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Doença relacionada a LGG4

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/10/2017

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A doença relacionada à imunoglobulina G4 (DRIgG4) é imunomediada, potencialmente multiorgânica, com achados patológicos com infiltrado linfoplasmocítico e achados sorológicos característicos. O envolvimento pode ser confinado a um único órgão, mas, em muitos casos, evolui ao longo de meses ou anos envolvendo múltiplos órgãos.

Os órgãos comumente envolvidos incluem as glândulas salivares (submandibular, parótida), as órbitas e glândulas lacrimais, a tireoide, os gânglios linfáticos, os pulmões, a árvore biliar, o pâncreas e os rins. As concentrações séricas de imunoglobulina G4 (IgG4) estão elevadas em 60 a 70% dos pacientes.

Uma explicação para a descoberta de concentrações normais de IgG4 no soro pode ser o “efeito gancho”, um resultado falsamente baixo, relatado, às vezes, quando o elemento analisado (IgG4) está presente em concentrações excepcionalmente altas. Esse problema pode ser contornado pela diluição de amostras de teste. As concentrações séricas de IgG4 podem se correlacionar com a atividade da doença.

 

Fisiopatologia

 

Os pacientes apresentam infiltrado de tecido linfoplasmocitário denso e rico em células IgG4, com fibrose significativa associada, flebite obliterativa com eosinofilia tecidual leve a modesta. Cerca de um terço dos pacientes apresentam níveis normais de IgG4, porém com achados histopatológicos característicos, com uma elevada percentagem de células plasmáticas corando positivamente para IgG4.

A patogênese da doença é pouco conhecida; tem características tanto de doenças autoimunes quanto de doenças alérgicas, com aumento significativo de células Th2, bem como aumento de linfócitos CD4 citotóxicos, que parecem estar envolvidas nas principais manifestações da doença.

A DRIgG4 é uma condição fibroinflamatória sistêmica. A condição é caracterizada por uma tendência a formar lesões tumefativas. O primeiro órgão em que se documentou a doença com elevações nas concentrações séricas de IgG4 foi o pâncreas. O envolvimento pancreático na DRIgG4 é denominado, atualmente, de pancreatite autoimune tipo 1.

Em 2003, foram identificadas manifestações extrapancreáticas em pacientes com essa doença pancreática, e a DRIgG4 já foi descrita em praticamente todos os sistemas de órgãos. As características histopatológicas apresentam notáveis semelhanças entre os diferentes órgãos envolvidos.

Algumas condições isoladas em órgãos únicos são agora reconhecidas como sendo parte do espectro da DRIgG4 ? o que inclui a chamada “síndrome de Mikulicz” e a tireoidite de Riedel. Além disso, em alguns casos, a DRIgG4 é a causa de pseudotumor inflamatório orbitário ou de lesões fibróticas de etiologias pouco claras como a fibrose retroperitoneal, antes considerada de etiologia obscura.

 

Epidemiologia

 

Foram realizados poucos estudos populacionais de pacientes com DRIgG4, e a epidemiologia da doença permanece mal descrita. Casos em crianças são raros. Aproximadamente, de 60 a 80% dos pacientes são do sexo masculino com idade superior a 50 anos, mas há algumas variações nessas características demográficas, conforme os diferentes órgãos afetados pela doença. A DRIgG4 que afeta cabeça e pescoço acomete as mulheres em frequência similar aos homens. A evolução e a gravidade da extensão do envolvimento da doença não apresenta diferenças entre os dois sexos.

 

Achados clínicos

 

A DRIgG4, em geral, apresenta-se subaguda, com o aparecimento de uma massa em algum órgão, e a maioria dos pacientes não está constitucionalmente doente; todavia, uma minoria tem fortes manifestações clínicas de inflamação sistêmica no momento do diagnóstico, por exemplo, com febres e elevações de reagentes de fase aguda.

Cerca de 60 a 90% dos indivíduos apresentam envolvimento de múltiplos órgãos na apresentação ? nesse caso, a perda de peso de 10 a 15kg é comum. A linfadenopatia é frequente, e sintomas como asma e outras manifestações alérgicas ocorrem em 40% dos casos. Observa-se, também, que a DRIgG4 pode permanecer confinada a um órgão, por exemplo, as glândulas salivares ou lacrimais, durante muitos anos.

Os pacientes com pancreatite normalmente apresentam disfunção pancreática como manifestação clínica principal. A avaliação cuidadosa por exame físico, o exame de urina, as imagens transversais, a tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou outras avaliações podem revelar a doença nos pulmões, nos rins, nos linfonodos e em outros órgãos. As lesões tumorais e as doenças alérgicas são manifestações comuns da doença.

A DRIgG4 representa uma proporção variável de massas tumorais em órgãos como as órbitas, as glândulas salivares e lacrimais, os pulmões, os rins e outros órgãos. Cerca de 25 a 50% dos casos de pseudotumor orbital caem dentro do espectro de DRIgG4. Manifestações alérgicas como atopia, eczema, asma e modesta eosinofilia periférica também acompanham a doença em até 40% dos casos.

As glândulas submandibulares e parótida podem ser afetadas pela DRIgG4, a qual tem uma predileção particular de envolver as glândulas submandibulares bilateral e isoladamente. O sintoma comum na apresentação do envolvimento de glândulas submandibulares é o edema glandular, com graus variáveis de desconforto e sensibilidade que variam de leve a substancial.

A xerostomia, muitas vezes, resulta de sialoadenite crônica, embora isso seja menos frequente do que na síndrome de Sjögren. A entidade, uma vez conhecida como “doença de Mikulicz’, denomina a presença de edema das glândulas submandibulares, parótida e lacrimal não relacionada a câncer. Muitos casos de pseudotumor orbital “idiopático” no passado, incluindo aqueles envolvendo a glândula lacrimal, não foram submetidos à biópsia; assim, não se sabe a frequência com que a DRIgG4 afeta a órbita.

A proptose substancial pode resultar do envolvimento da órbita, mesmo no contexto da doença lacrimal isolada. A doença orbital associada à IgG4 ocasionalmente se estende até os seios sinusais ou cavernosos, e a doença originária desses locais também pode afetar a órbita. Pode haver perda da visão se o fornecimento de sangue para o nervo óptico é interrompido pelo efeito de massa.

A tireoidite de Riedel, um distúrbio associado com fibrose e aumento da glândula tireoide, possuía uma etiologia obscura até recentemente, quando da ligação entre essa condição e a DRIgG4. A tireoidite de Riedel é conhecida há décadas por ocorrer em associação com lesões fibróticas em outros órgãos, como as glândulas lacrimais, o retroperitônio e o mediastino. A doença relacionada à IgG4 parece ser a causa da maioria dessas condições.

O envolvimento na forma de pancreatite autoimune é comum em 40% dos casos, associado com o envolvimento de glândulas lacrimais. Também é descrita uma forma de colangite esclerosante primária em indivíduos com DRIgG4, ocorrendo em 70% dos portadores de pancreatite autoimune associada.

As lesões pulmonares de DRIgG4 permanecem bastante mal descritas, porém várias séries pequenas têm identificado uma notável diversidade de apresentações clínicas e radiológicas, deixando claro que a doença pode imitar muitos distúrbios com características pulmonares.

Em alguns pacientes, as lesões pulmonares causadas por DRIgG4 são assintomáticas. A DRIgG4 parece causar cerca de 10% dos casos de aortite ascendente “idiopática”, sendo conhecida por levar a complicações como aneurisma e dissecção. O envolvimento do ramo primário da aorta torácica é menos comum que em outras causas de vasculite de grandes vasos, como a arterite de Takayasu. A aorta abdominal também pode estar envolvida pela síndrome de “aneurisma inflamatório da aorta abdominal”, que se sobrepõe em grande parte com fibrose retroperitoneal.

A doença renal relacionada à IgG4 pode se apresentar com lesões semelhantes a massas que podem imitar carcinoma de células renais e nefrite tubulointersticial. Um pequeno número de casos foi documentado até o momento como tendo glomerulonefrite membranosa. As lesões em massa na doença renal relacionada à IgG4 podem ser múltiplas e bilaterais, e a biópsia revela, tipicamente, nefrite tubulointersticial. Os achados laboratoriais incluem proteinúria subnefrótica e hipocomplementemia de leve a moderada do terceiro e do quarto componentes do complemento.

A disfunção renal ocorre em uma minoria de pacientes, tendo sido relatada doença renal em fase terminal. Outras lesões relacionadas à IgG4 também têm sido descritas nas paquimeníngeas, na pele, na próstata, no pericárdio e na orelha média. Foram relatadas lesões destrutivas dos ossos na orelha média em alguns pacientes, imitando a granulomatose com poliangeíte (anteriormente, granulomatose de Wegener), infecção crônica e malignidade.

 

Diagnóstico diferencial

 

O diagnóstico diferencial inclui condições sistêmicas autoimunes, vasculites e a síndrome de Sjögren. A sarcoidose também apresenta manifestações similares. Os linfomas Malt e a doença de Castleman multicêntrica, o adenocarcinoma do pâncreas, o carcinoma de células renais, entre outras doenças malignas, podem entrar no diagnóstico diferencial. O diagnóstico da doença relacionada à IgG4 é difícil de fazer apenas com base em uma biópsia de linfonodos, uma vez que os linfonodos raramente sofrem por fibrose, que dificulta a interpretação dos achados patológicos.

 

Achados laboratoriais

 

A maioria dos pacientes com DRIgG4 apresenta concentrações séricas elevadas de IgG4, embora elas sejam extremamente variáveis. Aproximadamente 30% dos pacientes têm concentrações séricas normais de IgG4 apesar dos achados patológicos clássicos de DRIgG4. O monitoramento das concentrações de IgG4 durante o tratamento com glicocorticoides fornece dados não confiáveis sobre a atividade da doença.

Na maioria dos pacientes com concentrações elevadas de IgG4 na linha de base, o tratamento com glicocorticoides reduz os níveis séricos da IgG4. No entanto, as concentrações séricas de IgG4 permanecem anormais na maioria dos casos. Os pacientes podem alcançar remissões clínicas sem normalização das concentrações séricas de IgG4 e apresentar recidivas apesar de terem medidas séricas normais. Alterações de reagentes de fase aguda são observadas na DRIgG4. Apenas uma minoria (cerca de 10%) apresenta elevações marcantes tanto da taxa de sedimentação dos eritrócitos quanto da proteína C-reativa. No entanto, é mais comum que ambas as mensurações sejam normais.

A eosinofilia periférica leve a moderada é um achado comum em pacientes com DRIgG4, assim como a eosinofilia costuma se manifestar no tecido dos órgãos afetados. As eosinofilias periféricas de 20% da contagem total de glóbulos brancos são típicas de DRIgG4. A hipocomplementemia leve de C3 e C4 também pode ser detectada, sobretudo nos pacientes com doença renal.

A tomografia computadorizada (TC) é útil no envolvimento pulmonar, na doença pancreática e na doença renal; o exame pode identificar lesões pleuropulmonares. Os achados incluem nódulos, opacidades em vidro fosco, lesões intersticiais em faveolamento, espessamento do feixe broncovascular e espessamento pleural. Essas lesões radiológicas podem imitar muitas formas de doenças reumatológicas, oncológicas ou infecciosas. A TC de abdome pode revelar um pâncreas edemaciado, às vezes acompanhado por um halo ecogênico do edema circundante.

O pâncreas é, em geral, difusamente alargado. A apresentação radiológica clássica no contexto clínico adequado é fortemente sugestiva de pancreatite autoimune tipo 1 (IgG4), mas a biópsia é essencial em apresentações atípicas para excluir o carcinoma pancreático. A PET de corpo total pode ser usada para definir a extensão da DRIgG4.

A ressonância nuclear magnética (RNM) é mais útil na avaliação de pacientes com manifestações neurológicas como a paquimeningite e a hipofisite. A RNM também pode identificar encapsulamento perineural por inflamação relacionada à IgG4, que pode ser sintomática ou assintomática.

Os clínicos e os patologistas devem lembrar que as células IgG4-positivas são encontradas em uma grande variedade de infiltrados inflamatórios e que a detecção de um número significativo de células plasmáticas positivas para IgG4 não é um diagnóstico de DRIgG4. No entanto, um infiltrado difuso de células plasmáticas positivas para IgG4 com mais de 30 células IgG4 positivas/campo e uma razão IgG4: IgG superior a 50% sugerem o diagnóstico de DRIgG4.

O infiltrado inflamatório é composto por uma mistura de linfócitos T e B. Todas as subclasses de imunoglobulinas podem ser representadas dentro do tecido envolvido, mas a IgG4 predomina. Estudos de clonalidade são necessários para excluir essas malignidades. O diagnóstico é realizado sobretudo no contexto de manifestações compatíveis com a doença e achado de infiltrado linfoplasmocítico, com fibrose e flebite obliterante e eosinofilia tecidual.

 

Tratamento

 

O tratamento ótimo da DRIgG4 ainda não foi estabelecido. A doença pode levar à disfunção orgânica grave e ao óbito. Por conseguinte, o envolvimento de órgãos vitais, como a árvore biliar, a aorta ou retroperitônio, deve ser identificado com rapidez e tratado agressivamente. Por outro lado, nem todas as manifestações da doença requerem tratamento imediato. A llinfadenopatia relacionada com IgG4 é frequentemente indolente e assintomática, e não é necessário iniciar tratamento; todos os pacientes com DRIgG4 sintomática, no entanto, têm indicação de tratamento imediato.

Os glicocorticoides são, tipicamente, a primeira linha de terapia. A prednisona é a medicação mais utilizada, com dose de 40mg/dia, com desmame progressivo em 3 a 6 meses. Normalmente, é mantida uma dose entre 2,5mg/dia e 5,0mg/dia durante até 3 anos. As recidivas são comuns apesar do uso de glicocorticoides de manutenção; recomenda-se, nesse caso, novo curso de tratamento com glicocorticoides. Outra opção é descontinuar os glicocorticoides inteiramente dentro de 3 meses. Os glicocorticoides parecem ser eficazes na maioria dos pacientes com DRIgG4, mas as recorrências da doença são comuns.

O verdadeiro papel dos agentes potencialmente poupadores de esteroides (tais como azatioprina, micofenolato de mofetila e metotrexato) permanece obscuro. A sua eficácia nunca foi testada em estudos clínicos, e estudos observacionais sugerem que ela é limitada. Para indivíduos com doença recorrente ou refratária, a depleção de células B com rituximabe parece ser uma abordagem útil. As respostas clínicas rápidas foram observadas com uma diminuição considerável do nível sérico de IgG4, acompanhada de melhora clínica dentro de semanas.

A DRIgG4, muitas vezes, causa dano tecidual considerável, podendo levar à falência de órgãos, mas, em geral, de forma subaguda. No entanto, um subconjunto de pacientes parece ter maior progressão para doença fulminante, com progressão para graves danos a órgãos ao longo de um período de semanas. Os pacientes com colangite relacionada à IgG4 podem evoluir com insuficiência hepática em meses, e a aortite relacionada à IgG4 pode causar aneurismas e dissecções.

A disfunção renal substancial e até mesmo a insuficiência renal podem resultar de danos relacionados à IgG4 com doença tubulointersticial. A capacidade de identificar pacientes em risco de lesões que são rapidamente destrutivas dos tecidos envolvidos é ainda pouca. O diagnóstico precoce, as avaliações abrangentes e um acompanhamento próximo são essenciais para garantir bons resultados no manejo dessa condição, que, quando abordada corretamente, costuma apresentar boa resposta terapêutica.

 

Referências

 

1-Stone JH. IgG4-Related disease in Current of Rheumathology 2016.

2-Stone JH, Zen Y, Deshpande V. IgG4-related disease. N Engl J Med 2012; 366:539.

3-Kamisawa T, Zen Y, Pillai S, Stone JH. IgG4-related disease. Lancet 2015; 385:1460.

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