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Zika virus

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 12/02/2016

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Em abril de 2007, um surto de doença caracterizada por erupção cutânea, artralgia e conjuntivite foi relatada na ilha de Yap na Micronésia. Amostras de soro de doentes em fase aguda da doença continham RNA do vírus Zika (ZIKV), um flavivírus da mesma família da febre amarela, dengue, febre do Nilo e vírus da encefalite japonesa. Esses resultados mostram que o vírus ZIKA se espalhou para fora de sua distribuição geográfica usual. Sessenta anos antes, em abril de 1947, um quadro de febre se desenvolveu em um macaco rhesus que havia sido colocado em uma gaiola em uma árvore na Floresta Zika de Uganda. No início de 1948, o vírus ZIKA também foi isolado de mosquitos Aedes africanus presos na mesma floresta. Estudos sorológicos indicaram que os seres humanos também podem ser infectados. Transmissão de ZIKV por mosquitos Aedes aegypti a ratinhos e um macaco em um laboratório foi relatado em 1956. O vírus ZIKA posteriormente foi isolado em seres humanos na Nigéria em 1968 e durante 1971-1975; em um estudo, 40% das pessoas testadas tinham anticorpos contra o ZIKV. Foram obtidas amostras isoladas humanas de crianças febris. Entre 1951-1981, evidência sorológica de infecção ZIKV em humanos foi relatada em outros países africanos, como  Uganda, Tanzânia, Egito, República Centro Africano, Sierra Leone, e do Gabão, e em partes da Ásia, incluindo a Índia, a Malásia, as Filipinas, a Tailândia, o Vietnã e a Indonésia. Em investigações suplementares, o vírus foi isolado a partir Aedes aegypti na Malásia, em um homem no Senegal, e mosquitos na Costa do Marfim. Em 1981, foram relatadas evidências sorológicas de infecção pelo ZIKV na Indonésia. Um estudo sorológico subsequente indicou que 13% dos voluntários humanos em Lombok, Indonésia, tinham anticorpos contra ZIKV. O surto em Yap Island em 2007 mostra que ZIKV doença foi detectada fora da África e da Ásia.

Em abril de 2015 o vírus foi identificado no Brasil por investigadores do laboratório da Universidade Federal da Bahia e pelo menos 18 estados no Brasil já apresentaram casos identificados de infecção pelo ZIKV. Como cerca de 80% dos casos da infecção pelo vírus cursam sem sintomas é extremamente difícil estimar a quantidade de casos da doença que ocorreram no país, mas se estima que em 2015 ocorreram  entre 500 mil a 1,5 milhão de casos de infecção pelo vírus considerando apenas os estados com circulação autóctone do vírus.

 

Transmissão

ZIKV foi isolado a partir de espécimes de Aedes africanus, Aedes apicoargenteus, Aedes luteocephalus, Aedes aegypti, Aedes vitattus. O Aedes hensilii foi a espécie de mosquito predominante em Yap durante o surto de ZIKV em 2007, mas os investigadores foram incapazes de detectar ZIKV em quaisquer mosquitos na ilha durante o surto. O modo mais importante de transmissão identificado em nosso país é pela picada pelo mosquito Aedes aegypti, o Aedes abopyctus também pode transmitir a infecção pelo vírus. O vírus também foi identificado na urina, no sangue, no semen e no leite materno, assim essas são vias possíveis da transmissão da infecção, embora o vírus só tenha sido identificado uma vez no semen e não se sabe se é possível a transmissão sexual do vírus. Os estudos demonstraram que o período de incubação é de cerca de dez dias.

 

Patogênese

ZIKV é um RNA vírus intimamente relacionado com o vírus Spondweni; os dois vírus são os únicos membros da sua classe dentro do cluster transmitidos por mosquitos de flavivírus. Informações sobre a patogênese do ZIKV são escassas, mas os flavivírus transmitidos por mosquitos replicam inicialmente em células dendríticas perto do local da inoculação, depois se espalham para os gânglios linfáticos e na corrente sanguínea. Embora a replicação viral ocorra no citoplasma celular, um estudo sugeriu que os antigênos ZIKV podem ser encontrados no núcleo das células infectadas. Até à data, o ZIKV tem sido detectado em sangue humano tão precocemente como o dia de início da doença; e o ácido nucleico viral foi detectado tão tardiamente  11 dias após o início. O vírus foi isolado a partir do soro de um macaco nove dias após a inoculação experimental.

 

Manifestações clínicas

O primeiro relato bem documentado da doença ZIKV humano foi em 1964, quando Simpson descreveu sua própria doença de aquisição ocupacional por ZIKV adquirida aos 28 anos. O quadro se iniciou com uma leve cefaleia. No dia seguinte, uma erupção cutânea maculopapular apareceu envolvendo o rosto, pescoço, tronco e braços, e se espalhou para as palmas das mãos e plantas dos pés. Febre transitória, mal-estar e dores nas costas desenvolveram. Na noite do segundo dia da doença era afebril, a erupção estava desaparecendo, e já havia melhora clínica. No terceiro dia,  os sintomas remitiram e se mantinha apenas a erupção, que desapareceu durante os próximos dois dias. O ZIKV foi isolado do soro colhido, enquanto ele estava febril.

Dos sete casos humanos de doença por ZIKV na Indonésia descritos por Olson et al. todos tiveram febre, mas eles foram detectados pela vigilância hospitalar por doença febril. Outras manifestações incluíram anorexia, diarreia, constipação, dor abdominal e tonturas. Um paciente teve conjuntivite, mas nenhum teve erupção cutânea. O surto na Ilha Yap foi caracterizada por prurido. Outras manifestações menos frequentes incluíram mialgia, cefaleia, dor retro-orbitária, edema e vômitos.

Em nosso país, a doença é caracterizada por febre baixa (até 38,5 graus) com duração de 1 a 2 dias, acompanhada de exantemas a partir do segundo dia, mialgias e artralgias de intensidade leve a moderada, podendo ocorrer edema articular e conjuntivite não purulenta que ocorre entre 50 a 90% dos casos. Podem ocorrer adenomegalias, mas discrasias sanguíneas e hemorragias não ocorrem ao contrário da dengue e da febre amarela. A doença costuma ser bem menos intensa do que a dengue e a chikungunya e mais de 80% dos casos são assintomáticos.

Envolvimento neurológico é bem mais frequente do que encontrado em pacientes com dengue ou chikungunya, sendo descritos de casos com síndrome de Guilain-Barré e meningiencefalites que podem ocorrer entre 4 e 20 dias após o início dos sintomas.

De grande importância epidemiológica foi a verificação, em nosso país, da associação da infecção pelo ZIKV em gestantes com o aparecimento de microcefalia, o risco de seu aparecimento é maior quando a infecção ocorre no período embrionário que ocorre entre 3 e 8 semanas de gestação, a quantificação do risco de microcefalia e infecção pelo ZIKV ainda não é bem determinada, mas a relação parece bem clara. A microcefalia é uma má-formação congênita de etiologia multi-fatorial e complexa definida por um perímetro cefálico diminuído (< 31-33 cm) e suas complicações incluem paralisia cerebral, epilepsia, alterações respiratórias e de desenvolvimento neurológica que são variáveis a cada paciente dependente de que funções cerebrais forem comprometidas. Todos os casos supeitos devem ser notificados e encaminhados para seguimento.

 

Diagnóstico

As manifestações da infecção pelo ZIKV são variáveis e podem afetar diferentes órgãos. Alterações encontradas incluem leucopenia e trombocitopenia usualmente leves, aumento de enzimas hepáticas e LDH e aumento de marcadores inflamatórios. Os seguintes exames são recomendados para avaliação de pacientes com ZIKV:

 

-Hemograma;

-AST/TGO e ALT/TGP;

-Bilirrubinas direta/indireta;

-Ureia e creatinina;

-LDH e marcadores inflamatórios.

 

Outros exames têm indicação controversa e incluem  ecocardiograma e avaliação oftalmológica com exame de fundo de olho. Dependendo das manifestações que o paciente apresentar, imagem de abdômen, como ultrassonografia pode ajudar no diagnóstico. Em pacientes com manifestações neurológicas é recomendada a realização de tomografia de crânio sem contraste e se necessário punção e análise de liquor.

Os testes diagnósticos específicos para a infecção pelo ZIKV incluem testes de polimerase via transcriptase reversa RT-PCR em amostras de soro na fase aguda, que detectam o RNA viral e outros testes para a detecção de anticorpos específicos contra ZIKV no soro e são considerados os exames recomendados para o diagnóstico no país.

Um ensaio ELISA foi desenvolvido no laboratório do CDC para detectar IgM para ZIKV. Nas amostras de Yap Island, resultados de reação cruzada em soros de pacientes da fase de convalescença ocorreram com maior frequência entre os pacientes com evidência de infecções dos flavivirus anteriores do que entre aqueles com infecções primárias. Reatividade cruzada foi mais frequentemente observada com o vírus da dengue do que com a febre amarela, encefalite japonesa, encefalite de Murray Valley, ou o vírus do Nilo Ocidental, mas havia muito poucas amostras testadas para derivar estimativas robustas da sensibilidade e especificidade do teste ELISA. O Ac IgM foi detectável logo em três dias após o início da doença em algumas pessoas; uma pessoa com evidência de infecção flavivirus anterior não tenha desenvolvido IgM no dia 5, mas no dia 8. Anticorpo neutralizante ao ZIKV desenvolve-se tão precocemente quanto cinco dias após o início da doença. O ensaio de neutralização por redução de placas em geral melhorou especificidade sobre imunoensaios, mas ainda pode produzir resultados de reação cruzada em infecções secundárias flavivírus. A técnica de PCR pode ser realizada em amostras obtidas a menos de dez dias após o início da doença e possivelmente por períodos maiores,  um paciente da ilha Yap ainda tinha RNA viral detectável no dia 11 após o início dos sintomas. Em geral, os testes de diagnóstico de infecções flavivírus devem incluir uma amostra de soro de fase aguda colhida tão precocemente quanto possível após o início da doença e uma segunda amostra colhida de 2 a 3 semanas após a primeira.

 

Tratamento

O tratamento é meramente de suporte sendo indicado para os pacientes sintomáticos o uso de dipirona ou paracetamol para controle da dor ou febre. No caso de erupções pruriginosas o uso de anti-histamínicos pode ser de benefício, não se recomenda o uso de aspirina e outros anti-inflamatórios não esteroidais. As potenciais complicações da infecção pelo vírus devem ser tratadas conforme a necessidade, não existe tratamento específico para infecção pelo ZIKV.

Em relação à microcefalia também não existe tratamento específico e medidas de suporte e tratamento de complicações é a abordagem recomendada, encaminhamento para seguimento especializado e reabilitação deve ser realizado.

 

Implicações na saúde pública

Como o vírus se espalhou para fora África e Ásia, ZIKV deve ser considerado um patógeno emergente. Felizmente, a doença por ZIKV tem sido considerada leve e autolimitada até o momento, mas antes o vírus do Nilo Ocidental causou grandes surtos de doenças neuroinvasiva na Romênia e na América do Norte, também foi considerado um patógeno relativamente inócuo. A descoberta de ZIKV em outros países demonstra o potencial da globalização e viagens ou comércio para espalhar o vírus por grandes distâncias. Um voluntário médico que estava na ilha de Yap durante o surto da doença ZIKV ficou doente e era provável virêmico com ZIKV após seu retorno aos Estados Unidos. A competência de mosquitos nas Américas para transmitir ZIKV não é conhecida e essa questão deverá ser abordada, mas no Brasil o aedes aegypti se mostrou um agente de transmissão extremamente eficaz. A doença por ZIKV pode ser facilmente confundida com dengue e pode contribuir para a doença durante surtos de dengue. O reconhecimento da propagação do ZIKV e do impacto da ZIKV na saúde humana exigirá a colaboração entre médicos, funcionários da saúde pública, e laboratórios de referência de alta qualidade.

Dado que a epidemiologia da transmissão ZIKV em Yap Ilha pareceu ser semelhante ao da dengue, as estratégias de prevenção e controle da doença ZIKV deveriam incluir a promoção do uso de repelente de insetos e intervenções para reduzir a abundância de potenciais vetores do mosquito. Funcionários responsáveis pela vigilância da saúde pública na região do Pacífico e os Estados Unidos devem estar alertas para a potencial propagação de ZIKV e ter em mente a possível confusão diagnóstica entre doença pelo ZIKV e dengue.

Com o aparecimento de complicações potenciais, como síndromes neurológicas e particularmente em gestantes, o aparecimento de recém-nascidos com microcefalia aumentam a importância de combater a disseminação do vírus que basicamente se consegue com o combate ao seu vetor.

 

Referências

1-Ministério da Saúde: Plano Nacional de enfrentamento a Microcefalia. Protocolo de vigilância e resposta a ocorrência de microcefalia relacionada a infecção pelo vírus ZIKA 2015.

 

2- Cao-Lormenau VM et al . Zika vírus, French polynesia, South Pacific 2013. Emerg Infect Disea 2014; 20(6): 1085-1086.

 

3-Hayes EB. Zika vírus outside Africa. Emerg Infect Diseases 2009; 15 (9): 1347-1350.

Comentários

Por: Eliude Rosa da Costa Manso em 20/02/2016 às 10:00:55

"Tive um caso em outubro/15, mulher, 32 anos. Rush cutaneo, febre baixa, hemograma com acentuada plaquetopenia e linfopenia. HD inicial de sindrome viral aguda (HIV, dengue, EBV, etc). Paciente evoluiu bem, sem complicações, apesar de necessidade de repor plaquetas, em 5 dias estava OK. Sorologias negativas na fase aguda e depois de 2 meses. Tenho forte suspeita de ter sido Zika. Na época não pensei (não sabia). Paciente negou viagens recentes. Estamos no sul de Minas. Bom, só pra comentar que plaquetopenia pode acontecer em alguns casos (embora eu não tenha confirmado neste caso)."

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