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Nefropatia por contraste

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 11/06/2018

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A nefropatia por contraste é uma das principais complicações de exames radiológicos, podendo causar injúria renal, que é comumente reversível, mas pode cursar com lesão renal aguda terminal.

 

Epidemiologia

 

A epidemiologia da nefropatia por contraste não é totalmente conhecida e depende da definição de lesão renal; entretanto, em um estudo utilizando como definição aumento de creatinina >0,5mg/dL em relação aos níveis basais em 7.586 procedimentos radiológicos contrastados, a incidência foi de 3,3%; essa incidência chegava a 22% em pacientes com creatinina entre 2,0 e 2,9mg/dL e 31% se a creatinina era >3,0mg/dL. Em pacientes sem nenhum fator de risco, a incidência de nefropatia por contraste é <1%.

Alguns estudos avaliaram fatores de risco para evolução com nefropatia por contraste. Entre esses fatores de risco, podem ser citados os seguintes:

                Disfunção renal pré-existente com creatinina >1,5mg/dL

                Nefropatia diabética

                Idade avançada

                Proteinúria (em um estudo, 62% de risco se a proteinúria >1g/dL e 21% se sem proteinúria)

                Insuficiência cardíaca significativa

                Depleção de volume (após disfunção renal prévia, é o maior fator de risco)

                Mieloma múltiplo

                Grande volume de radiocontraste (doses >125mL)

                Uso concomitante de inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA), anti-inflamatórios não esteroides (Aines) e outras medicações com potencial nefrotóxico

                Osmolaridade do contraste

 

O mais importante desses fatores de risco é, sem dúvida, a presença de disfunção renal pré-existente, com risco maior quanto mais acentuada for a disfunção renal. Não se sabe exatamente qual é o ponto de corte de disfunção renal que implica em maior risco, mas os estudos sugerem que, em pacientes não diabéticos, valores de filtração glomerular >45mL/min são associados a baixo risco de desenvolvimento de nefropatia por contraste.

O risco de os pacientes com diabetes melito desenvolverem disfunção renal por contraste comparado com pacientes não diabéticos é duas vezes maior, sendo particularmente elevado (cerca de 10%) se os valores de creatinina forem >1,5mg/dL. Nesses pacientes, em caso de uso de metformina, deve-se lembrar de descontinuá-la por, pelo menos, 48 horas antes do procedimento radiológico contrastado. A hiperglicemia, mesmo quando não associada a diabetes melito, implica em maior risco de desenvolver nefropatia por contraste.

Alguns procedimentos como intervenções coronarianas têm risco aumentado em relação a outros procedimentos radiológicos com contraste. Os pacientes em uso de Ieca e de bloqueadores de receptores da angiotensina (BRA) 2 podem aumentar o risco de desenvolver nefropatia por contraste, porém não é recomendada a retirada de Ieca ou BRA 2 naqueles que serão submetidos a procedimentos por contraste.

O tipo de contraste também tem implicação importante no risco; o uso dos agentes de primeira geração hiperosmolares é particularmente associado com esse risco. Os pacientes com mieloma múltiplo são um exemplo da diminuição do risco com o uso dos agentes contrastados de nova geração, com incidência de nefropatia por contraste menor que 1,5% com os novos agentes e sem outros fatores de risco. O uso de baixas doses de contraste diminui, mas não elimina o risco; doses baixas de contraste variam entre 30 a 125mL do agente.

 

Fisiopatologia

 

A fisiopatologia não é completamente conhecida com a maior parte dos dados vinda de estudos a partir de modelos animais. O contraste utilizado para realizar exames radiológicos inicialmente leva à vasodilatação em território renal, e depois cursa com vasoconstrição intensa e persistente, provavelmente secundária à diminuição de prostaglandinas vasodilatadoras, ao aumento de endotelina, adenosina e do cálcio intracelular.

A redução no fluxo sanguíneo renal chega até 30% nos diferentes estudos. A injúria tubular por efeitos citotóxicos diretos ou devido à geração de radicais superóxidos também pode ter um papel significativo, mas o grau de lesão tubular encontrado nesses pacientes é bem menor do que o comumente visto naqueles com necrose tubular aguda de outras etiologias.

 

Achados Clínicos e Laboratoriais e Diagnóstico

 

O início da lesão renal nesses pacientes provavelmente ocorre com minutos à exposição ao contraste, mas as manifestações que levam ao diagnóstico como oligúria e aumento da ureia e creatinina levam em torno de 24 a 48 horas para começarem a aparecer. A maioria dos pacientes tem injúria renal não oligúrica e, em muitos casos, o único achado da doença é o aumento da ureia e da creatinina. Na maioria das vezes, a disfunção renal é transitória, podendo evoluir com disfunção renal grave definitiva com necessidade de diálise.

O sedimento urinário desses pacientes, em geral, não apresenta grandes alterações, embora possa haver cilindros granulosos e células epiteliais como na necrose tubular aguda. A fração de excreção de sódio é normalmente baixa, em geral variando de 0,3 a 0,7%, o que a diferencia da necrose tubular aguda por isquemia ou medicamentos que comumente têm fração de excreção de sódio superior a 1%.

A excreção de proteínas é inexistente ou leve. A ausência de outras alterações em urianálise como hemácias dismórficas, cilindros leucocitários ou hemáticos pode ajudar a descartar outras causas de lesão renal como glomerulonefrites ou nefrite intersticial. O diagnóstico acaba sendo clínico, com base no contexto epidemiológico e na exclusão de outras causas; normalmente, a ultrassonografia de vias renais é realizada nesses pacientes para exclusão de obstrução renal, e a biópsia renal não costuma ser necessária e pouco auxilia no manejo desses pacientes.

O diagnóstico diferencial inclui a necrose tubular aguda e a doença ateroembólica renal, que também pode ser precipitada por contraste, pois este pode deslocar placas ateroscleróticas. Podem ajudar no diagnóstico diferencial, entre essas duas situações, a presença de lesões embólicas em outros locais, a presença de eosinofilia e a diminuição do complemento sérico que ocorre na doença ateroembólica renal, bem como o curso mais protraído de semanas a meses de evolução, com pouca recuperação da função renal, que é observado em pacientes com doença ateroembólica renal.

 

Prevenção e Manejo

 

O uso do contraste iodado é responsável por cerca de 10% das insuficiências renais adquiridas em hospital; seu uso deve ser evitado e, quando imprescindível, deve ser iniciada a proteção renal com antecedência principalmente em pacientes de risco. Uma maneira prática de calcular o risco percentual de nefrotoxicidade é multiplicar a creatinina por 10.

O diabetes melito com insuficiência renal acarreta um risco dobrado em relação ao não diabético. O uso de agentes contrastados como o isohexol, com menor osmolaridade, é associado com risco bem menor do que os agentes contrastados de primeira geração como o telepaque.

Os agentes contrastados de última geração como o iodixanol têm risco baixo de nefropatia por contraste, pois são isosmolares. Devem ser evitados anti-inflamatórios não esteroidais e a depleção de volume de 24 a 48 horas antes do procedimento, pois aumentam a vasoconstrição associada com o uso de contraste.

Em estudos clínicos, várias estratégias foram comparadas, como o uso de manitol, teofilina; um estudo, por exemplo, comparou placebo, salina a 0,45% e salina com manitol, e insuficiência renal ocorreu em:

               40% do grupo placebo

               28% do grupo manitol + salina

               12% do grupo salina

 

Em relação à teofilina, os estudos têm demonstrado um benefício nulo na prevenção da nefropatia por contraste; considerando seus efeitos deletérios, a medicação não pode ser indicada para essa situação. Outros estudos confirmaram que o uso de diuréticos como o manitol não acrescentou benefício na prevenção da nefropatia por contraste; também não houve benefícios com outros diuréticos como a furosemida; portanto, o uso de diuréticos não é recomendado.

Recomenda-se a solução salina a 0,45% (100mL/h, 12 horas antes e 12 horas após o procedimento) associada à acetilcisteína (600mg, de 12/12h), 24 horas antes e 24 horas após o procedimento. O uso da n-acetilcisteína foi validado em estudo publicado no New England Journal of Medicine, porém seu significado em relação à diminuição de eventos relevantes ainda é questionável.

Um estudo brasileiro de 2011 falhou em demonstrar benefício com a n-acetilcisteína, e o maior estudo sobre assunto foi publicado em 2018 com 4.993 pacientes, o qual não mostrou diminuição de lesão renal aguda, nem de necessidade do uso de diálise. Assim, não é mais recomendado o uso de n-acetilcisteína para prevenir a nefropatia por contraste.

Em um estudo publicado no Jama, o bicarbonato de sódio foi usado como solução de hidratação com bicarbonato de sódio 154meq/L, diluído em solução de dextrose a 5% em 1 litro de solução e infundida a 3mL/kg em 1 hora antes do procedimento e 1mL/kg durante o procedimento e 6 horas depois, com resultados superiores à infusão convencional de salina, sendo, portanto, a opção válida para a prevenção da insuficiência renal aguda por contraste.

A dose do contraste iodado e a preferência por produtos de baixa osmolalidade não iônicos também são importantes. Uma quantidade máxima de contraste sugerida é 5mL/kh, dividido pela creatinina. Deve-se, sempre que possível, evitar a ventriculografia quando da realização de cineangiocoronariografia para redução de volume de contraste injetado.

Recomenda-se suspender o uso dos inibidores de angiotensina previamente, diuréticos e anti-inflamatórios. Lembra-se que não há indicação de uso de diuréticos ou mesmo do manitol, o qual, quando adicionado à solução salina, em um estudo clínico, apresentou resultados inferiores ao uso da salina isolada.

Outra medida recentemente estudada é a hidratação oral em comparação com a hidratação venosa para esses pacientes; apesar de um estudo com resultados semelhantes à hidratação endovenosa, a hidratação oral não pode ser recomendada de rotina nesses pacientes. As estatinas podem antagonizar a ação da endotelina, e estudos observacionais sugeriram um benefício com o uso dessas medicações para prevenir a nefropatia por contraste, porém um grande estudo com rosuvastatina não mostrou benefício, de modo que essas medicações não podem ser recomendadas para esse propósito no momento.

O citrato de sódio mostrou benefício em um estudo, e o peptídeo natriurético teve efeito negativo em outro estudo. Um estudo com ácido ascórbico não conseguiu demonstrar benefício nesses pacientes, e um pequeno estudo com trimetazidina mostrou pequeno benefício, que precisa de confirmação em estudos maiores. Por fim, recomenda-se a descontinuação de Ieca e de BRA 2 nesses pacientes, com base em evidências observacionais, porém ainda não está claro se existe um benefício real com essa conduta.

 

Referências

 

1-            Asif A, Epstein M. Prevention of radiocontrast-induced nephropathy. Am J Kidney Dis 2004; 44:12.

2-            Pannu N, Wiebe N, Tonelli M, Alberta Kidney Disease Network. Prophylaxis strategies for contrast-induced nephropathy. JAMA 2006; 295:2765.

3-            KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl 2012; 2:8.

4-            Merten GJ, Burgess WP, Gray LV, et al. Prevention of contrast-induced nephropathy with sodium bicarbonate: a randomized controlled trial. JAMA 2004; 291:2328.

5-            Brar SS, Shen AY, Jorgensen MB, et al. Sodium bicarbonate vs sodium chloride for the prevention of contrast medium-induced nephropathy in patients undergoing coronary angiography: a randomized trial. JAMA 2008; 300:1038.

6-Weisbord SD, Gallagher M, Jneid H, et al. Outcomes after Angiography with Sodium Bicarbonate and Acetylcysteine. N Engl J Med 2018; 378:603.

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