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Emergências no Paciente Transplantado Cardíaco

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 19/04/2021

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Desde oprimeiro transplante cardíaco bem-sucedido realizado por Barnard em 1967, onúmero anual de receptores de transplante cardíaco tem crescido constantemente.Atualmente, mais de 5.000 transplantes cardíacos são realizados em todo o mundo,com melhora nas técnicas cirúrgicas, medicamentos imunossupressores,reconhecimento de complicações e vigilância e tratamento da rejeição. Ameia-vida de um transplante cardíaco aumentou de 5 anos nos anos de 1980 paramais de 10 anos em 2001. A sobrevida mediana atual de um paciente comtransplante cardíaco varia de 10 a 13 anos. Os pacientes submetidos atransplante cardíaco vivem mais, mas muitos desenvolvem complicações com aterapia medicamentosa, rejeição, infecção e vasculopatia do enxerto. Pacientestransplantados cardíacos com doença aguda são frequentemente encaminhados paraserviços de emergência para avaliação, e, por isso, é fundamental que o médico emergencistatenha conhecimento sobre o manejo dessa população especial de pacientes.

 

Fisiologia

 

O coraçãotransplantado é um órgão denervado, sem inervação simpática ou parassimpática.A perda do tônus ??vagal resulta em frequência cardíaca em repouso entre 90 e100 batimentos/minuto e predispõe esses pacientes a incidências altas dearritmias. A denervação também resulta em resposta tardia quando sãonecessários aumentos no débito cardíaco, como durante o esforço ou estresse. Devidoà perda de inervação autônoma do nervo, o paciente com transplante cardíacoestá predisposto a arritmias.

Embora ainervação autônoma do nervo seja perdida, a função cardíaca intrínseca épreservada. O coração transplantado permanece sensível a mudanças nas condiçõesde preenchimento. De fato, a preservação da relação volume-pressão deFrank-Starling é fundamental para alterar a contratilidade.

Os doisprocedimentos cirúrgicos mais comuns para transplante cardíaco ortotópico sãoas técnicas biatrial e bicaval. Em ambos, o átrio esquerdo do doador é suturadoa um remanescente do átrio esquerdo do receptor, que contém as veiaspulmonares. Na técnica biatrial, preserva-se todo o átrio direito do doador; jáa técnica bicaval diminui a incidência de arritmias atriais, melhora a funçãoatrial e diminui a necessidade de um marca-passo permanente.

Paraprevenir ou limitar a rejeição do coração transplantado, os pacientes sãosubmetidos a esquemas complexos de medicamentos imunossupressores. Essesregimes são divididos em três categorias: terapia de indução, manutenção erejeição. É improvável que um médico emergencista encontre um pacienterecebendo medicamentos de indução, porque esses medicamentos são administradosno pré-operatório e no pós-operatório imediato antes da alta hospitalar. Noentanto, pacientes agudos que se apresentam ao departamento de emergência devemreceber medicamentos imunossupressores de manutenção. Esses regimes demanutenção geralmente consistem em um corticosteroide, um inibidor dacalcineurina e um agente antiproliferativo.

Os corticosteroidescausam depleção de linfócitos, enquanto os inibidores da calcineurina bloqueiama ação da calcineurina, um participante essencial na ativação das células T. Osdois inibidores mais comuns da calcineurina usados na prática clínica são aciclosporina e o tacrolimus. Devido à sua menor incidência de efeitoscolaterais, o tacrolimus é o inibidor preferido. Agentes antiproliferativos inibema proliferação de células T ou B ativadas. O agente antiproliferativo maiscomum usado em regimes de manutenção é o micofenolato de mofetila. Esse compostoé hidrolisado em ácido micofenólico, que bloqueia a síntese de purinas e impedea proliferação de células T e B. O sirolimus é um medicamento imunossupressormais recente que inibe a ativação das células T após estimulação pelainterleucina. O sirolimus é utilizado principalmente em regimes de manutençãopara reduzir a dose do tacrolimus ou da ciclosporina quando a nefrotoxicidade ocorre.

Os médicosemergencistas devem ser capazes de reconhecer os efeitos adversos dessesmedicamentos. É igualmente importante saber quais medicações usadas nodepartamento de emergência afetam o nível de imunossupressão. Entre esses efeitosadversos, temos:

 

-Ciclosporina:hirsutismo, hipertrofia gengival, cãibras, acne, tremores, HAS e elevaçãoreversível da creatinina. Na monitorização, devem-se avaliar a pressão arteriale a creatinina (tolerar no máximo até 30% de elevação da creatinina basal do indivíduo).Ambulatorialmente, devem-se dosar colesterol e eletrólitos.

-Tacrolimus:arritmias, insuficiência cardíaca, angina de peito, agitação, amnésia,encefalopatia, acidose metabólica, albuminúria, insuficiência renal, infecções.

-Sirolimus:edema periférico, hipertensão arterial, TVP, TEP, dor torácica,hipertrigliceridemia, dislipidemia, hipervolemia e aumento de risco deinfecções, em particular infecção urinária.

-Corticosteroides:HAS, hipotensão, retenção hídrica, extrassístoles, ritmo juncional, bradicardiasinusal, rubor facial, convulsão, euforia, alucinações e cefaleia; raramente,EAP e até morte súbita.

 

Rejeição Aguda

 

A rejeiçãoaguda ocorre em até 40% dos pacientes durante o primeiro ano após a cirurgia eé uma das principais causas de morte, embora séries recentes tragam númerospróximos de 12%. Os episódios de rejeição aguda são classificados comocelulares ou humorais.

A rejeiçãocelular aguda, a forma mais comum, é mediada por células. Geralmente ocorre nasprimeiras semanas a meses após a cirurgia e é assintomática em alguns pacientes,sendo mais frequente em pacientes jovens, mulheres e indivíduos de etnia negra.

A rejeiçãohumoral aguda ocorre nos primeiros meses após a cirurgia e é mediada poranticorpos direcionados contra antígenos HLA doadores. Essencialmente, oscomplexos de anticorpos se depositam no endotélio vascular do coraçãotransplantado, causando lesão dos vasos e trombose. Embora a rejeição humoralrepresente menos de 20% dos casos, apresenta risco muito maior de falha doenxerto e morte em comparação com a rejeição celular.

Aapresentação clínica da rejeição aguda pode variar de nenhum sintoma a mortesúbita, e a maioria dos diagnósticos ocorre por biópsia endomiocárdica. Ossintomas iniciais geralmente são inespecíficos e incluem febre, mialgias,náusea, vômito, dispneia, ganho de peso e edema periférico. Os pacientes tambémpodem apresentar bradicardia, fibrilação atrial ou flutter atrial, dispneia,ortopneia e síncope ou pré-síncope. O médico emergencista deve suspeitar derejeição aguda em qualquer paciente transplantado com fibrilação atrial ou flutteratrial. Em casos raros, os pacientes apresentam hipotensão, choque cardiogênicoou morte súbita. Essas apresentações drásticas são vistas com mais frequênciacom rejeição humoral aguda.

A biópsiado endomiocárdio do ventrículo direito permanece o padrão-ouro para odiagnóstico de rejeição aguda. Exames laboratoriais avaliando as concentraçõesde BNP, troponina I, troponina T e proteína C reativa não são confiáveis e,portanto, não são úteis na avaliação de pacientes com suspeita de rejeiçãoaguda. O ecocardiograma transtorácico pode ser útil em certos pacientes,demonstrando disfunção sistólica ou diastólica. Infelizmente, esses achados sãoinsensíveis e inespecíficos. Portanto, o uso da ecocardiografia não érecomendado para o diagnóstico de rejeição aguda. A biópsia endomiocárdica érealizada rotineira e periodicamente após transplante cardíaco, inicialmente acada 4 semanas, com aumento do período interbiópsias para 3 a 4 meses até osegundo ano, após transplante cardíaco. Durante a pandemia de Covid-19, tem-serecomendado aumentar esses períodos ou até mesmo considerar evitar biópsias,exceto se paciente com sintomas de rejeição aguda.

Otratamento do paciente com rejeição aguda depende do episódio ? se mediadocelular ou humoralmente. Pacientes sintomáticos com rejeição celular agudadevem receber terapia com corticosteroides em altas doses. É possíveladministrar metilprednisolona (250 a 1.000 mg/dia) ou prednisona (1 a 3 mg/kg/dia).Pacientes com comprometimento hemodinâmico com rejeição celular aguda podemreceber globulina antitimócito (mas essa terapia raramente é iniciada nodepartamento de emergência). Outras opções incluem anticorpos monoclonaiscontra OKT3.

Pacientessintomáticos com rejeição humoral aguda também são tratados comcorticosteroides em altas doses. Terapias adicionais para pacientes comrejeição humoral incluem plasmaférese e imunoglobulina intravenosa. Otratamento do comprometimento hemodinâmico pela rejeição aguda é similar ao realizadoem outros pacientes.

 

Infecção

 

Asinfecções continuam sendo causa significativa de morbimortalidade em pacientesapós transplante cardíaco. De fato, as infecções são a causa mais comum demorte após o primeiro ano do transplante. Elas podem ser classificadas deacordo com o tempo do transplante. Aquelas que ocorrem no primeiro mês após otransplante geralmente são causadas por organismos nosocomiais que seestabelecem nos locais cirúrgicos, em cateteres de longa permanência ou emassociação com ventilação mecânica.

Os organismosmais comumente responsáveis ??por essas infecções precoces são Staphylococcusaureus, Pseudomonas aeruginosa e membros da família Enterobacteriaceae. Asinfecções que ocorrem 1 a 6 meses após o transplante são geralmente causadaspor organismos oportunistas, como citomegalovírus (CMV), vírus herpes simples, Pneumocystisjirovecii, Listeria, Nocardia, Toxoplasma gondii, espécies de Candida,Cryptococcus e Aspergillus. Desses organismos, o CMV continua sendo causasignificativa de morbimortalidade entre esses pacientes. É fundamental manter altograu de suspeita de infecção por CMV em qualquer paciente atendido nodepartamento de emergência nos primeiros meses após o transplante cardíaco. Asmanifestações clínicas da infecção por CMV variam de sinais e sintomas leves(febre, mialgia e mal-estar) a insuficiência respiratória com risco de vida(pneumonite). Sinais adicionais de infecção por CMV incluem hepatite,leucopenia e trombocitopenia.

 

Arritmias

 

1-Bradicardia

 

A maioriados médicos define bradicardia nesse grupo especial de pacientes como frequênciacardíaca inferior a 80 batimentos/minuto. Até 40% desses pacientes apresentambradiarritmia. A disfunção do nó sinusal é a causa mais comum de bradicardia nopaciente transplantado cardíaco, seguida da bradicardia juncional e de bloqueiosatrioventriculares. Como o coração transplantado é um órgão desnervado, aatropina é ineficaz no aumento da frequência cardíaca. Para o pacientetransplantado que é hemodinamicamente instável secundário à bradicardia, o isoproterenolpode ser administrado enquanto os preparativos são feitos para iniciar aestimulação. A maioria desses pacientes necessitará de marca-passo permanente.Qualquer paciente com bradiarritmia mais de duas semanas após a cirurgia requerbiópsia para avaliar rejeição aguda.

 

2-Fibrilaçãoatrial e flutter atrial

 

Tanto afibrilação atrial quanto o flutter atrial estão associados à rejeição aguda erequerem tratamento imediato. Como ocorre no manejo de pacientes nãotransplantados, pacientes hemodinamicamente instáveis com transplantecardíaco que desenvolvem fibrilação atrial ou flutter atrial devem sersubmetidos à cardioversão elétrica. Para pacientes estáveis, o controle dafrequência pode ser tentado com betabloqueadores, bloqueadores dos canais decálcio ou amiodarona. Os betabloqueadores são preferidos devido ao aumento dasensibilidade do coração transplantado aos agentes adrenérgicos. Diltiazem everapamil, medicamentos comumente usados para controle de frequência nopaciente não transplantado, devem ser usados com cautela em pacientes comtransplante cardíaco, porque esses medicamentos podem interagir commedicamentos imunossupressores e afetar o nível de imunossupressão.

 

3-TaquicardiaAV por reentrada nodal (TAVRN)

 

Pacientestransplantados apresentam risco aumentado de TAVRN. Pacientes hemodinamicamenteinstáveis com TAVRN devem ser tratados com cardioversão elétrica. Parapacientes estáveis, a adenosina continua sendo a droga de escolha; no entanto,deve ser administrada com metade da dose administrada a pacientes nãotransplantados, devido ao aumento da sensibilidade do coração transplantado àadenosina. A digoxina e as manobras vagais são ineficazes no tratamento da TAVRNem um coração transplantado (desnervado); portanto, seu uso não é recomendado.

 

4-Taquicardiaventricular e fibrilação ventricular

 

Felizmente,a incidência de arritmias ventriculares malignas em pacientes com coraçãotransplantado diminuiu nos últimos anos. O tratamento de taquicardiaventricular ou fibrilação ventricular nesses pacientes permanece o mesmo que empacientes não transplantados e inclui desfibrilação, cardioversão e medicaçãoantiarrítmica. Tanto a procainamida como a amiodarona podem ser administradascom segurança ao receptor do transplante.

 

Vasculopatia do Aloenxerto

 

Avasculopatia do aloenxerto cardíaco (VAE) é uma aterosclerose rapidamenteprogressiva, que é a causa mais comum de disfunção tardia do transplante. A VAEpode ocorrer 3 meses após o transplante e é encontrada em até um terço dospacientes em 5 anos. A VAE é causada por uma variedade de mecanismosimunológicos e não imunológicos que resultam em proliferação íntimageneralizada do endotélio vascular do enxerto. Em contraste com as lesõesexcêntricas e discretas da doença aterosclerótica, a VAE causa estreitamento generalizadoe concêntrico ao longo de todo o comprimento do vaso coronário. Como resultado,a angiografia coronariana tradicional geralmente subestima a extensão dadoença. Dada sua capacidade de detectar doença concêntrica, a ultrassonografiaintravascular é atualmente a modalidade de imagem recomendada para odiagnóstico de VAE. Para centros que não têm capacidade de realizarultrassonografia intravascular, o ecocardiograma sob estresse com dobutaminapode ser útil e é recomendado como um teste não invasivo e sensível paradetectar VAE. Para os poucos pacientes com lesões favoráveis, a angiografia coronarianapercutânea com colocação de stent ou revascularização do miocárdio pode serbenéfica. Para a maioria dos pacientes, no entanto, essas terapias sãoineficazes, portanto o tratamento consiste principalmente no controle estritodos fatores de risco.

Sãofatores de risco para vasculopatia do aloenxerto cardíaco:

-doençaarterial coronariana anterior;

-rejeiçãocelular;

-diabetes;

-hiperlipidemia;

-hipertensão;

-obesidade;

-tabagismo.

 

Pacientesque receberam transplante cardíaco e pacientes com hipertensão pulmonar sãoalgumas das populações mais desafiadoras para um médico emergencista. Ambas aspopulações de pacientes têm fisiologia alterada, estão em regimes complexos demedicação e podem deteriorar-se rapidamente durante o curso de uma avaliação dodepartamento de emergência.

 

Bibliografia

 

1-CardiacTransplant in Amal Mattu in Cardiovascular Emergencies 2018.

2-Khush KK,Cherikh WS, Chambers DC, et al. The International Thoracic Organ Transplant Registryof the International Society for Heart and Lung Transplantation: Thirty-fifthAdult Heart Transplantation Report-2018; Focus Theme: MultiorganTransplantation. J Heart Lung Transplant 2018; 37:1155.

3- KobashigawaJ, Zuckermann A, Macdonald P, et al. Report from a consensus conference onprimary graft dysfunction after cardiac transplantation. J Heart LungTransplant 2014; 33:327.

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