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Pancreatite Autoimune

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 08/03/2021

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Apancreatite autoimune é um distúrbio raro de causa autoimune presumida comachados bioquímicos, histológicos e morfológicos característicos. Foi descritacomo um distúrbio pancreático primário e está associada a outros distúrbios deetiologia autoimune presumida, incluindo colangite esclerosante primária,cirrose biliar primária, fibrose retroperitoneal, artrite reumatoide e síndromede Sjögren. Como resultado, foi proposto que a pancreatite autoimune representauma doença autoimune sistêmica associada a IgG4. A doença também é chamada depancreatite esclerosante, pancreatite tumefativa ou pancreatite não alcoólicadestrutiva.

 

Achados Histopatológicos

 

Achadoscaracterísticos incluem extensos infiltrados linfoplasmocíticos com fibrosedensa e infiltração de leucócitos polimorfonucleares que se estendem por viatransmural, resultando em vasculite obliterativa. As células inflamatórias seagrupam nas paredes de pequenas veias e nervos. Vários graus de atrofia doparênquima pancreático podem estar presentes, e as ilhotas podem estarenvolvidas com fibrose intralobular. É importante ressaltar que os ductospancreáticos não exibem calcificação ou obstrução, mas são estenosados.

Apancreatite autoimune pode ser classificada como tipo 1 e tipo 2 com base empadrões histológicos e perfis clínicos. A pancreatite autoimune do tipo 1 écaracterizada por > 10 células plasmocitárias IgG4 e pancreatitelinfoplasmocítica esclerosante com infiltrado linfoplasmocitário periductal,flebite obliterativa e fibrose densa. A pancreatite autoimune do tipo 2, pancreatiteductal central, ou idiopática, é caracterizada por uma lesão epitelialgranulocítica com células plasmáticas IgG4 mínimas no parênquima pancreático.Em um estudo com 97 pacientes com pancreatite autoimune, foram encontrados quepacientes com a doença do tipo 1 apresentam alta taxa de recidiva (47%) emcomparação com pacientes com a doença do tipo 2 (0%). Os pacientes com doençado tipo 1 mais frequentemente apresentam doença inflamatória intestinal.

 

 

Achados Clínicos

 

Sintomasleves, geralmente dor abdominal, estão presentes, mas ataques de pancreatiteaguda são incomuns. Além disso, a pancreatite autoimune não é uma causa comumde pancreatite recorrente idiopática. Nos Estados Unidos, 50 a 65% dospacientes com pancreatite autoimune apresentam icterícia obstrutiva. Perda depeso e aparecimento de diabetes também podem ocorrer. Pacientes que têmcondições autoimunes associadas têm características clínicas correspondentes.Nesse sentido, síndrome de Sjögren, artrite reumatoide, fibroseretroperitoneal, colite ulcerosa, tireoidite autoimune, nefrite tubulointersticiale adenopatia mediastinal foram relatadas em pacientes com pancreatite autoimune.

Cerca de 85%dos pacientes apresentam aumento do pâncreas, que pode ser confundido com massapancreática. Os pacientes podem ter episódios de dor abdominal geralmente leveassociados a ataques agudos de pancreatite, mas esses ataques não sãofrequentes. Cerca de 25% dos pacientes apresentam pancreatite crônica.

A forma deapresentação mais comum é icterícia obstrutiva, que ocorre em pelo menos 35%dos casos, e os exames mostram um padrão de colestase.

 

Exames Complementares

 

Um padrãode colestase nos testes hepáticos é comum, com fosfatase alcalina séricadesproporcionalmente elevada e aminotransferases séricas minimamente elevadas.

Aconcentração sérica de IgG4 elevada é um importante marcador da doença, evalores maiores que duas vezes o limite superior da normalidade são sugestivos dodiagnóstico. A IgG4 sérica normalmente responde por apenas 5 a 6% do total deIgG4 em pacientes saudáveis, mas essa proporção é elevada nos pacientes compancreatite autoimune.

Em umestudo, a mediana da concentração sérica de IgG nos pacientes com pancreatiteautoimune foi de 663 mg/dL em comparação com 51 mg/dL em controles saudáveis (valoresnormais variaram de 8 a 140 mg/dL) em um estudo. Usando um ponto de corte de280 mg/dL, a sensibilidade e a especificidade do valor sérico de IgG4 paradistinguir a pancreatite autoimune do câncer de pâncreas foram de 95 a 97%.Usando um ponto de corte de 135 mg/dL, a sensibilidade e a especificidade emdiferenciar pancreatite autoimune e carcinoma de pâncreas foram de 95 e 97% emoutro estudo.

Também foidemonstrado que os níveis de IgG4 podem diminuir durante o tratamento com corticosteroides,e isso pode ser usado como parâmetro para acompanhar a resposta dos pacientes aessa terapia. Essas e outras observações sugerem que os níveis séricos de IgG4podem ser úteis para distinguir a pancreatite autoimune do câncer de pâncreas.Além disso, outros anticorpos, como anticorpos antinucleares e fator reumatoide,podem estar presentes.

Anticorposcontra o peptídeo da proteína de ligação ao plasminogênio (PBP) foramdetectados em 19 de 20 pacientes com pancreatite autoimune (95%) em um estudo,mas também foram encontrados em 4 de 40 pacientes com câncer de pâncreas (10%);assim o exame, apesar de sensível, não é específico. A reatividade não foidetectada em pacientes com pancreatite crônica induzida por álcool ouneoplasias mucinosas papilares intraductais. Embora o anticorpo tenha sidodetectado na maioria dos pacientes com pancreatite autoimune, também foiencontrado em 10% dos pacientes com câncer de pâncreas, tornando-o um testeimperfeito para distinguir essas duas condições. Anticorpos contra a anidrasecarbônica são descritos em 30 a 60% dos casos, e anticorpos contra alactoferrina são descritos em 50 a 75% dos pacientes.

Anormalidadespancreáticas estão presentes na maioria dos pacientes e incluem aumento difuso,aumento focal e distinto aumento na cabeça do pâncreas. O realce pancreático naimagem costuma estar atrasado ou pode não ocorrer; linfonodos pancreáticosaumentados foram observados.

Acolangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) ou a colangioressonância magnéticarevelam estenoses no ducto biliar em mais de um terço dos pacientes compancreatite autoimune; podem ocorrer estenoses comuns do ducto biliar,estenoses intra-hepáticas ou do ducto biliar proximal, acompanhadas de estenosedo ducto biliar pancreático. O realce na borda da cabeça do pâncreas pode serencontrado no exame de ressonância magnética (RM). O ultrassom endoscópico estásendo cada vez mais utilizado para o diagnóstico de pancreatite autoimune, e osachados característicos parecem ser aumento difuso do pâncreas e massas hipoecoicasirregulares focais.

 

Sãoachados que sugerem o diagnóstico:

 -níveisaumentados de globulina IgG sérica, especialmente IgG4;

-presença deoutros autoanticorpos como o fator reumatoide;

-associaçãocom outras doenças autoimunes, como síndrome de Sjögren,

colangiteesclerosante primária, retocolite ulcerativa, artrite reumatoide,

tireoiditeautoimune, nefrite tubulointersticial.

 

Alémdesses achados, o pâncreas apresenta edema significativo, com dificuldade emdiferenciar estruturas do pâncreas, ducto biliar e ductos intra-hepáticos; nãohá calcificações ou cálculos; e as biópsias pancreáticas apresentam fibroseintensiva e infiltrado linfoplasmocitário. Corticosteroides são eficazes emtodos os sintomas, diminuindo o tamanho do pâncreas e revertendo alteraçõeshistopatológicas.

 

Diagnóstico e Diagnóstico Diferencial

 

A pancreatiteautoimune deve ser considerada no diagnóstico diferencial de pacientes commanifestações de icterícia obstrutiva e doença pancreática. A Mayo Clinic sugereque a pancreatite autoimune pode ser diagnosticada com pelo menos uma das trêsanormalidades:

 

1-histologiadiagnóstica;

2-achadoscaracterísticos da tomografia computadorizada (TC) e da colangiopancreatografiaassociados a níveis elevados de IgG4; e

3-respostaà terapia com corticosteroides, com melhora nas manifestações pancreáticas eextra-pancreáticas.

 

A pancreatiteautoimune apresenta características que imitam o câncer de pâncreas, incluindouma massa na cabeça do pâncreas. Embora a pancreatite autoimune sejadiagnosticada com muito menos frequência do que o câncer de pâncreas, énecessário fazer o diagnóstico correto para evitar as consequências decirurgias desnecessárias. A resposta aos glicocorticoides em um período de 2 a4 semanas é um parâmetro importante pelo qual o diagnóstico de pancreatiteautoimune pode ser realizado. Uma característica da pancreatite autoimune é orealce da cabeça do pâncreas na ressonância magnética. O ultrassom endoscópicotambém está sendo usado para diagnosticar pancreatite autoimune.

A colangiteassociada à IgG4 (IAC) pode imitar a colangite esclerosante primária, ela é amanifestação biliar de uma doença fibrosante e inflamatória multissistêmica queresponde a corticosteroides (isto é, pancreatite autoimune). Os órgãos afetadostêm um infiltrado linfoplasmocítico rico em células IgG4-positivas. As estenosesdo ducto biliar nesse caso, comuns, com estenoses intrapancreáticas isoladas aparecemem 51% dos pacientes, estenoses proximais extra-hepáticas ou intra-hepáticas emaparecem em 49%.

 

Tratamento

 

Osglicocorticoides são, no momento, a principal arma terapêutica para apancreatite autoimune. Apresentam eficácia no alívio dos sintomas, na diminuiçãodo tamanho do pâncreas e na reversão das características histopatológicas empacientes com pancreatite autoimune com boa resposta em 50 a 70% dos casos. Ospacientes podem responder drasticamente à terapia com corticosteroides dentrode um período de 2 a 4 semanas. A prednisona é geralmente administrada em umadose inicial de 40 mg/dia por 4 semanas, seguida de redução gradual da dosediária em 5 mg/semana, com base no monitoramento dos parâmetros clínicos. Oalívio dos sintomas, alterações seriadas na imagem abdominal do pâncreas e dos ductosbiliares, a diminuição dos níveis séricos de ?-globulina e de IgG4 e a melhoranos exames hepáticos são parâmetros sugeridos a seguir. Má resposta aos corticosteroidesdurante um período de 2 a 4 semanas aumenta a suspeita de câncer de pâncreas oude outras formas de pancreatite crônica. A duração média do tratamento é de 12semanas.

Em umestudo da Mayo Clinic, foi avaliado o tratamento por duas semanas com glicocorticoidesem 22 pacientes que tiveram achados atípicos de imagem para pancreatiteautoimune e não atenderam aos critérios característicos de imagem para câncerde pâncreas. Todos os pacientes receberam prednisolona (0,5 mg/kg/dia). Nasegunda semana, a resposta aos corticosteroides foi definida como redução namassa pancreática e melhora acentuada na estenose do ducto pancreático. Todosos 15 pacientes que responderam foram confirmados como tendo pancreatiteautoimune, enquanto a presença de câncer de pâncreas foi confirmada na operaçãoem 6 dos 7 pacientes que não responderam. Cerca de 25% dos pacientes precisamde um segundo ciclo de tratamento, enquanto um número menor exige tratamento demanutenção com prednisona na dose de 5 a 10 mg/dia.

Váriosestudos recentes relataram o uso de drogas imunomoduladoras (azatioprina,micofenolato, mofetil, ciclofosfamida) em pacientes com pancreatite autoimune.Em um estudo de Sandanayake e colaboradores, em 10 de 13 pacientes tratados comazatioprina, a remissão foi alcançada e mantida em 7 pacientes com monoterapiacom azatioprina em um seguimento médio de 14 meses.

O sucessodo tratamento com rituximab, um anticorpo monoclonal, foi relatado em doispacientes com pancreatite autoimune, um dos quais refratário ao glicocorticoidee 6-mercapto-purina.

Hart ecolaboradores realizaram um estudo de longo prazo, multicêntrico, paradescrever os resultados a longo prazo, os órgãos envolvidos, o tratamento, afrequência de recidivas e as sequelas de longo prazo em 1.064 pacientes compancreatite autoimune. Vinte e três instituições de 10 países participaram daanálise. Dos 1.064 pacientes, 978 apresentaram pancreatite autoimune do tipo 1,e 86 tiveram pancreatite autoimune do tipo 2. Remissão foi obtida em 681 de 684pacientes (99,6% dos pacientes) com pancreatite autoimune tipo do 1 e em 48 de52 pacientes (92,37%) do tipo 2. No entanto, a recidiva da doença ocorreu em245 dos 684 pacientes com o tipo 1 (35,8%) em comparação com apenas 8 dos 52pacientes com o tipo 2 (15,3%). Os corticosteroides foram bem-sucedidos notratamento de recidivas em 201 de 295 pacientes, e a azatioprina foi bem-sucedidaem 52 de 58 pacientes. Um pequeno número de pacientes respondeu a6-mercaptopurina, rituximab, ciclosporina ou ciclofosfamida.

Apesar dasaltas taxas de resposta inicial, o diagnóstico de pancreatite autoimune precisaser acompanhado de perto devido ao risco significativo de recidiva. A maioriadas recidivas ocorre após a interrupção dos corticosteroides. O aparecimento deneoplasias após diagnóstico de pancreatite autoimune é incomum.

 

 

Bibliografia

 

1-Greenberger N. Autoimmune pancreatitis. CurrentDiagnosis and Treatment Gastroenterology 2020.

2-Finkelberg DL, Sahani D, Deshpande V, et al. Pancreatiteautoimune. N Engl J Med. 2006; 355: 2670?2676. [PMID: 17182992]

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