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citomegalovírus

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 01/09/2017

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 O citomegalovírus (CMV) é um membro da família. A maioria dos casos de doença clínica causada por esse vírus resulta da reativação do vírus latente em pacientes com deficiência imunológica, embora a infecção primária, nesses casos, também possa ser devastadora.

 

Microbiologia

 

Os herpes-vírus são divididos em três grupos: a, ß e ?. O CMV pertence ao grupo dos ß-herpes-vírus. A doença tem um genoma de DNA linear, de cadeia dupla, com cerca de 250 mil pares de bases que codificam cerca de 160 proteínas. No exame microscópico, a marca da infecção por CMV é uma célula grande (citomegálica) de 25 a 35µm, contendo um grande corpúsculo de inclusão intranuclear basofílico central, referido por alguns autores como um olho de coruja.

O vírus pode entrar nas células por um processo de endocitose ou por fusão nas membranas celulares. O mecanismo pelo qual o vírus se mantém em latência é pouco compreendido e aparentemente dependente de proteínas RNA virais, mas a reativação está associada a fatores como trauma, radiação, hipertermia e hipóxia.

 

Epidemiologia

 

Múltiplos mecanismos explicam a propagação do CMV, incluindo a transmissão vertical (no útero, durante o parto vaginal e pelo leite materno) e horizontal (saliva, genital, urina). Cerca de 40 a 70% dos adultos têm, durante a vida, infecção pelo CMV, embora, em países desenvolvidos, a prevalência seja menor. Nos subdesenvolvidos, até 90% das pessoas podem ser soropositivas aos 2 anos de idade. Condições de vida precárias e locais superlotados permitem a propagação do vírus através do contato próximo com secreções corporais.

Um estudo recente mostrou que o CMV era viável em metal e madeira por até 1 hora, vidro e plástico até 3 horas, e borracha, pano e alimentos em até 6 horas. Dois mecanismos adicionais de transmissão são a transfusão de sangue e o transplante de órgãos. A reinfecção com uma variedade diferente de CMV pode ocorrer em pacientes imunocomprometidos e gestantes.

 

Fisiopatologia

 

Em indivíduos imunocompetentes, o CMV raramente causa doença clinicamente evidente. Quando os mecanismos imunes são deficientes, sobretudo os mediados pelos linfócitos CD4+ e CD8+, o vírus latente se reproduz e causa efeitos diretos e indiretos.

Exemplos de doenças diretas viralmente mediadas são a retinite e a esofagite necrosante pelo CMV. Em contraste, a pneumonia do CMV é, com frequência, manifestada como alterações histológicas discretas acompanhadas de replicação viral limitada, sugerindo, assim, que a lesão mediada por imunidade pode ser o principal mecanismo patológico.

A lesão tecidual imune pode também ser causada por linfócitos T citotóxicos CD8+ dirigidos contra células alvo infectadas com CMV. As manifestações clínicas da infecção por CMV, incluindo meningencefalite, retinite, enterite, vasculite, pneumonite, miocardite, linfadenite, hepatite, adrenalite e pancreatite, refletem a gama de células que o CMV é capaz de infectar.

A resposta imunológica à infecção por CMV envolve tanto a imunidade humoral quanto a celular, mas a resposta das células T citotóxicas CD8+ parece ser a mais significativa. As glicoproteínas de envelope de CMV que participam na entrada viral são gB, gH/gL e gCII. A imunidade humoral dirigida à gB foi detectada na fase de convalescença, ajudando a bloquear a entrada viral celular.

A presença de infecção latente pelo CMV e a persistência do genoma viral em células hospedeiras sem evidência de replicação viral produtiva são fatores para ocorrência de infecção em imunocomprometidos. Acredita-se que os monócitos e as células progenitoras da medula óssea sejam locais preferenciais de latência do CMV em humanos.

A reativação do estado latente tem sido classicamente associada à imunossupressão. A exposição a um meio rico de citoquinas e fatores de crescimento resultam na ativação de vias de transdução de sinal, na geração de níveis aumentados de fatores de transcrição intracelulares e na produção de vírus viáveis.

 

Manifestações Clínicas

 

A infecção congênita pelo CMV ocorre em 0,2 a 0,7% dos recém-nascidos, com menos de 10% apresentando doença clínica com manifestações como microcefalia, calcificação oral, hepatoesplenomegalia e erupção cutânea. Cerca de 90% dos recém-nascidos clinicamente infectados sobrevivem, mas metade dos sobreviventes terá perda auditiva unilateral ou bilateral, retardo mental ou ambos.

A grande maioria das infecções pelo CMV que ocorrem em pacientes imunocompetentes é assintomática. A infecção primária em adultos imunocompetentes é uma síndrome mono-like, ou seja, uma doença clínica semelhante à mononucleose infecciosa com febre, linfadenopatia e linfocitose relativa, mas com faringite e linfadenopatia mínimas em comparação com a infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV).

A infecção pelo CMV representa 21% dos casos de síndrome clínica de mononucleose com a infecção pelo EBV representando 79% dos casos. A esplenomegalia também é menos frequente em pacientes com infecção pelo CMV em comparação com a infecção pelo EBV, mas a febre é mais frequente nos casos de infecção pelo CMV, manifestando-se, em um estudo, em praticamente todos os pacientes.

A linfocitose atípica desenvolve-se, nesses doentes, de forma semelhante à infecção pelo EBV, mas com um resultado negativo no teste de anticorpos heterófilos. A reativação do CMV é comum (33%) em pacientes imunocompetentes críticos nos quais estão associadas a hospitalização prolongada e a mortalidade, mas ainda não está claro se causa esses efeitos.

Quando um paciente soronegativo para CMV recebe um transplante de órgão sólido de um doador soropositivo para CMV, as doenças resultantes incluem a síndrome do CMV, caracterizada por febre, neutropenia, linfocitose atípica e hepatomegalia. A doença por CMV também pode desenvolver-se no órgão transplantado. Por exemplo, a hepatite por CMV em receptores de transplante hepático está associada a febre, hiperbilirrubinemia e enzimas hepáticas elevadas.

A insuficiência hepática pode ocorrer, sendo necessário um novo transplante. Os receptores soropositivos para CMV de um transplante de órgão sólido podem desenvolver doença por CMV, quer pela reativação de infecção latente, quer pela transmissão de CMV a partir de um doador soropositivo. A doença em receptores soropositivos para CMV é menos grave do que a resultante de infecção primária. A infecção por CMV ocorre mais comumente em receptores de transplantes de pulmão ou fígado do que em receptores de transplantes renal.

A pneumonia por CMV pode ocorrer por transplante de órgão sólido, mas é mais comum um transplante de células-tronco. Febre, tosse não produtiva e dispneia podem progredir rapidamente. O diagnóstico é sugerido por intersticial reticular ou nodular, e não por densidades alveolares em radiografias de tórax. Alguns pacientes imunocompetentes podem ter, no curso de uma infecção por CMV com síndrome mono-like, uma pneumonia intersticial por CMV normalmente autolimitada e de resolução espontânea.

A colite é uma manifestação comum em receptores de transplante, com quadro de diarreia aquosa e perda de peso com febre na maioria dos casos. Caracteriza-se por hemorragias submucosas e ulcerações, que podem, em alguns casos, cursar com diarreia sanguinolenta. A colite por CMV é semelhante à observada em receptores de transplante, mas a esofagite também é comum e caracterizada por ulceração distal, que pode ser única, mas extensa.

A infecção em pacientes com síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids) na era anterior à terapia antirretroviral cursava com retinite por CMV em, aproximadamente, um terço dos pacientes, sendo a maioria dos casos com contagens de CD4 abaixo de 50mm3. O quadro apresenta-se com alterações unilaterais com borrão visual, acuidade visual diminuída e perda de campos visuais, progredindo para cegueira se não for tratada. O exame retiniano é anormal, e a detecção de hemorragias e exsudatos aparentes é o melhor teste de diagnóstico.

A doença neurológica do CMV ocorre em múltiplas formas, incluindo a encefalite e a síndrome de polirradiculopatia/mielite. A mais frequente manifestação é uma polirradiculoneurite similar à síndrome de Guillain-Barré, com fraqueza ascendente progressiva, inicialmente com perda de reflexos profundos de tendões e controle esfincteriano. Inicialmente, os pacientes podem apresentar dor lombar com irradiação radicular ou perianal.

Com a eficácia da terapia antirretroviral combinada, a incidência dessas complicações da infecção pelo CMV diminuiu drasticamente, mas elas ainda são observadas antes do tratamento para o vírus da imunodeficiência adquiria (HIV) ou quando esse tratamento é interrompido ou ineficiente.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico do CMV depende do crescimento do vírus em urina ou outros fluidos ou do achado de componentes do vírus como antígenos ou DNA viral. O diagnóstico precisa da confirmação laboratorial, e não pode ser realizado apenas a partir dos dados clínicos.

A pesquisa do DNA viral pela reação em cadeia da polimerase (PCR) é mais sensível do que a cultura viral, sendo o melhor ensaio para a detecção precoce do CMV. O ensaio pode quantificar a viremia do CMV e, assim, ajudar a determinar o seu significado clínico e a monitorizar a terapêutica. Os anticorpos monoclonais podem também ser utilizados para quantificar a viremia através da contagem de células positivas para o antígeno do CMV diretamente nos leucócitos do sangue periférico (antigenemia).

A soroconversão é um excelente marcador para a infecção primária por CMV, mas o aumento nos títulos de imunoglobulina G (IgG), mesmo de quatro vezes ou mais, não é diagnóstico de infecção recém-adquirida. Os anticorpos IgM CMV-específicos desenvolvem-se durante a infecção primária, mas podem reaparecer durante a reativação da infecção pelo CMV latente.

A presença de anticorpos IgG é um marcador sensível de infecção prévia, sendo usada para selecionar receptores de transplante e doadores, bem como certos receptores de sangue e doadores. Um ensaio de avidez pode ajudar a determinar se uma infecção é recente, que avalia o grau de maturação, uma avidez aumentada indica infecção pregressa e avidez baixa de IgG indica infecção primária.

A cultura viral era o “padrão-ouro” anteriormente para diagnosticar a infecção pelo CMV, mas tem apresentado desempenho inferior aos exames citados previamente. A cultura de rotina pode exigir, pelo menos, 4 a 6 semanas, enquanto que os métodos mais recentes podem produzir resultados em alguns dias. O significado clínico das culturas positivas de CMV pode ser difícil de verificar, sobretudo em pacientes imunossuprimidos.

Por exemplo, o CMV pode estar presente na saliva ou na urina de até 60 a 90% dos receptores de transplante e pacientes com Aids, e o vírus nesses locais não prova que o CMV seja a causa da doença do paciente. As anomalias citológicas e histológicas não são medidas sensíveis da infecção por CMV, mas são específicas e indicativas da doença do CMV.

 

Prevenção

 

Uma vacina com CMV diminui a infecção primária em mulheres jovens em 50%, mas não está comercialmente disponível. Outras vacinas candidatas estão sendo desenvolvidas, mas permanecem experimentais. Como o CMV é transmitido pela troca de secreções, a infecção pode ser diminuída pela redução da exposição aos líquidos corporais.

Medicamentos como valganciclovir e ganciclovir podem ser usados para profilaxia em pacientes transplantados de órgãos sólidos. A profilaxia tem sido incomum para receptores de transplante de células-tronco, e esses pacientes costumam ser monitorados semanalmente (do dia 10 ao dia 100 pós-transplante) para presença de CMV DNA ou antigenemia, com a terapia antiviral introduzida de forma preventiva se ocorrer conversão sorológica ou se o teste de PCR for positivo.

Com essa estratégia, a infecção não é evitada, mas a doença clínica pode ser evitada. No entanto, a ocorrência tardia de doença clínica por CMV pode ocorrer quando o agente antiviral é eventualmente descontinuado. Mais recentemente, o letermovir, um substituto de terminase de CMV, em uma dose de 120mg ou 240mg/dia, reduziu a incidência de infecção por CMV nesses pacientes. A imunoglobulina hiperimune específica ao CMV (CMVIG) pode ser eficaz no tratamento de gestantes com infecção primária por CMV e prevenção da infecção congênita, mas são necessários estudos controlados.

 

Tratamento

 

O valganciclovir oral, o ganciclovir intravenoso, o ganciclovir intravenoso acompanhado de valganciclovir oral, o foscarnete intravenoso, a injeção intraocular intravenosa de cidofovir e o ganciclovir, no caso de retinite por CMV associados ao valganciclovir, são tratamentos efetivos das síndromes infecciosas causadas pelo CMV em diferentes estudos.

O ganciclovir (dihidroxipropoximetilguanosina [DHPG], Cytovene) é administrado por via intravenosa, 5mg/kg, 2x/dia, durante a indução inicial (2 a 3 semanas). A terapia de manutenção consiste em 5mg/kg, 1x/dia. O valganciclovir atinge níveis comparáveis aos efeitos do ganciclovir intravenoso a 5mg/kg quando administrado por via oral em uma dose de 900mg.

A resposta inicial na retinite com melhora ou estabilização da perda visual ocorre em 75% dos pacientes tratados com ganciclovir ou valganciclovir. A retinite por CMV também pode ser tratada localmente pela injeção intraocular de ganciclovir, mas essa abordagem deve ser acompanhada de valganciclovir oral para tratar e/ou prevenir a doença extraocular. A mortalidade da infecção por CMV após transplante de células-tronco é elevada, e a combinação de ganciclovir com a globulina hiperimune do CMV pode reduzir a mortalidade em 35 a 40%, embora o benefício do anticorpo não esteja provado.

A terapêutica inicial com foscarnete é com dose de 60mg/kg por via intravenosa a cada 8 horas ou 90mg/kg a cada 12 horas. A dose de manutenção varia de 90 a 120mg/kg diariamente. Efeitos adversos incluem insuficiência renal, anemia, hipocalcemia (especialmente cálcio ionizado), hipomagnesemia e hipofosfatemia.

Embora seja eficaz para o tratamento da retinite por CMV, a sua toxicidade e a ausência de uma formulação oral fazem do foscarnete uma segunda opção para o tratamento da doença por CMV. O cidofovir é um fármaco nefrotóxico, especialmente no túbulo renal proximal, mas esse efeito pode ser diminuído pela pré-hidratação.

O Quadro 1 sumariza o tratamento do CMV em diferentes situações.

 

Quadro 1

 

TRATAMENTO DO citomegalovírus

Situação

Tratamento

Retinite por CMV

Valganciclovir, 900mg, 2X/dia, VO, mais injeção intraocular de ganciclovir. Em situações de menor gravidade, pode-se usar apenas o valganciclovir oral. Opções: ganciclovir ou foscarnet endovenosos.

CMV do trato gastrintestinal

Ganciclovir EV, durante 3-6 semanas, ou valganciclovir, 900mg, 2x/dia, VO, durante 3-6 semanas. Opção: foscarnete EV por 3 semanas.

CMV de SNC

Ganciclovir + foscarnete EV

Viremia

Valganciclovir, 900mg, 2x/dia, VO, ou ganciclovir, via IV, até a viremia desaparecer.

CMV: citomegalovírus; IV: intravenosa; SNC: sistema nervoso central; VO: via oral.

 

Prognóstico

 

Em pacientes imunocompetentes, a síndrome mono-like resolve-se de forma espontânea. As infecções em pacientes imunocomprometidos são muito mais graves e podem resultar em rejeição um órgão sólido transplantado e/ou doença sistêmica pelo CMV. Na pneumonia por CMV, a morte pode ocorrer mesmo com a terapia antiviral, sobretudo um transplante de células-tronco. Em doentes com Sida, a infecção por CMV, em geral, resolve-se quando a contagem de CD4 excede 100/mm3, mas é um sinal grave de prognóstico se a contagem não se recupera para esses níveis.

 

Referências

 

1-Drew WL. Cytomegalovirus in Cecil Medicine 25 th edition 2016.

2-Crumpacker II CS. Cytomegalovirus in Mandell Principles and practice of Infectious Diseases 8 th edition 2015.

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