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Loperamida

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 13/01/2020

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Aloperamida é um medicamento com propriedades opioides e antidiarreicoamplamente utilizado. Estudos documentaram baixo risco de dependência física eabuso com a medicação. Embora a loperamida seja relativamente segura em dosesterapêuticas, tem havido relatos recentes e crescentes de toxicidade, algunsdeles fatais, resultantes da alta dose de ingestão de loperamida.

 

Farmacologiae Toxicologia

 

Assimcomo a meperidina, a loperamida é um opioide fenilpiperidínico. A medicação diminuio tempo de trânsito intestinal ao estimular receptores µ-opioides no plexomioentérico, tem propriedades antissecretórias e bloqueia os canais intestinaisde cálcio. A medicação tem ampla margem de segurança, em grande parte devido àsua baixíssima biodisponibilidade. É predominantemente metabolizada pelocitocromo intestinal e hepático P450 (CYP) 3A4 e CYP2C8 em metabólitosinativos.

Aloperamida absorvida e seus metabólitos sofrem excreção biliar, com apenas 1%da dose absorvida excretada inalterada na urina. A loperamida é lipofílica e altamenteligada a proteínas. Em doses terapêuticas, a meia-vida de eliminação daloperamida absorvida é de, aproximadamente, 11 horas, embora existam relatos deeliminação muito mais lenta após a superdosagem, com uma meia-vida de 34 horas.

Afarmacocinética da loperamida é fortemente influenciada pela glicoproteína P(gp-P) da bomba de efluxo de múltiplos fármacos. Expresso no epitélio dointestino delgado, canalículos biliares, túbulo proximal e barreira hematoencefálica,esse transportador ativo se opõe à absorção de loperamida do lúmen intestinal,facilita seu transporte para a bile e limita a passagem de loperamidacirculante para o cérebro.

Indivíduoscom polimorfismos genéticos que resultam em atividade reduzida da gp-P têmconcentrações plasmáticas de loperamida, aproximadamente, 50% maiores do queoutros pacientes. A administração de loperamida associada com inibidores deCYP2C8 como o gemfibrozil aumenta as concentrações plasmáticas de loperamidaaté 4 vezes e prolonga sua meia-vida de eliminação para, aproximadamente, 36horas. Como resultado, podem ocorrer efeitos centrais de opioides.

Emconcentrações plasmáticas muito altas, a loperamida interfere na conduçãocardíaca. A loperamida bloqueia os canais de potássio e sódio com altaafinidade quando, em concentrações séricas de 15,7µg/L a 20,5µg/L, a suaconcentração média de pico após uma dose de 8mg é 1,18µg/L. Esses efeitoscontribuem para o prolongamento do intervalo QT e o alargamento do intervaloQRS e criam um substrato para disritmias com risco de vida.

 

Intoxicaçãopor Loperamida

 

Ouso indevido e o abuso da loperamida foram relatados pela primeira vez em 2005,e os relatos de exposições graves têm aumentado progressivamente desde então.Embora seja uma subestimativa da verdadeira incidência, as exposições deloperamida reportadas quase dobraram entre 2010 e 2015, com 1.736 exposiçõesintencionais.

Aocontrário de outros opioides, a loperamida é facilmente obtida e barata. Alémdisso, alguns usuários intencionalmente inibem o citocromo CYP3A4 (por exemplo,com cimetidina), ou a gp-P (por exemplo, com quinidina ou pimenta-do-reino), ouambos para aumentar a absorção sistêmica e a penetração do sistema nervoso daloperamida. Existem relatos de depressão respiratória quase fatal e sensação deeuforia comparável, que ocorre com a oxicodona.

Alémdos efeitos opioides, a loperamida pode causar alterações de conduçãoventricular, com prolongamento do intervalo Qt, ritmo idioventricular etaquicardia ventricular monomórfica ou polimórfica. O bloqueio dos canaiscardíacos de potássio e sódio fornece o substrato fisiopatológico para as anormalidadese as arritmias encontradas no eletrocardiograma (ECG).

Asconcentrações necessárias para bloquear esses canais são inatingíveis em dosespadrão, mas concentrações suficientemente altas são prontamente obtidas empacientes com overdose intencional de loperamida, especialmente no contexto deinibição concomitante da P-gp ou CYP3A4. A mediana da concentração séricaperiférica pós-morte de loperamida entre as 19 mortes que implicaram loperamidarelatadas na Carolina do Norte foi de 230µg/L.

 

Manejo

 

Oprognóstico da intoxicação pela loperamida é muito bom se o atendimento forrealizado prontamente. No caso das intoxicações agudas, a loperamida pode seradsorvida a carvão ativado, cuja utilização é aconselhável dentro de 2 a 4horas após uma grande overdose, desde que o estado mental do doente sejanormal.

Umajanela de administração prolongada é justificada em parte por causa do efeitoda loperamida no peristaltismo intestinal, particularmente em pacientes queingerem regularmente grandes quantidades de loperamida e podem já terconcentrações plasmáticas perigosamente elevadas. A descontaminaçãogastrintestinal não tem papel na ausência de superdosagem aguda.

Napresença de depressão respiratória ou sonolência acentuada que possa prejudicara proteção das vias aéreas, a naloxona deve ser administrada em adição aos cuidadosde suporte. Dada a possibilidade de abstinência de opioides, a menor doseefetiva de naloxona deve ser usada. O uso bem-sucedido de naloxona em doses de0,01 a 0,4mg foi descrito em alguns casos. A necessidade de doses repetidas denaloxona deve ser antecipada devido à lenta eliminação da loperamida.

Parapacientes com cardiotoxicidade pela loperamida, a terapia padrão de suportecardíaco avançado deve ser seguida em pacientes com parada cardíaca, incluindocardioversão ou desfibrilação para ritmos chocáveis e magnésio intravenoso parataquicardia ventricular polimórfica. Podem ser necessários choques repetidos,como relatado em um caso que requer cardioversão mais de 15 vezes.

Empacientes com intoxicação dos canais de sódio, o uso de bicarbonato de sódio érecomendado; também em pacientes com torsades de pointes, parece haverbenefício com a estimulação com Overdrive supression usando estimulaçãoelétrica transvenosa ou isoproterenol para suprimir a ectopia ventricular eprevenir disritmias recorrentes.

Oprolongamento do intervalo QT é mais provável do que o alargamento do intervaloQRS, dada a menor concentração de loperamida necessária para bloquear os canaiscardíacos de potássio. Embora não exista tratamento específico para oprolongamento do intervalo QT induzido por loperamida, é sensato garantir queoutros fatores reversíveis para prolongamento do intervalo QT (comohipocalemia, hipomagnesemia e outros medicamentos) tenham sido corrigidos.

Paraavaliar o alargamento do intervalo QRS causado pelo bloqueio do canal de sódioda loperamida, um teste com bicarbonato de sódio (1 a 2mEq/kg) é umaintervenção razoável, garantindo ventilação adequada. Como medicação lipofílica,altamente ligada a proteínas (97%), a loperamida não é apropriadamente depuradapela hemodiálise.

Noentanto, a emulsão lipídica intravenosa deve ser considerada em pacientes comcardiotoxicidade grave. A experiência publicada até o momento é limitada; a dosagemdeve ser individualizada e deve prosseguir com o reconhecimento de que aemulsão lipídica intravenosa pode ser ineficaz e não é desprovida de risco.

Aoxigenação extracorpórea por membrana venoarterial (ECMO) é outro potencialtratamento para pacientes com cardiotoxicidade grave por loperamida. Deve-seconsiderar a ECMO, se disponível, em pacientes com cardiotoxicidade grave porloperamida refratária a outras medidas. Em pacientes que sobrevivem àtoxicidade da loperamida, a atenção pode ser necessária ao risco de suicídio eem relação a possível dependência de opioides.

Asíncope inexplicada ou arritmias ventriculares, especialmente em pacientes comhistória de distúrbio de uso de opioides, devem levar os médicos a considerarema possibilidade de toxicidade por loperamida, particularmente quando oprolongamento do QT ou o alargamento do QRS for aparente.

 

Referências

 

1-WuPE. Loperamide toxicity. Ann EmergMed 2017 70(2); 245-252.

2- Eggleston W, Clark KH, Marraffa JM.Loperamide Abuse Associated With Cardiac Dysrhythmia and Death. AnnEmerg Med 2017; 69:83.

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