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Actinomicose

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 15/01/2018

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A actinomicose é uma infecção bacteriana rara, subaguda a crônica, de curso indolente. O microrganismo pode colonizar a cavidade oral, o colo e a vagina. Os Actinomyces levam a uma inflamação tanto em forma supurativa quanto em forma granulomatosa. A doença cursa com edema localizado com supuração, formação de abscesso, fibroses teciduais e fistulização.

As infecções das regiões oral e cervicofacial são as mais comuns, mas qualquer local no corpo pode ser infectado, incluindo a região torácica, as regiões abdominal e pélvica e o sistema nervoso central (SNC). A doença musculosquelética ou disseminada é rara, embora relatos de casos têm sido descritos.

 

Microbiologia

 

Os Actinomicetos dos gêneros Actinomyces, Propionibacterium e Bidobacterium são os principais patógenos com o Actinomyces israeli sendo o maior causador de doença em humanos. Cerca de 98 a 99% das actinomicoses são causadas por espécies bacterianas anaeróbias ou microaerófilas não formadoras de esporos.

Dos trinta tipos de Actinomyces spp, oito podem causar doenças em seres humanos. O Propionibacterium propionicum (anteriormente conhecido como Arachnia propionica) e o Bifidobacterium dentium (anteriormente conhecido como Actinomyces eriksonii) também estão associados a infecções, estando com o primeiro associado com canaliculite lacrimal. Esses organismos são bacilos anaeróbicos, microaerofílicos, lamelares, ramificados, gram-positivos, pleomórficos.

Os Actinomyces são bactérias fastidiosas que requerem meios de cultura enriquecidos, o que leva até 2 a 3 semanas em meios de cultura específicos. A maioria das infecções por actinomicose é polimicrobiana e envolve outras bactérias aeróbias e anaeróbias. Os espécimes isolados associadamente mais comuns dependem do sítio de infecção, e são os seguintes: Actinobacillus actinomycetemcomitans, Aggregatibacter aphrophilus, Eikenella corrodens, Bacteroides, Fusobacterium, Capnocytophaga, estreptococos aeróbios e anaeróbios, Staphylococcus e Enterobacteriaceae. A contribuição desses agentes nas infecções por actinomicetos é discutível.

 

Epidemiologia

 

Os Actinomyces spp são partes da membrana comuns na mucosa endógena na cavidade oral, no trato gastrintestinal inferior, nos brônquios e no trato genital feminino, ocorrendo em quase 100% das crianças a partir dos 2 anos. Nenhum reservatório ambiental externo, como solo ou palha, foi documentado, e não foi demonstrada a transmissão de Actinomyces spp de pessoa para pessoa. A doença é disseminada por todo o mundo. Embora a infecção possa ocorrer em todas as faixas etárias, raramente é observada em crianças ou pacientes com idade superior a 60 anos.

A maioria dos casos ocorre em indivíduos nas meias décadas de vida. Os homens são mais frequentemente infectados, em comparação com as mulheres, ocorrendo na proporção 3:1 na maioria das séries. A explicação para isso é a maior prevalência de má higiene bucal e trauma oral nos homens. A incidência anual relatada nos EUA é menor que 100 casos anuais. No entanto, devido à natureza fastidiosa do organismo, muitos casos não são diagnosticados, e a verdadeira incidência é, provavelmente, bem maior.

 

Fisiopatologia

 

Os Actinomyces spp são agentes de baixa patogenicidade e necessitam de ruptura da barreira da mucosa para causar doença. A actinomicose, em geral, ocorre em pessoas imunocompetentes, mas pode se manifestar também em pacientes com comprometimento imune. Os fatores de risco incluem uso de corticosteroides, bisfosfonatos, leucemia com quimioterapia, vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), alcoolismo, recipientes de transplante de pulmão e renal e lesão tecidual local causada por trauma, cirurgia recente ou irradiação.

As doenças orais e cervicofaciais são comumente associadas com cáries e extrações dentárias, gengivite e trauma gengival, infecção em erupção de dentes secundários, tonsilite crônica, otite ou mastoidite, diabetes melito, imunossupressão, imunodeficiência, desnutrição e doença neoplásica.

As infecções pulmonares costumam ocorrer por aspiração de secreções orofaríngeas ou gastrintestinais, e têm sido relatadas em pacientes com distúrbios pulmonares subjacentes, como enfisema, bronquite crônica e bronquiectasias. A infecção gastrintestinal é, com frequência, acompanhada da perda da integridade da mucosa, como cirurgia, trauma, corpos estranhos, apêndice perfurado ou diverticulite, neoplasia, corpos estranhos e cirurgia de emergência do colo.

O uso prolongado (>2 anos) de dispositivos intrauterinos (DIU) aumenta o risco de desenvolvimento de actinomicose do trato genital feminino. Outras espécies bacterianas que causam infecção associada com os actinomicetos podem ajudar na propagação da infecção através da inibição das defesas do hospedeiro e da redução da tensão local de oxigênio.

Uma vez estabelecido no local, o organismo pode se espalhar de forma progressiva para os tecidos circundantes. A infecção tende a se espalhar sem considerar as barreiras anatômicas, incluindo os planos fasciais e os canais linfáticos. A actinomicose leva à infecção crônica, supurativa, acarretando fibrose densa com disseminação por outros tecidos e fistulização. A fibrose extensa leva à formação de massa, que pode ser confundida com uma neoplasia antes da ocorrência da fistulização e drenagem de secreção purulenta. A disseminação hematogênica pode ser fulminante, mas é rara.

Os Actinomyces spp crescem em aglomerados microscópicos ou macroscópicos com infiltrado neutrofílico extenso. As células plasmáticas e células gigantes multinucleadas podem ser observadas, assim como grandes macrófagos com citoplasma espumoso em torno de centros purulentos. Quando visíveis, esses aglomerados são amarelo-pálido e exsudam através das faixas sinusais; eles são chamados grânulos sulfúricos (1 a 2mm de diâmetro) com agregados de microrganismos e fosfato de cálcio.

Uma localização central purulenta envolve os grânulos, e eles são característicos da actinomicose. Os centros têm uma propriedade de coloração basofílica, sendo que um a seis grânulos podem estar presentes por loculação, e até 50 loculações podem estar presentes em uma lesão.

 

Manifestações Clínicas

 

A infecção cervicofacial é a manifestação mais comum da actinomicose, ocorrendo em 55% dos casos, tendo, com frequência, origem odontogênica e evoluindo como uma lesão crônica ou subaguda indolor ou dolorosa supurativa, com progressão lenta; é comum o edema ou a massa envolverem a região submandibular ou paramandibular, e os espaços submentais e retromandibulares, a articulação temporomandibular, as bochechas, o queixo e o maxilar superior podem estar envolvidos.

O edema pode ter uma consistência lenhosa causada por fibrose tecidual. Quando o Staphylococcus aureus ou os estreptococos ß-hemolíticos estão envolvidos, um abscesso doloroso agudo ou uma celulite podem ser a manifestação inicial. Têm sido descritas a osteomielite ou periostite perimandibular, bem como lesões na língua. A forma crônica da doença é a mais comum, sendo caracterizada por infiltração indolor e induração azulada ou avermelhada que, em geral, progride para abscessos múltiplos.

Podem estar presentes infecções periapicais, trismo, dispneia, disfagia, febre, dor e leucocitose. A infecção pode se estender até a artéria carótida, os seios da faxe, as orelhas, a mastoide, a órbita, as glândulas salivares, a faringe, o músculo masseter, a tireoide, a laringe, a traqueia ou o tórax; a otite média recorrente também é uma manifestação comum. A invasão pela infecção da coluna cervical ou crânio pode levar ao empiema subdural e à invasão do SNC. O diagnóstico diferencial inclui tuberculose, infecções fúngicas, nocardiose, infecções supurativas por outros organismos e neoplasias.

A actinomicose torácica ocorre em 15% dos casos e é um processo indolente, lentamente progressivo, que envolve o parênquima pulmonar e o espaço pleural, sendo causada pela aspiração de material infeccioso da orofaringe. Ocasionalmente, pode ocorrer por uma perfuração esofágica ou extensão de lesão cervical ou mediastinal ou por disseminação hematogênica para o pulmão. A infecção pode disseminar-se a partir de um foco pneumático para envolver a pleura e a parede torácica, com eventual formação de fístula.

Quadros de pneumonia normalmente recidivantes são frequentes. O mediastino, o pericárdio e o miocárdio raramente podem ser afetados. Os grânulos sulfúricos não costumam estar presentes no escarro. A incidência dessa complicação, assim como a destruição das vértebras torácicas e costelas adjacentes, tem diminuído na era antimicrobiana.

As queixas de pacientes com actinomicose torácica não são específicas. As mais comuns são dor torácica, tosse produtiva, dispneia, perda de peso e febre. Anemia, leucocitose leve e taxa de hemossedimentação elevada são relativamente comuns. Há uma história de doença pulmonar subjacente.

A lesão pulmonar característica é uma lesão em massa ou pneumonite, e pode assemelhar-se à tuberculose, especialmente quando ocorre formação da cavidade, ou blastomicose, que pode destruir costelas posteriores. Diagnósticos diferenciais incluem a nocardiose, o carcinoma broncogênico, a criptococose, a pneumonia por aspiração, a infecção pulmonar e o linfoma. O espessamento pleural, a erupção ou o enfisema são comuns.

A actinomicose abdominal corresponde, aproximadamente, a 20% dos casos de actinomicose. Trata-se de uma infecção crônica que pode durar semanas, meses ou anos, e a integridade da mucosa gastrintestinal é quebrada por cirurgia ou trauma. A extensão ao tórax ou da pelve, ou através da disseminação hematogênica, também podem ocorrer. A região ileocecal costuma estar mais envolvida, com perfuração de apêndice ocorrendo em 65% dos casos de actinomicose abdominal.

A infecção se estende lentamente para órgãos contíguos, sobretudo o fígado, e pode envolver tecidos retroperitoneais, coluna vertebral ou parede abdominal. A disseminação hepática, renal ou esplênica é uma complicação incomum. Podem formar-se seios de drenagem persistentes, e aqueles que envolvem a região perianal podem simular a doença de Crohn ou a tuberculose.

Um extenso conglomerado de lesões actinomicóticas pode simular uma neoplasia. Uma observação frequente na tomografia computadorizada (TC) é uma massa com aumento denso do meio de contraste não homogêneo. Os sintomas e sinais constitucionais não são específicos, sendo os mais comuns febre, diarreia ou constipação, perda de peso, náuseas, vômitos, dor e sensação de massa.

A infecção pélvica é observada em pacientes com uso prolongado de DIU e também pode ocorrer por extensão de infecção intestinal, comumente de doença indolente. As manifestações podem variar de uma descarga vaginal crônica a uma doença inflamatória pélvica com abscessos tubo-ovarianos ou massas retroperitoneais.

Os pacientes, em geral, têm sangramento ou corrimento vaginal anormal, dor abdominal ou pélvica, menorragia, febre e perda de peso. A endometrite é a forma mais precoce da infecção, seguida de abscessos tubo-ovarianos. A extensão para o útero, a bexiga, a área retal, a parede abdominal, o peritônio, os ossos pélvicos, o tórax e a circulação sistêmica também pode ocorrer.

As infecções do SNC são muito raras e costumam se manifestar como abscessos cerebrais encapsulados, únicos ou múltiplos, que aparecem como lesões com anel com uma parede espessa que pode ser irregular ou nodular em TCs com contraste. Não existem características que, facilmente, distinguem a actinomicose de outras causas de abscessos cerebrais.

Raramente, são encontradas lesões sólidas nodulares ou de massa denominadas actinomicetomas ou granulomas actinomicóticos. A cefaleia e os sinais neurológicos focais são as manifestações mais comuns. A maioria das infecções actinomicóticas do SNC ocorrem por disseminação hematogênica de um local primário distante, sendo comum também a extensão direta da doença cervicofacial.

A meningite por Actinomyces é rara, crônica e basilar na localização, e a pleocitose do líquido cerebrospinal é, em geral, linfocítica. Pode ser diagnosticada erroneamente como meningite tuberculosa. A extensão para o espaço epidural craniano ou subdural e o espaço epidural espinal também pode ocorrer a partir de focos adjacentes.

 

Diagnóstico

 

Estudos microbiológicos e patológicos apropriados são essenciais para o diagnóstico. A TC ou aspiração da lesão com agulha podem ser usadas para obter uma amostra de biópsia. É importante evitar a contaminação do espécime e a administração de terapia antimicrobiana antes de se obter um espécime.

É necessária cultura anaeróbia, e não há meios seletivos para restringir o crescimento excessivo dos Actinomyces de crescimento lento. A presença, em pus ou espécimes de tecidos, de organismos gram-positivos não ácidos e com ramificação lamentável é sugestiva do diagnóstico. As características morfológicas características dos grânulos sulfúricos são úteis. Nas secções de tecidos corados com hematoxilina-eosina, os grânulos são massas basofílicas redondas ou ovais com um arranjo radiante de tacos terminais eosinofílicos.

No entanto, Actinomyces spp são raramente visíveis em cortes corados com hematoxilina-eosina. A visualização é facilitada por corantes especiais como prata e ácido p-aminossalicílico. Devem ser obtidas múltiplas amostras de biópsia de diferentes tecidos para melhorar o desempenho do diagnóstico histopatológico.

Os grânulos devem distinguir-se de estruturas semelhantes que, às vezes, são produzidas em infecções causadas por Nocardia, Monosporium, Cephalosporium, Staphylococcus (botryomycosis) e outros. Os métodos de imagem, como a radiografia convencional, a TC e a ressonância nuclear magnética, não fornecem um diagnóstico específico, mas permitem uma definição mais precisa das dimensões e da extensão da infecção.

 

Tratamento

 

A necessidade de usar terapia antimicrobiana combinada para erradicar microrganismos isolados em associação com Actinomyces não foi estabelecida. No entanto, como muitos desses organismos são patógenos conhecidos, o tratamento é normalmente apropriado, sobretudo no caso de infecções abdominais inferiores.

A remoção cirúrgica do tecido infectado também pode ser necessária em alguns casos, especialmente se houver tecido necrótico extenso ou fístulas, se a doença maligna não puder ser excluída e se grandes abscessos não puderem ser drenados por aspiração cutânea. Quando os sintomas da infecção por DIU bem definidos e os esfregaços de Papanicolau demonstrarem Actinomyces por anticorpos marcados especificamente, o DIU deverá ser removido.

A administração antimicrobiana por um período de 2 semanas é normalmente indicada, e a terapia é individualizada, mas a penicilina cristalina 18 a 24 milhões de unidades ao dia é o tratamento mais utilizado. As infecções mais graves requerem terapia prolongada, com 2 a 3 semanas de tratamento endovenoso e cerca de 6 semanas com tratamento com amoxacilina. Outras opções antibióticas incluem clindamicina, vancomicina, linezolida e moxifloxacino.

 

Prognóstico

 

A disponibilidade de tratamento antimicrobiano melhorou consideravelmente o prognóstico para todas as formas de actinomicose. Atualmente, as taxas de cura são altas, de modo que as sequelas e a evolução para óbito são raras.

 

Referências

 

1-Russo TA. Agents of Actinomycosis in mandell Principles and Practice of Infectious Diseases 2016.

2-Könönen E, Wade WG. Actinomyces and related organisms in human infections. Clin Microbiol Rev 2015; 28:419.

3-Smego RA Jr, Foglia G. Actinomycosis. Clin Infect Dis 1998; 26:1255.

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