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Síndrome de Cogan

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 29/05/2017

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Síndrome de Cogan

 

A Síndrome de Cogan (SC) é uma doença sistêmica autoimune rara, que se caracteriza pela combinação de doença ocular inflamatória e disfunção vestibular, podendo apresentar variadas manifestações clínicas. A tríade sintomática da síndrome se caracteriza por perda auditiva, ceratite e aortite.

Morgan e Baumgartner descreveram a síndrome pela primeira vez em 1934, em um relato de caso de um paciente com ceratite intersticial e doença de Ménière. No entanto, a doença recebeu o nome de “Síndrome de Cogan” em homenagem a David G. Cogan, um oftalmologista que descreveu quatro casos de ceratite intersticial não sifilítica e síndromes vestibulares.

 

Epidemiologia

 

Pouco se sabe sobre a prevalência e a incidência da SC. Existem, aproximadamente, 250 casos descritos na literatura. O início da doença ocorre, em geral, entre 20-30 anos de idade; entretanto, foram relatados alguns casos em crianças e pacientes mais velhos (>50 anos). Homens e mulheres são igualmente afetados, e não há predileção racial ou étnica. Em um estudo, a SC foi predominante na população de indivíduos com doença inflamatória intestinal em 33 casos.

 

Patogênese

 

A patogênese da SC é desconhecida. As amostras histopatológicas mostram infiltrado linfocítico inespecífico e infiltração de células plasmáticas. Não existe descrição em tecidos de olhos ou ouvidos. No entanto, a maioria dos espécimes descritos na literatura foi examinada post mortem, sendo de pacientes tratados com agentes imunossupressores, talvez mascarando uma doença verdadeira.

Nos casos de vasculite sistêmica, a histologia da parede do vaso mostra inflamação. Um caso agudo teria mostrado um infiltrado mononuclear denso, com múltiplos microabscessos. Não aparecem, na histologia, células gigantes ou inflamação granulomatosa. Há cada vez mais evidências para apoiar o papel da autoimunidade na SC.

Os autoanticorpos dirigidos contra antígenos encontrados no ouvido interno foram identificados no soro de pacientes com a síndrome. Lunardi e colaboradores relataram anticorpos contra o peptídeo de Cogan, encontrados no soro de 8 pacientes com SC. Esse peptídeo partilha uma sequência homóloga expressa na célula endotelial e em células do ouvido interno.

Os anticorpos anti-HSP70 foram relatados em pacientes com perda auditiva neurossensorial autoimune. Em um estudo de pacientes com SC, 92% tinham anticorpo anti-HSP70 em comparação com apenas 5% dos controles. Um papel definitivo para esses anticorpos foi provado, e mais pesquisas são necessárias para examinar o seu papel patogênico.

Outros autoanticorpos, como anticorpos antinucleares e fator reumatoide, não foram encontrados com SC. Embora existam diversos relatos de casos de anticorpos positivos para citoplasma de neutrófilo (Anca) associados com SC, em séries maiores, os Ancas foram encontrados em uma pequena porcentagem de indivíduos com a doença.

 

Quadro clínico

 

A SC é uma doença sistêmica, com apresentação heterogênea. A apresentação clássica, conforme o critério original de Cogan, é uma tríade de ceratite não sifilítica, sintomas vestíbulo-auditivos e um intervalo entre os sintomas oftalmológicos e auditivos de menos de 2 anos. A expressão atípica da SC ocorre em pacientes com uma variação dessas características. Essa modalidade pode incluir outras manifestações oculares além da ceratite intersticial, como manifestações inflamatórias oculares ou de um intervalo mais longo entre os sintomas oculares e otológicos.

Sintomas oculares e sintomas audiovestibulares têm, normalmente, um rápido início e podem ocorrer de forma simultânea ou em outros órgãos. Cerca de 10-15% dos pacientes têm vasculite, que raramente é a apresentação inicial. A ceratite intersticial, que resulta em inflamação da córnea, é a doença ocular mais comum. Os sintomas incluem fotofobia, dor, hiperemia ocular, lacrimejamento e visão turva.

A doença do ouvido interno na SC é parte de um grupo de doenças do ouvido interno mediadas por autoimunidade, também conhecidas como doenças autoimunes da orelha interna. A surdez ocorre em 30-50% de pacientes. Doença a longo prazo e episódios repetidos podem também resultar na sequela coclear.

O Quadro 1 apresenta as manifestações da SC.

 

Quadro 1

MANIFESTAÇÕES DA Síndrome de Cogan

Oculares

Audiovestibulares

Vasculares

Sintomas sistêmicos

ceratite

episclerite

esclerite

coroidite

uveíte

vasculite retiniana

perda auditiva de início súbito (geralmente, unilateral)

vertigem

tontura

zumbido

náuseas

vômitos

ataxia

oscilopsia (ilusão de campo visual instável)

hidropsia (edema de cóclea)

 

aortite

aneurismas arteriais da aorta e grandes vasos

arterite coronariana

vasculite mesentérica ou trombose

glomerulonefrite

 

febre

sudorese noturna

fadiga

perda de peso

linfadenopatia

artralgia e mialgia

 

 

Os sintomas sistêmicos afetam cerca de 50% dos pacientes. Normalmente, a vasculite ocorre em grandes vasos, na forma de aortite; no entanto, o envolvimento de vasos de médio e pequeno calibres também foi descrito. Todos os segmentos da aorta e seus ramos são suscetíveis. Essa condição pode apresentar-se como regurgitação aórtica, dilatação da raiz ou aneurisma. Também pode ser em um padrão típico de arterite de Takayasu, com trombose dos ramos da aorta e claudicação de extremidades superiores.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico da SC é clínico. Não existem exames laboratoriais ou de imagem confirmatórios. Fazer o reconhecimento dessa síndrome é um desafio. O atraso no diagnóstico pode levar a resultados devastadores. Deve-se considerar o diagnóstico em todos os pacientes que se apresentam com sintomas inflamatórios em ambos os olhos e ouvidos.

O exame com lâmpada de fenda, no início da doença, mostra infiltrados corneanos e aumento da vascularização. Raramente, em fases posteriores, há células na câmara anterior, precipitados ceratíticos ou cicatrizes corneanas. A audiometria também é inespecífica, mostrando alterações em frequências altas e baixas, muitas vezes poupando as médias.

O teste calórico pode ser realizado por otorrinolaringologista para testar a disfunção vestibular. Na maioria dos casos, os estudos radiográficos do cérebro e do ouvido são normais. A ressonância nuclear magnética (RNM) do cérebro, na avaliação de pacientes com sintomas vestibulares, é importante para excluir a possibilidade de tumor ou acidente vascular cerebral (AVC).

Há casos de pacientes com SC com realce inespecífico de estruturas labirínticas em T1 na RNM. Estudos de tomografia (TC) de emissão de pósitrons mostraram resultados encorajadores. Os testes laboratoriais – os quais são úteis para excluir outras causas – podem evidenciar sinais de inflamação crônica como anemia, leucocitose, trombocitose, aumento dos marcadores inflamatórios, como velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa (PCR). O rastreamento de vasculites em pacientes com acometimento de olhos e ouvidos é razoável, mas não há dados que sustentem essa prática.

 

Manejo

 

O manejo depende da extensão da SC e do envolvimento de órgãos. A ceratite e outras doenças oculares inflamatórias isoladas de câmaras anteriores são altamente responsivas aos glicocorticoides (GC) tópicos combinados com agentes midriáticos. Doença refratária, doença inflamatória ocular de câmaras posteriores, patologia do ouvido interno e vasculite são indicações para o tratamento com terapia imunossupressora sistêmica.

Não há estudos controlados dos tratamentos dos indivíduos com SC. O início rápido de doses elevadas de glicocorticoides tem sido amplamente aceito como o tratamento padrão. Recomenda-se o uso de prednisona, 1mg/kg/dia, até a melhora da acuidade auditiva, que ocorre tipicamente com 2 semanas e, em seguida, os glicocorticoides com dose reduzida ao longo de 3-6 meses.

Apesar da boa resposta inicial, as recidivas podem levar à perda permanente da audição. Foram realizados diversos estudos abertos e retrospectivos, os quais sugeriram benefícios de metotrexato (MTX) como terapia de manutenção em pacientes com resposta a doses elevadas de corticosteroides.

De acordo com estudo de Matteson e colaboradores, 11 de 17 (65%) pacientes tratados com MTX tiveram benefício. No entanto, a eficácia do MTX é questionável. Um estudo mais aprofundado, randomizado e controlado (RCT) de 65 pacientes que haviam respondido à prednisona não mostrou maior preservação da audição com MTX. Outras terapias poupadores de corticosteroides, incluindo ciclofosfamida, azatioprina (AZA), leflunomida e tacrolimus, foram relatadas em casos isolados e podem ser consideradas, ainda que a sua eficácia seja incerta.

O rituximabe foi eficaz na melhora da audição e dos sintomas vestibulares. O uso de implantes cocleares tem se mostrado benéfico em pacientes com perda auditiva em estágio final de SC. Não há estudos para orientar o tratamento da vasculite da SC. O tratamento inicial é com doses elevadas de glicocorticoides (tipicamente, prednisona, 1mg/kg/dia) durante 4 semanas, com diminuição da dose ao longo de 4-6 meses.

Em situações de risco de vida ou insuficiência de órgãos, o uso de metilprednisolona, 1g durante 3 dias, bem como a utilização concomitante de ciclofosfamida podem ser considerados. Como foi mostrado na arterite de Takayasu, MTX ou AZA podem ser escolhas apropriadas.

O tocilizumab demonstrou-se eficaz em paciente do sexo masculino com aortite que não era responsiva a várias outras medicações; a terapia imunossupressora pode ser necessária em caso de isquemia aguda ou crônica. Esse tratamento, no entanto, deve ser reservado para lesões cicatrizadas e iniciado apenas quando a atividade da doença é controlada.

 

 

Referências

 

1-1-Singer O. Cogan and Behcet Syndromes. Rheuma Diseases North America 41 (2015): 75-91.

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