excluir diagnósticos específicos. A queixa da mialgia é inespecífica e por muitas vezes não é possível realizar o diagnóstico na primeira consulta. De grande importância é descartar doenças graves. Condições causando mialgia podem causar sofrimento significativo, mas verdadeiras emergências médicas que apresentam mialgia são raras. Diagnóstico e tratamento imediato são necessários para infecções bacterianas, especialmente endocardite e sepse que podem apresentar com mialgia difusa, febre, calafrios, artralgia, fadiga e dorsalgia. A rabdomiólise pode apresentar-se com mialgias difusas, bem como insuficiência renal e /ou síndrome do compartimento, em casos graves.

Algumas características podem sugerir o diagnóstico, entre elas:

 

-Presença de sintomas associados: a presença de fraqueza muscular simétrica sugere o diagnóstico de miopatia, o uso de estatinas também pode causar fraqueza muscular simétrica.
-Forma de instalação da dor muscular: quadros de instalação súbita podem estar associados a trauma ou atividade física extenuante.

-Presença de febre e outros sintomas constitucionais: sugestivo de quadro infeccioso, ou se dor principalmente em região de cinturas escapular ou pélvica, com febre o diagnóstico de polimialgia reumática (PMR) deve ser considerado.

-Início subagudo: típico de mialgias induzidas por medicações, como as estatinas, ocorrendo semanas a meses após a introdução da medicação.

-Início insidioso com sintomas crônicos: ocorrem em infecções crônicas e endocrinopatias como hipotireoidismo e hipercalcemia por hiperparatireoidismo.

-Quadro doloroso crônico com fadiga e sem sintomas e achados sistêmicos: sugere o diagnóstico de fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, síndrome dolorosa miofascial e transtorno somatoforme.

-Quadro de mialgias piores no período matutino: sugestivo de doenças inflamatórias como a polimialgia reumática ou polimiosite.

-Associação da mialgia com dores em outras localizações pode estar associada à polimialgia reumática, os pacientes com artrite reumatoide podem cursar com mialgias associadas com artralgias.

-Mialgias difusas com febre, cefaleia, mal-estar e sintomas respiratórios podem estar associados à influenza.

-Presença de hiperemia, edema, hipersensibilidade, ou calor local, podem sugerir diagnósticos como piomiosite, infarto muscular e abscessos.

-Idade: pacientes com mais de 50 anos podem ter diagnóstico de polimialgia reumática, enquanto fibromialgia é mais comum em pacientes jovens.

-Associação com atividade física pode dar mialgias localizadas, mas eventualmente pode cursar com mialgias sistêmicas. A dor muscular recorrente após a atividade física ocorre em pacientes com deficiência parcial de distrofinas e em doenças metabólicas, como a deficiência de carnitina-palmitil-transfersa. A mais comum dessas condições é a deficiência de miofosforilase, na chamada síndrome de Mcardle, que é associada à miopatia severa e persistente.

-Quadro de depressão ou fadiga associado devem lembrar a possibilidade dos diagnósticos de fibromialgia e síndrome da fadiga fácil.

-Hiperpigmentação cutânea: pode sugerir o diagnóstico de insuficiência adrenal, que cursa com mialgias em cerca de 40-50% dos casos.

-Constipação e ganho de peso: podem ocorrer com hipotireoidismo.

-Paciente com mialgias e parestesias associadas: pacientes com quadros de vasculites podem apresentar neurites com quadro de parestesias e mialgias, exemplos da doença de takayasu, poliarteride nodosa e vasculite de Churg-Strauss.

-Lesões como helíotropo (lesão violácea nas pálpebras superiores) ou sinal de Gottron (Pápulas eritematosas em dorso das mãos na região de articulações interfalangianas proximais) sugerem o diagnóstico de polimiosite.

-Interrupção de antidepressivos: a interrupção de antidepressivos, como a venlaflaxina ou paroxetina, pode causar mialgia significativa. Os sintomas musculares que seguem a administração de um novo medicamento devem levar o clínico a considerar dor muscular induzida por drogas, tipicamente localizada.

-Limitação de movimentos: pode ocorrer na polimialgia reumática ou polimiosite.

-Reflexos neurológicos atrasados: costumam ocorrer em pacientes com hipotireoidismo.

Exames complementares

Em pacientes com sintomas leves, exames complementares são desnecessários e na maiorias das vezes os sintomas se resolvem espontaneamente sem necessidade de intervenções.

No entanto, para os sintomas mais significativos (por exemplo, dor ou fraqueza muscular), estudos de laboratório selecionados podem ser úteis, após uma anamnese detalhada e exame físico.

Como uma avaliação inicial, hemograma completo, exame de urina, e medidas da função renal e hepática são adequadas para a maioria dos pacientes com mialgia significativa. Dependendo dos sintomas específicos e dos resultados físicos, medidas de cálcio no soro, albumina, fosfato, TSH, CPK, e 25-hidroxivitamina D podem ser apropriados. Os seguintes testes podem também ser úteis em algumas situações clínicas:

 

-Hemoculturas e testes sorológicos para agentes infecciosos (como parvovirose e hepatite viral)

-PCR e VHS:podem identificar a presença de inflamação sistêmica, secundária a infeção e doença reumática sistêmica. Por outro lado, uma VHS e PCR normais são encontrados em pacientes com fibromialgia. Deve-se lembrar, entretanto que as provas inflamatórias são exames inespecíficos e resultados normais, ou pouco significativos, não descartam nem confirmam causas de mialgias.

-Auto-anticorpos, tais como anticorpos antinucleares (ANA) por suspeita de lúpus eritematoso sistêmico, anticorpos citoplasmáticos anti-neutrófilos (ANCA) para suspeita de vasculite associada ao ANCA, bem como fator reumatoide (FR) e Ac antipeptídeo citrulinado (anti-CCP) anticorpos para suspeita de artrite reumatoide, em pacientes com possibilidade desses diagnósticos diferenciais. Uso generalizado de auto-anticorpos para todos os pacientes com mialgia aumenta os custos sem melhorar o diagnóstico etiológico das mialgias.

-Avaliação da função adrenal com dosagem de cortisol, como cortisol sérico  da manhã ou teste da cortrosina são úteis para diagnosticar ou descartar a insuficiência adrenal, no contexto de pacientes com fadiga, hipotensão postural e outros sintomas significativos, além de alterações eletrolíticas, como hipercalemia e hiponatremia.

-Exames de Imagem:  as radiografias, ressonância magnética e outros exames de imagem não são rotineiramente necessários na avaliação de mialgia. A utilidade é limitada a uma avaliação da artrite erosiva (artrite reumatoide e outros), fratura, doença inflamatória do músculo, ou doença localizada muscular (piomiosite, infarto múscular).

-Eletroneuromiograma (EMG): pode mostrar o padrão miopático e sugerir o diagnóstico de uma miopatia, como a polimiosite ou miopatia mitocondrial, e pode verificar se há um processo neuropático associado.

-Enzimas musculares: na suspeita de miopatia e piomiosite.
-Biópsia muscular: em pacientes com quadro de suspeita de miopatias ou vasculite pode auxiliar o diagnóstico e confirmar o diagnóstico de polimiosite.

 

Diagnóstico diferencial

Incluem várias doenças, algumas das quais  comentaremos brevemente a seguir:

 

Leptospirose: doença infecciosa causada por bactéria do gênero leptospira. O período de incubação é de 3 a 28 dias (em media 4 a 7 dias) e o quadro clínico varia de infecção assintomática, passando por quadros leves com mialgias e febre até quadros graves com síndrome de Weil com icterícia, insuficiência renal aguda e hemorragia pulmonar, quadro decorrente de intensa vasculite. Os pacientes apresentam-se com febre e mialgia intensa, principalmente em panturrilhas, e podem ter manifestações hemorrágicas. Os exames laboratoriais são inespecíficos, mas aumento de CPK é comum. O diagnóstico é confirmado pela detecção de anticorpos IgM por ELISA, detectados a partir do sétimo dia da doença ou pelo isolamento da leptospira em meio de cultura.

Dengue: causada por um arbovírus, transmitida por mosquitos do gênero Aedes. Os pacientes cursam com quadro de mialgias, artralgias generalizadas e febre, manifestações hemorrágicas podem ocorrer assim como hemoconcentração. Nas suas formas mais graves, os pacientes podem cursar com choque, que usualmente é de curta duração, mas que pode evoluir para óbito se não realizada ressuscitação  precoce. Pode ocorrer aumento de enzimas musculares e hepáticas . O diagnóstico pode ser confirmado com sorologia colhida a partir do sexto  dia de evolução, ou precocemente pela pesquisa do antígeno NS-1.

Malária e Febre Amarela: diagnósticos que podem ser contemplados no contexto de antecedente epidemiológico de viagens para regiões endêmicas, ambas cursando com febre, icterícia e outras complicações. A malária pode ser diagnosticada com a pesquisa da gota espessa e a febre amarela por exames sorológicos.

Piomiosite Tropical: trata-se de uma infecção purulenta do músculo estriado, em geral com envolvimento bilateral de membros, mas pode cursar com doença unilateral. Inicialmente o quadro consiste apenas de mialgias, na evolução pode cursar com febre e hipersensibilidade com formação de abscesso. Enzimas musculares podem estar alteradas, mas usualmente são normais e o diagnóstico é confirmado por exames de imagem.

Rabdomiólise: causada por necrose de fibras musculares esqueléticas, com liberação de seu conteúdo, ocorrem principalmente no contexto de grandes traumas, mas pode ocorrer também em miopatias severas. Os pacientes costumam apresentar enzimas musculares dezenas de vezes acima do limite superior da normalidade e urina escura indicando mioglobinúria. Os pacientes podem evoluir com disfunção renal e hidratação vigorosa, importante para  impedir a progresso da injúria renal.

Síndrome da fadiga crônica: distúrbio caracterizado por fadiga debilitante e queixas físicas incluindo cefaleia, artralgias e mialgias, além de sintomas de depressão e ansiedade, sendo mais comum em mulheres jovens, os exames complementares não mostram alterações significativas e o diagnóstico é de exclusão.

Fibromialgia: caracterizada por difusa não inflamatória, com diversos pontos dolorosos à palpação muscular pré-definidos, outros sintomas incluem sono não reparador e fadiga. O diagnóstico é de exclusão e para isso, muitas vezes, exames complementares são necessários e usualmente normais.

Polimialgia reumática: cursa com quadro de dor difusa e mialgias, acometendo principalmente ombros, quadris e região cervical, associada à rigidez matinal superior a 60 minutos. Ocorre acima dos 50 anos, predominantemente em mulheres e o diagnóstico é clínico. O VHS e a PCR são caracteristicamente elevados, porém é um exame inespecífico. A polimialgia reumática pode estar associada à arterite de células gigantes, ou temporais; nesse caso, os pacientes apresentam cefaleia de início recente associada ou não à claudicação mandibular, diminuição de acuidade auditiva, astenia e febre em alguns casos.

Hipotiroidismo: sintomas musculares incluindo dor, cãibras e fraqueza muscular, muitas vezes acompanhados de aumento de CPK cujos valores podem chegar a mais de 3.000 u/L, os pacientes costumam apresentar bradicardia, constipação e outros sintomas. O diagnóstico pode ser confirmado com a dosagem de hormônios tireoidianos.

Hiperparatireoidismo primário: ocorre devido à hipersecreção do paratormônio independente dos níveis de co sintomas que podem ocorrer em 30 a 40% dos casostras alteraçcomplementares nzenas de vezes acima do limite superior da normaliálcio, pode ser assintomático e pode causar osteoporose, hipercalcemia e outras alterações. Mialgias e fraqueza muscular são sintomas que podem ocorrer em 30 a 40% dos casos e na maioria das vezes são leves, mas existe forma rara que cursa com miopatia incapacitante.

Miopatias inflamatórias: incluem  polimiosite, miosistes associadas  a neoplasias e miosite por corpúsculos de inclusão, nesses casos, mais importante que o quadro de mialgias costuma ser o quadro de fraqueza muscular que é simétrica e predominantemente proximal no caso dapolimiosite e distal na miosite por corpúsculos de inclusão. Alterações cutâneas, aumento de enzimas musculares, autoanticorpos, eletroneuromiografia com padrão miopático e biópsia muscular podem confirmar o diagnóstico.

Distrofias musculares: são afecções genéticas, que podem ocorrer desde a infância até a idade adulta, cuja principal manifestação é principalmente fraqueza muscular e não mialgia, podem cursar com enzimas musculares aumentadas e a biópsia e eletroneuromiografia pode auxiliar o diagnóstico.

Miopatias metabólicas: ocorrem por alterações enzimáticas que influenciam o metabolismo muscular, incluem a doença de McArdle, que é a deficiência da miofosforilase e deficiência de carnitina-palmitiltransferase ou alterações mitocondriais. O início dos sintomas em geral é na infância ou adolescência e podem ser descobertos pela  primeira vez após prática de atividade física. As enzimas musculares podem elevar-se e o diagnóstico é confirmado por biópsia muscular.

Miopatia por álcool: cursa com mialgias significativas e fraqueza muscular, mas o sintoma predominante é dor. As enzimas musculares podem ser elevadas, o uso de medicações e drogas também pode cursar com essas alterações. Durante o ataque agudo de miopatia por álcool pode ocorrer dor e eritmema em extremidades.

Síndromes miofasciais: caracterizada por dor muscular causada por pontos gatilhos miofasciais que consistem em bandas de contratura muscular observadas à palpação. Podem ser únicos ou múltiplos. Os pacientes apresentam dor regional, associada a movimentos ou mesmo ao repouso, com diminuição da amplitude de movimento do músculo envolvido. O diagnóstico é clínico.

 

Manejo

Não há diretrizes estabelecidas ou consenso entre os especialistas sobre a melhor forma de tratar mialgia. O tratamento depende fundamentalmente da etiologia do quadro de mialgias. Se houver suspeita de mialgia induzida por medicação, retirá-la  pode ser necessário, mas a melhora clínica pode levar semanas ou mesmo meses. Quadros de polimialgia reumática, por sua vez, podem ter resposta brilhante e rápida com o uso de corticoesteroide se esta melhora for um dos fatores que auxiliam o diagnóstico.

Quando a causa não é facilmente identificada, os pacientes devem ser cuidadosamente observados e tratados sintomaticamente. Na ausência de contraindicações específicas, o tratamento empírico de calor pode incluir repouso, acetaminofeno, drogas anti-inflamatórias não-esteroidais, e / ou relaxantes musculares.

 

Referências

Jacobson TA. Toward "pain-free" statin prescribing: clinical algorithm for diagnosis and management of myalgia. Mayo Clin Proc 2008; 83:687.

 

Medsger TA, Oddis CV. Inflammatory Muscle Disesase: clinical features. In: Rheumatology. 3.ed. s. l.: Mosby;  s. d.: 1537-54

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