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Avaliação do Paciente Com Uropatia Obstrutiva

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 09/10/2020

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A uropatiaobstrutiva refere-se à interferência estrutural ou funcional no fluxo normal deurina. Pode se desenvolver em qualquer lugar, desde a pelve renal até a uretra.O aumento resultante da pressão no trato urinário proximal à obstrução leva avárias alterações estruturais e fisiológicas. O resultado anatômico do processoobstrutivo geralmente inclui dilatação dos cálculos renais e da pelve renal,denominada hidronefrose; se a obstrução é distal à junção ureteropélvica, édenominada hidroureter. A uropatia obstrutiva é causa comum de lesão renalaguda ou subaguda.

A uropatiaobstrutiva não tratada pode resultar em perda progressiva e irreversível dafunção renal e, eventualmente, doença renal em estágio terminal (DRCT). Noentanto, o reconhecimento e o tratamento precoces podem permitir umarecuperação renal potencialmente completa. A uropatia obstrutiva pode serclassificada em:

-aguda (horasa dias);

-subaguda (diasa semanas);

-crônica (mesesa anos).

 

Aobstrução pode ser unilateral ou bilateral, parcial ou completa. O médico deveestabelecer a gravidade e a cronicidade da condição para que a terapiaapropriada possa ser instituída. Isso é realizado por meio de uma análisecuidadosa da história e do exame físico, de testes laboratoriais apropriados e deestudos de imagem selecionados.

 

Epidemiologia

 

Aobstrução do trato urinário (OTU) é um problema comum, mas uma causarelativamente rara de lesão renal aguda (LRA) significativa, exceto empacientes com neoplasias malignas. A incidência de OTU varia consideravelmentecom a população de pacientes, e existem poucos dados publicados, sendo maiscomum em crianças do que entre adultos que apresentam sintomas do tratourinário. A OTU é mais comum entre homens do que entre mulheres, principalmentecom o avanço da idade dos homens, devido ao aumento da próstata.

 

Etiologia

 

AOTU pode ocorrer em qualquer lugar ao longo do trato urinário. As causas variam,em parte, com base na localização da obstrução.

-Obstruçãoquando no rim causa dilatação de cálices. As causas potenciais de obstruçãointrarrenal incluem cálculos renais, carcinoma de células de transição,coágulos sanguíneos e papilas descamadas.

-Obstruçãodistal da pelve renal causa hidronefrose. A obstrução ureteral pode resultar decálculos, carcinoma, compressão externa (tumores, linfonodos aumentados,fibrose retroperitoneal), coágulos sanguíneos e bola fúngica.

-Tumoresda bexiga podem obstruir um ou ambos os ureteres. As causas mais comuns deobstrução bilateral incluem obstrução da saída da bexiga (por aumento dapróstata ou das válvulas uretrais posteriores) e bexiga neurogênica. Nasmulheres, o câncer uterino, cervical ou ovariano deve ser considerado quando ahidronefrose unilateral ou bilateral for detectada.

 

Ascausas da OTU também variam com a idade do paciente. Anormalidades anatômicas(incluindo válvulas uretrais ou estenose e estenose na junção ureterovesical ouureteropélvica) são responsáveis ??pela maioria dos casos em crianças. Emcomparação, os cálculos são mais comuns em adultos jovens, enquanto ahipertrofia ou o carcinoma prostático, neoplasias retroperitoneais ou pélvicase cálculos são as principais causas em pacientes idosos.

 

Apresentação Clínica

 

Aapresentação clínica depende do local da obstrução, do grau de obstrução (i.e.,parcial ou completa) e da rapidez com que a obstrução se desenvolve. Em geral,os pacientes apresentam um ou mais dos seguintes sintomas e sinais:

 

?dor;

 

?diminuição ou aumento do volume urinário;

 

?hipertensão;

 

?hematúria;

 

?aumento da creatinina sérica.

 

Dornão está presente na maioria dos casos, mesmo em pacientes com obstrução aguda,e, quando presente, geralmente resulta de distensão da bexiga, infecçãosecundária, cálculos renais ou massas obstrutivas. A hidronefrose isoladamenteé quase sempre assintomática, e a dor deve levar em consideração diagnósticosadicionais, como cálculos, necrose papilar ou infecção.

No caso dauropatia obstrutiva aguda, os pacientes podem apresentar início abrupto de dorintensa no flanco (se a obstrução estiver no nível do ureter ou acima) ou dor eplenitude suprapúbica (se houver obstrução em nível inferior). A dor costumaser em cólica quando o processo intraluminal é causado por nefrolitíase ounecrose papilar. A dor pode ainda ser acompanhada por aumento de frequência eurgência urinárias, se houver obstrução parcial do trato urinário.Ocasionalmente, náuseas e até vômitos podem ocorrer quando há dor intensa.

Umahistória de anúria completa deve sempre alertar o médico sobre a possibilidadede obstrução, especialmente no contexto clínico apropriado, como em homem idosocom histórico de câncer de próstata ou hipertrofia prostática, mas volumeurinário normal não descarta a possibilidade de OTU. Apoliúria, mesmo na presença de taxa de filtração glomerular (TFG) reduzida,pode ocorrer por lesão tubular, com comprometimento da capacidade dos túbulosem reter sal e concentrar a urina. Além disso, a obstrução da uretra pode levarà distensão da bexiga e à incontinência por transbordamento, o que poderesultar em frequência, urgência, plenitude suprapúbica, noctúria e sensação depoliúria.

Podeocorrer hematúria grave quando a uropatia obstrutiva é causada pornefrolitíase, necrose papilar ou neoplasias do trato urinário. Raramente, ospacientes podem relatar a passagem de cálculos com a súbita melhora da dor apósesse evento. A história com obstrução subaguda ou crônica é frequentementenegativa. Os pacientes também podem se queixar de dificuldade em iniciar ouinterromper a micção, se houver obstrução da saída da bexiga. Ocasionalmente, aobstrução do trato urinário leva a infecção, como pielonefrite, acompanhada defebre alta, dor no flanco e disúria.

Ospacientes podem ser normotensos ou hipertensos. A hipertensão, quando presente,pode ser causada pela retenção de sal e água no cenário da oligoanúria ou pelaativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Se a hipertensão é devidaà retenção de volume, ela responde prontamente à restauração do fluxo urinário.

O examefísico pode ser muito informativo quando existe obstrução da bexiga. A bexigaaumentada pode ser detectada com palpação e percussão. Em casos raros, umamassa no flanco pode ser palpável, correspondendo a um rim hidronefrótico. Oaumento da próstata e outras patologias da próstata, como malignidade ouinfecção, podem ser detectados pelo exame retal. Em uma mulher idosa, um examepélvico cuidadoso deve ser realizado para identificar prolapso uterino grave.

O examefísico é limitado, no entanto, para detectar obstrução dos ureteres ou pelve dorim. Ocasionalmente, a hipertensão é causada por obstrução do trato urinário.Vários mecanismos foram propostos para esse desenvolvimento. Na obstruçãounilateral aguda, pode haver ativação do sistemarenina-angiotensina-aldosterona, com aumento da secreção de renina pelo rimobstruído.

 

Exames Complementares

 

Aavaliação laboratorial inicial pode fornecer pistas para a presença de uropatiaobstrutiva. O exame de urina pode revelar hematúria e leucocitúria. Pode haverevidência de comprometimento da função renal em pacientes com obstrução parcial,completa ou grave ou naqueles com obstrução de um rim solitário.

Aconcentração plasmática de creatinina é geralmente normal em pacientes comobstrução unilateral devido à presença do rim contralateral normal. No entanto,a obstrução renal unilateral pode, muito raramente, levar a anúria e LRA. Issofoi atribuído ao espasmo vascular ou ureteral. A acidose tubular renal comhipercalemia foi bem descrita com uropatia obstrutiva.

Em algunspacientes, os níveis de renina e aldosterona são reduzidos, e as anormalidadeseletrolíticas se resolvem em resposta a mineralocorticoides. Em outrospacientes, a lesão do túbulo distal diminui a reabsorção de sódio e a secreçãode potássio. A acidose hiperclorêmica é causada pela supressão da amoniogêneseinduzida pela hipercalemia e pela secreção de prótons diretamente prejudicada.

Aobstrução aguda causa aumento inicial no fluxo sanguíneo renal, mas logo éseguida por redução que é atribuída à vasoconstrição. Às vezes, isso podeaumentar a relação ureia/creatinina, semelhante à observada na azotemiapré-renal.

Aultrassonografia renal é o exame de escolha para diagnosticar a uropatiaobstrutiva. Essa modalidade evita exposição a radiocontraste IV e irradiaçãoionizante. Apresenta sensibilidade extremamente alta (> 95%) eespecificidade muito boa (75%) para o diagnóstico de hidronefrose. Emobstruções precoces (primeiros 1 a 3 dias), no entanto, a hidronefrose pode nãoocorrer. Uma desvantagem do exame é que o número de exames falso-positivos érelativamente alto, pois hidronefrose leve pode estar presente na ausência deobstrução. O grau de hidronefrose também nem sempre corresponde ao grau deobstrução.

Quando osresultados ultrassonográficos são inconclusivos, ou a suspeita de obstrução émuito alta, apesar de uma ultrassonografia não diagnóstica, a tomografiacomputadorizada (TC) deve ser realizada. A combinação de ultrassonografia renale TC dos rins estabelece o diagnóstico de uropatia obstrutiva na grande maioriados casos. Em alguns casos, é necessário estudo retrógrado ou nefrostomiapercutânea. Esses dois procedimentos são muito mais invasivos, mas não requeremmaterial de contraste intravenoso, têm rendimento diagnóstico alto e costumamtratar a obstrução. Sempre que houver alto grau de suspeita clínica deobstrução da bexiga, o cateterismo da bexiga, como procedimento diagnóstico eterapêutico, deve ser realizado.

Aressonância magnética (RM) pode ser uma alternativa à TC, uma vez que não expõeos pacientes à radiação e apresenta rendimento diagnóstico semelhante ao da TC,realizada com gadolínio ou sem. No entanto, cálculos urinários são poucovisualizados pela RM. Entre os pacientes com doença renal moderada a grave,particularmente aqueles que necessitam de diálise, a administração de gadolíniodurante a RM tem sido fortemente associada a fibrose sistêmica nefrogênica. Porisso, recomenda-se que a RM com gadolínio seja evitada, se possível, empacientes com taxa de filtração glomerular estimada < 30 mL/min. A opiniãodos especialistas difere quanto à exposição ou não de pacientes com TFG de 30 a60 mL/min ao gadolínio.

 

Classificação

 

Ahidronefrose pode ser classificada em:

-grau1: há separação mínima da gordura do seio central por fluido;

-grau2: a separação da gordura do seio pelo fluido se estende da área central em umpadrão ramificado e cálcico, mas não para o parênquima;

-grau3: é definido pela extensão ao parênquima e geralmente representa dilatação doscálices menores.

 

Essesistema de classificação raramente é de utilidade clínica. O grau 1 podeocorrer com obstrução significativa, enquanto o grau 3 pode ocorrer na ausênciade obstrução.

Éimportante o parênquima renal, pois o afinamento cortical geralmente indicaobstrução crônica. Um parênquima fino como papel indica obstrução duradoura,cujo alívio dificilmente melhora a função renal. O exemplo mais extremo disso éa obstrução ureteropélvica congênita, na qual o rim é reconhecível apenas comouma coleção de cistos.

 

Prognóstico e Recuperação da Função Renal

 

AOTU parcial completa ou prolongada pode levar a atrofia tubular, fibroseintersticial e, eventualmente, lesão renal irreversível. O prognóstico renalapós o alívio da obstrução depende de sua gravidade e duração. Com obstruçãoureteral total, por exemplo, há evidências de que a recuperação relativamentecompleta da TFG pode ser alcançada se a obstrução for aliviada dentro de umasemana, enquanto pouca ou nenhuma recuperação ocorrerá após 12 semanas.

Ocurso da obstrução parcial é menos previsível. Depende claramente da gravidadee duração da obstrução, bem como de outros fatores complicadores em potencial,como hipertensão, infecção ou doença renal pré-existente.

Omecanismo pelo qual a OTU leva a lesão renal irreversível e atrofia é poucoentendido. Após o início da obstrução, há aumento inicial da pressão proximal àobstrução devido à filtração glomerular contínua, o qual é eventualmenteresponsável pela dilatação dos sistemas coletores, que pode ser detectada porultrassonografia renal ou TC.

 

Aelevação da pressão também é transmitida de volta ao túbulo proximal,diminuindo, assim, a TFG ao neutralizar a alta pressão intraglomerular quenormalmente conduz à filtração glomerular. No entanto, o aumento da pressãointratubular induz vasoconstrição renal secundária e redução frequentementeacentuada no fluxo sanguíneo glomerular. Essa resposta é regulada localmentepor néfrons obstruídos individuais e é mediada, em parte, pela liberação deangiotensina II e tromboxanos. Pode ser vista como uma adaptação fisiológicaapropriada, uma vez que o aumento da resistência glomerular local afasta ofluxo sanguíneo dos néfrons não funcionais obstruídos.

Alesão renal pode ser devida tanto à isquemia quanto ao influxo de célulasinflamatórias. O rim obstruído parece liberar substâncias quimiotáticas paramonócitos e macrófagos. Essas células infiltradas podem liberar o fator decrescimento transformador beta (TGF-beta) e outras citocinas, proteases eradicais livres de oxigênio, que podem contribuir para lesão tubular e fibrose.

Acintilografia de radionuclídeos e a ultrassonografia renal foram usadas natentativa de prever a probabilidade de recuperação funcional. Achadosprognósticos adversos que se acredita serem indicativos de doença grave egeralmente irreversível incluem a não visualização total na tomografia renal eafinamento cortical acentuado na ultrassonografia.

Amaior parte da recuperação funcional será geralmente observada nos primeiros 7a 10 dias após o alívio da obstrução. No entanto, alguns pacientes cominsuficiência renal grave podem, após o alívio da obstrução, necessitar dediálise por um período de semanas, até que ocorra melhora suficiente parapermitir a interrupção da diálise. Apenas recuperação parcial é observada nessecenário, com a concentração plasmática de creatinina geralmente seestabilizando em um valor acima de 3 mg/dL (264 micromol/L).

Alémda redução persistente da TFG, a função tubular também pode ser prejudicada porobstrução crônica. Isso pode se manifestar por poliúria devida à diminuição dacapacidade de concentração.

 

 

Bibliografia

 

1-Emmet M,Fenves AZ, Schwartz JC. Aproach to thepatient with kidney disease. Brenner and Rector?s The Kidney 2016.

2-- Lameire N, Van Biesen W, Vanholder R. Acute renalfailure. Lancet 2005; 365:417.

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