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Botulismo

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 13/12/2017

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Botulismo

 

O Botulismo é uma doença paralisante rara, com potencial risco de vida, causada pelas neurotoxinas produzidas pela bactéria clostridium botulinum. O No Quadro 1, a seguir, pode-se ver, de forma sucinta, como a doença pode ser adquirida.

 

Quadro 1

 

Botulismo

Tipologia

Forma de contaminação

Botulismo de origem alimentar

Ingestão de alimentos contaminados com a toxina botulínica.

Botulismo infantil

Ingestão de esporos de clostridium com colonização do trato gastrintestinal com liberação de toxina produzida in vivo.

Botulismo da ferida

Infecção de ferida pelo clostridium, com produção da neurotoxina na ferida.

Botulismo inalatório

Toxina adquirida via inalatória; associado com bioterrorismo.

Botulismo iatrogênico

Toxina por razões cosméticas.

Botulismo entérico do adulto

Similar ao infantil, mas ocorrendo em adultos.

Botulismo não classificado

 

Botulismo inadvertido

 

 

Em 1820, Kerner notou uma associação entre ingestão de salsicha e paralisia flácida. O termo Botulismo vem do termo latino botulus, que significa “salsicha” por causa dessas descrições iniciais da doença. O Botulismo recebeu atenção nos EUA durante a Primeira Guerra Mundial quando as mulheres foram incentivadas a preservar frutas e vegetais. Os métodos de aquecimento recomendados para conservas domésticas não destruíram os esporos, e ocorreram epidemias de Botulismo.

O Botulismo em feridas foi descrito em 1943. Em 1950, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) iniciou a vigilância. O Botulismo infantil, que agora é a forma mais comum da doença, foi descrito em 1976. Desde a aprovação das toxinas botulínicas A e B, pela Food and Drug Administration (FDA), para uso cosmético e terapêutico nos EUA, casos de Botulismo iatrogênico foram relatados.

 

Epidemiologia

 

O clostridium botulinum é um bacilo gram-positivo, formador de esporos, anaeróbico obrigatório, e pode ser isolado da superfície de vegetais, frutas, frutos do mar e estar presente no solo e no sedimento marinho. As condições ideais ambientais para o clostridium são restrição da presença de oxigênio, baixa acidez (PH >4,6) e temperatura entre 25 a 37ºC, mas algumas cepas podem crescer em temperaturas tão baixas quanto 4ºC.

O clostridium botulinum pode produzir sete toxinas (A G). Os tipos A, B, E e F causam doenças em seres humanos e os tipos C e D, em animais. O tipo G foi encontrado no solo, mas não foi associado a surtos humanos ou animais; o tipo E é o mais associado com o Botulismo alimentar. Um total de 160 casos de Botulismo foi relatado ao CDC em 2012: 16% deles eram botulismos de origem alimentar; 76%, Botulismo infantil; 5%, associados a feridas.

A média de casos de Botulismo nos EUA é de 110 casos/ano. A incidência da doença no Brasil é baixa, com menos de 10 casos confirmados anualmente. O Botulismo alimentar típico resulta da ingestão de toxina pré-formada pelo calor, e não da ingestão de esporos ou bactérias vivas.

O Botulismo transmitido por alimentos, geralmente, resulta da exposição a alimentos inadequadamente preservados e pouco cozidos, mas grandes surtos costumam ocorrem após a ingestão de alimentos contaminados em restaurantes ou de fontes comerciais. Uma variedade de alimentos preservados tem sido implicada. O Botulismo também foi relatado como resultado da ingestão de alimentos frescos mal preparados e armazenados.

O Botulismo infantil ocorre em crianças com menos de 1 ano de idade com uma incidência máxima entre as idades de 6 semanas e 6 meses. Em contraste com o Botulismo relacionado aos alimentos em adultos, o infantil é causado pela ingestão de esporos com produção in vivo de toxina. O mel é um dos produtos implicados como fontes de esporos de clostridium botulinum no Botulismo infantil. A poeira doméstica também já foi implicada como causa, mas a etiologia permanece desconhecida na maioria dos casos.

 

Fisiopatologia

 

A toxina botulínica é produzida inicialmente na forma de uma cadeia de polipeptídeos, que é clivada por proteases bacterianas, liberando uma neurotoxina ativa; o mecanismo exato da neurotoxina não é totalmente conhecido, mas tem múltiplos alvos, incluindo neurônios motores e sensitivos, sendo que pode bloquear a inervação colinérgica neuromuscular da musculatura lisa e estriada e a inervação colinérgica de lágrimas, saliva e glândulas sudoríparas.

 

Manifestações Clínicas

 

A apresentação clássica do Botulismo é como uma forma aguda de neuropatia craniana bilateral associada com fraqueza simétrica descendente. O Botulismo alimentar usualmente inicia 12 a 36 horas após a ingestão da toxina botulínica, mas o período de incubação pode variar de algumas horas a uma semana. Sintomas prodrômicos incluem náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia e boca seca.

O envolvimento de nervos cranianos marca o início sintomático da doença, e pode incluir visão borrada, diplopia, nistagmo, ptose, disfagia, disartria e musculatura facial; posteriormente, ocorre a fraqueza muscular - nicialmente no tronco e nos membros superiores; depois, nos membros inferiores. A retenção urinária e a constipação são comuns, e parestesias em membros inferiores costumam ser associadas.

A apresentação do Botulismo infantil é diferente da do Botulismo associado à alimentação. A constipação é uma queixa de apresentação comum, seguida de vários dias a semanas de má alimentação, choro fraco, perda de controle de tônus da cabeça e hipotonia, afetando crianças entre 1 semana e 12 meses de idade; outros sintomas comuns incluem anorexia e dificuldade em alimentar-se.

No exame físico, os pacientes apresentam tônus muscular diminuído, e os reflexos de tendões profundos se tornam deprimidos. O envolvimento dos nervos cranianos causa alterações na expressão facial, na ptose e nas paralisias extraoculares. A insuficiência respiratória ocorre em 50% dos pacientes. A febre está ausente, a menos que a infecção secundária esteja presente.

O Botulismo associado a feridas tem diferenças significativas em relação ao Botulismo alimentar. O período de incubação é maior, de 4 a 14 dias, porque a toxina deve ser produzida dentro da ferida após germinação dos esporos. Se a ferida estiver infectada, o paciente pode estar febril. Os sintomas gastrintestinais estão notavelmente ausentes no Botulismo da ferida. Os episódios recorrentes são bem descritos. A doença, muitas vezes, é associada a abscessos cutâneos e infecções musculares profundas.

A apresentação clínica do Botulismo não classificado (infeccioso adulto) é semelhante à do Botulismo alimentar, embora a taxa de mortalidade seja bem maior. A recuperação do Botulismo é lenta, e os sobreviventes são hospitalizados por várias semanas até meses.

As complicações do Botulismo estão relacionadas à insuficiência respiratória e aos problemas associados à necessidade de cuidados intensivos prolongados. A aspiração de secreções orais e conteúdo gástrico devido à perda de vias respiratórias protetoras podem ocorrer. Nos últimos 50 anos, a taxa de mortalidade geral diminuiu de 50% para menos de 1% com a melhora dos cuidados intensivos.

As taxas de mortalidade são maiores em pacientes com Botulismo de feridas (15 a 17%) e menores em pacientes com Botulismo infantil (<1%). Para aqueles que se recuperam, a força muscular e a resistência podem não voltar ao normal por até 1 ano, e os problemas psicológicos persistentes são comuns.

O Centers for Disease Control and Prevention dos EUA considera as seguintes manifestações como achados cardinais do Botulismo:

Ø  Ausência de febre.

Ø  Déficits neurológicos simétricos.

Ø  Paciente permanece responsivo.

Ø  Frequência cardíaca normal ou baixa com pressão arterial normal.

Ø  Ausência de déficits neurológicos sensoriais, exceto visão borrada.

 

Exames Complementares e Diagnóstico

 

O Botulismo é um diagnóstico clínico que deve ser considerado em qualquer paciente que se apresente com a constelação de sintomas que incluem disfunção de nervos do trato gastrintestinal, autonômico e craniano. O envolvimento do nervo craniano bilateral e a progressão de ocorrências neurológicas devem aumentar a suspeita clínica. Os estudos laboratoriais de rotina não têm valor no diagnóstico. Se uma punção lombar é realizada, o líquido cefalorraquiano (LCR) em pacientes com Botulismo é normal ou pode mostrar uma ligeira elevação das proteínas.

O diagnóstico do Botulismo é confirmado pela detecção de toxina botulínica no sangue do paciente, de toxina botulínica ou clostridium botulinum no conteúdo gástrico, fezes ou feridas do paciente, ou toxina ou organismos na fonte de alimento suspeita. Idealmente, os espécimes devem ser obtidos antes da administração de antitoxina, mas o tratamento não deve aguardar a conformação laboratorial. As medidas em série da capacidade vital forçada do paciente são úteis para reconhecer a deterioração da função ventilatória.

A eletroneuromiografia pode detectar anormalidades consistentes com o diagnóstico de Botulismo e pode ser útil na diferenciação do Botulismo de outras doenças paralíticas. A alteração clássica eletroneuromiográfica do Botulismo é a diminuição da amplitude do potencial de ação do músculo composto em resposta a um estímulo supramáximo e facilitação do potencial de ação muscular com estimulação repetida. Nem todas as unidades motoras são afetadas, e os resultados normais dos testes não excluem o diagnóstico.

 

Diagnóstico Diferencial

 

O diagnóstico diferencial do Botulismo no adulto inclui uma grande variedade de doenças. Comumente, o primeiro caso de apresentação é mal diagnosticado porque sintomas iniciais sugerem faringite ou gastrenterite, que podem afetar vários membros de uma única família. O Botulismo deve ser diferenciado de outras doenças que causam paralisia. Na síndrome de Guillain-Barré, o quadro de fraqueza muscular, geralmente, tem início distal com evolução ascendente; parestesias podem estar presentes e o nível de proteína no LCR pode ser elevado.

A paralisia associada à picada de carrapatos é uma paralisia ascendente, o que é notável pela falta de envolvimento bulbar e pela presença de um carrapato. Na miastenia gravis, o envolvimento dos olhos é proeminente, mas a resposta pupilar é preservada, não há sintomas autopositivos e a fraqueza responde à administração de edrofônio ou gelo aplicado ao grupo muscular afetado. Melhora mínima da fraqueza após a administração do edrofônio foi relatada no Botulismo.

A poliomielite causa febre, sinais neurológicos assimétricos e alterações do LCR. A difteria pode ser distinguida pelo intervalo prolongado entre faringite e sintomas neurológicos. A síndrome miastênica de Lambert-Eaton, em geral, não envolve músculos bulbares. Os acidentes cerebrovasculares do tronco encefálico têm início agudo e sinais assimétricos, neuroanatomicamente localizados.

Determinadas toxinas também devem ser consideradas no diagnóstico diferencial do Botulismo. Os anticolinérgicos como atropina causam dilatação pupilar e mucosas avermelhadas e secas, mas também delirium com alterações no estado mental. Os inseticidas organofosforados causam hipertermia e alteração do estado mental.

As reações distônicas são autolimitadas e respondem à difenidramina ou à benzotropina. O bloqueio neuromuscular da administração de aminoglicosídeos é distinguido pela história da medicação. A intoxicação por metais pesados como o chumbo produz mudanças no estado mental. A toxicidade do magnésio pode imitar o Botulismo, mas a história e os níveis séricos de magnésio distinguem essas entidades.

O Botulismo infantil possui um diagnóstico diferencial mais amplo. Doenças comuns que imitam a apresentação do Botulismo infantil incluem sepse, doenças virais, desidratação, encefalite, meningite e falta de prosperidade. As doenças neurológicas, como a síndrome de Guillain-Barré, a miastenia gravis e a poliomielite, também devem ser consideradas.

O hipotireoidismo, a hipoglicemia, a difteria e a toxina fazem parte da consideração do diagnóstico diferencial, assim como as condições menos comuns, como os erros inatos de metabolismo, a distrofia muscular congênita e as doenças degenerativas cerebrais.

 

Manejo

 

Todos os pacientes com suspeita de Botulismo devem ser internados e monitorizados meticulosamente em relação aos seus sinais vitais em unidade de terapia intensiva, pois a insuficiência respiratória pode se desenvolver rapidamente. Todos eles devem ser mantidos com oximetria de pulso, gasometria arterial e mensuração da função respiratória. Uma diminuição da capacidade vital para menos de 30% do previsto ou inferior a 12mL/kg é um critério apropriado para a intubação.

Os indivíduos que apresentam íleo paralítico devem ser tratados com sondagem nasogástrica e, em caso de retenção urinária, deve ser passada sonda vesical de demora. Felizmente, a disfunção autonômica do Botulismo é menos severa do que a do tétano, e raramente requer intervenção. Alguns autores recomendam a lavagem intestinal e o uso de catárticos para retirada da toxina residual. Os catárticos não devem ser administrados na presença de íleo paralítico, assim como medicações contendo magnésio, pois podem exacerbar a fraqueza muscular.

Existem dois tipos de antitoxina: a equina e a humana. A antitoxina equina contém anticorpos contra toxinas tipo A, B e E. Deve ser administrada por via endovenosa o mais rápido possível após a obtenção de espécimes laboratoriais adequados. Neutraliza a circulação da toxina, mas não tem efeito sobre a toxina ligada. A administração precoce evita a progressão da doença, diminui o período de permanência hospitalar, evita a insuficiência respiratória e reduz a duração da insuficiência respiratória em pacientes com doença grave.

A antitoxina pode ser obtida no CDC ou no departamento estadual de saúde. Após o teste cutâneo de hipersensibilidade, um frasco de 10mL deve ser administrado por via IV. A meia-vida da medicação é de 5 a 8 dias. As doses repetidas são desnecessárias e aumentam o risco de reações de hipersensibilidade, que ocorrem em, aproximadamente, 9% dos pacientes.

O Botulismo infantil (em crianças menores de 1 ano) é tratado com imunoglobulina humana para Botulismo; a medicação reduz o tempo de permanência hospitalar em uma média de 3,1 semanas, e a ventilação mecânica em uma média de 1,7 semanas, devendo também ser administrada o mais precocemente possível.

Os antibióticos não são recomendados, atualmente, para o tratamento do Botulismo de origem alimentar, porém, em Botulismo associado a feridas cutâneas, eles são administrados de forma rotineira, apesar de haver pequena evidência de benefício. A fonte de toxina é a produção in vivo da toxina em uma ferida infectada.

O debridamento e a administração de antibióticos devem ser considerados somente após a administração de antitoxina, pois o debridamento pode liberar toxinas piorando o quadro clínico do paciente. A Penicilina G, 3 milhões de unidades EV a cada 4 horas, ou metronidazol 500mg, EV a cada 8 horas, são as melhores opções, e a duração do tratamento depende da extensão da ferida, mas, em geral, é recomendado o uso de antibiótico por cerca de 5 a 7 dias.

Devem ser evitados os aminoglicosídeos e as tetraciclinas, pois podem prejudicar a entrada de cálcio nos neurônios e piorar os efeitos da toxina botulínica. O cloridrato de guanidina pode aumentar a liberação de acetilcolina a partir de nervos terminais e foi recomendado como componente experimental da terapia com Botulismo, mas ainda não existem evidências científicas de seu benefício.

 

Referências

 

1-Sobel J, Tucker N, Sulka A, et al. Foodborne botulism in the United States, 1990-2000. Emerg Infect Dis 2004; 10:1606.

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