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Ataque Isquêmico Transitório

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 25/08/2021

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O acidentevascular cerebral (AVC) é a quinta maior causa de morte nos Estados Unidos e,no Brasil, supera as doenças cardiovasculares como causa de morte.

O acidenteisquêmico transitório (AIT), apesar de por definição ser associado com reversãocompleta do déficit, é associado com risco significativo de AVC recorrente. Aproximadamente300.000 pacientes são tratados anualmente nos departamentos de emergência (DE) dosEstados Unidos devido a AIT; caso não tratados precocemente, evoluem em 7,5 a17,4% dos casos com AVC.

Aexpressão ?acidente isquêmico transitório? foi utilizada pela primeira vez em 1975,com a definição histórica de sintomas neurológicos focais com uma causavascular, com duração de menos de 24 horas. Atualmente, AIT é definido como ?umepisódio transitório de disfunção neurológica causada por isquemia focal emcérebro ou medula espinhal ou isquemia ou retiniana??. Apesar da reversão dosdéficits neurológicos, alguns pacientes apresentam imagem de isquemia em examesde ressonância e tomografia computadorizada de crânio. Assim, para definir opaciente como apresentando AIT, também é necessária a ausência de imagem deisquemia cerebral.

Nasúltimas duas décadas, importantes pesquisas sobre o AIT foram publicadas. Amaioria dos estudos sobre AIT ainda utiliza a definição histórica, e muitoscombinam pacientes com AIT e AVC isquêmico menor (geralmente definido como AVCque deixa um paciente sem déficit significativo e incapacitante) porque aabordagem clínica para diagnóstico e tratamento em ambos grupos é similar, e orisco de AVC recorrente também é parecido.

O AIT éconsiderado uma emergência neurológica, pois rápidas intervenções podem evitaraté 80% de eventos cerebrovasculares. Existe grande discussão na literatura sobrese pacientes com AIT têm necessidade de internação hospitalar ou se o manejopode ser ambulatorial. De qualquer forma, existe pouca dúvida de que medidasprecoces devem ser instituídas nesses pacientes.

 

Diagnóstico Clínico

 

Pacientescom AIT geralmente apresentam início abrupto de sintomas neurológicos focais,com duração menor que 1 hora. Em um estudo com 1.328 pacientes com AIT, aduração média foi de 14 minutos para eventos carotídeos e de 8 minutos paraeventos vertebrobasilares. Em outro estudo, com 382 pacientes, 60% dos sintomasdesapareceram em 1 hora. O diagnóstico de eventos transitórios no AIT costumaser baseado inteiramente na história do paciente. O resultado do exameneurológico com frequência é normal, e não existem biomarcadores úteis. Se osachados neurológicos persistirem, trata-se como AVC. Outras condições, comoenxaqueca, convulsões e condições vestibulares periféricas, podem mimetizar oAIT.

Odiagnóstico errôneo no DE ocorre em até 60% dos casos. Os fatores associados aodiagnóstico incorreto são início gradual, ataques inexplicáveis ??anteriores desintomas neurológicos e sintomas ?não específicos?. Em um estudo com 429pacientes com ?AIT?, posteriormente avaliados por neurologista, 41% receberamdiagnóstico discordante, associado à presença de cefaleia, movimentoinvoluntário e tontura.

Aconcordância entre diferentes médicos sobre o diagnóstico de AIT é pobre mesmoentre neurologistas treinados em avaliação de pacientes com suspeita de AVC. Umsintoma muito frequente são episódios de vertigem não rotatória, que chegam aocorrer em até 50% dos casos em pacientes com eventos em circulação cerebralposterior.

Em umestudo com mais de 1.800 pacientes com AIT provável ou definitivo, cerca de 10%apresentaram sintomas atípicos isolados, como diplopia, disartria, tontura,sintomas sensoriais em um único membro ou em hemiface, 18% dos pacientesapresentaram uma fonte embólica importante, e 5,6% apresentaram estenosearterial de grau elevado.

Sintomasinespecíficos de hipoperfusão cerebral global, como síncope, perda deconsciência, fraqueza generalizada, tontura vaga ou estado mental alterado,raramente são decorrentes de AIT. Os sintomas que se localizam na circulaçãoposterior (por exemplo, tontura) geralmente não se lateralizam para um lado docorpo.

 

Estratificação de Risco

 

O primeiropasso na estratificação de risco é a avaliação inicial, que, inclusive, ajudatomar decisões como a necessidade ou não de internação hospitalar. A história, oexame físico e exames básicos como glicemia e eletrocardiograma (ECG) podemidentificar pacientes de alto risco.

Aferramenta de estratificação de risco formal mais comumente usada, a escalaABCD2, foi incorporada às diretrizes da American Heart Association parahospitalização de pacientes com AIT. A escala inclui os seguintes itens:

 

Idade >60 anos: 1 ponto

Pressãoarterial > 140/90 mmHg: 1 ponto

Fraquezaunilateral: 2 pontos

Alteraçãode fala sem fraqueza: 1 ponto

Duraçãosintomas: < 10 minutos: 0 ponto

                                10-59 minutos:1 ponto

                                 60 minutos oumais: 2 pontos

Históriade diabetes melito: 1 ponto

 

Asdiretrizes da American Heart Association de 2009 consideram que um escore de 3pontos ou mais indica internação hospitalar. Pacientes com escore de 0 a 2pontos, mas com outras evidências de isquemia focal, também são candidatos àinternação, mas pacientes com escore de 0 a 2 pontos sem outras evidências deisquemia focal não necessitam de internação hospitalar e podem ser manejadosambulatorialmente. O American College of Emergency Physicians, por sua vez,recomenda contra a utilização do escore ABCD2 para identificar pacientes comindicação de internação hospitalar, pois alguns estudos sugerem que o escoreapresenta falhas graves quando usado em pacientes individuais.

A decisãode antiagregação plaquetária também é influenciada pelo escore ABCD2, compacientes com escore de 0 a 3 pontos fazendo uso de terapia antiagregante comapenas um agente antiplaquetário, e pacientes com escore >= 4 recebendoterapia antiplaquetária dupla. No estudo CHANCE, 5.170 pacientes com AIT e AVC menorque se apresentaram dentro de 24 horas do início dos sintomas foramrandomizados para receber dupla terapia antiplaquetária com clopidogrel (300 mgno primeiro dia, seguido por 75 mg/dia pelos próximos 90 dias) mais aspirina(75-300 mg no primeiro dia, seguido por 75 mg/dia por 3 semanas) ou monoterapiacom aspirina. Em 90 dias, AVC isquêmico e hemorrágico ocorreram em 8,2% dosparticipantes no grupo de dupla terapia antiplaquetária, em comparação com11,7% dos pacientes no grupo de monoterapia com aspirina. No estudo POINT, 4.881pacientes com 12 horas de início dos sintomas foram randomizados para receberterapia antiplaquetária dupla (600 mg de clopidogrel no primeiro dia, seguidopor 75 mg/dia por 90 dias mais 50-325 mg/dia de aspirina por 90 dias) oumonoterapia com aspirina (50-325 mg/dia por 90 dias). O estudo foi interrompidoprecocemente devido à maior eficácia da terapia antiplaquetária dupla para aprevenção de AVC em 90 dias (5,0% vs. 6,5%), mas sangramento importante foiaumentado no grupo de terapia dupla comparado com o de aspirina isoladamente(0,9% vs. 0,4%). Uma análise combinada dos dois estudos mostrou que o benefícioé maior nos primeiros 21 dias, o que sugere que este é o período de tempo emque deve ser usada a dupla antiagregação plaquetária. Os pacientes com maiorbenefício são aqueles com escore ABCD2 >= 4, por isso a recomendação deterapia dupla é para esses pacientes.

Um estudo devalidação prospectivo em DEs canadenses com 2.056 pacientes com suspeita de AITrelatou que a acurácia do escore ABCD2 foi ruim (área sob curva 0,56 comintervalo de confiança de 95% de 0,47 a 0,65) e que ele não identificou comprecisão os pacientes com estenose de grandes vasos e fibrilação atrial, nosquais intervenções agudas específicas evitam AVCs.

Examescomplementares podem auxiliar também nessa decisão. A tomografiacomputadorizada (TC) cerebral sem contraste, incluindo imagem ponderada emdifusão, e vários estudos vasculares, principalmente ultrassonografia carotídeae angiotomografia, podem melhorar a estratificação de risco nesses pacientes.Imagens ponderadas por difusão e imagem cerebrovascular predizem risco a curtoprazo para AVC.

Empacientes em que for decidido pela não internação, deve-se iniciar a realizaçãode exames complementares em 24 a 48 horas para tentar identificar o mecanismoda isquemia e, se possível, iniciar medidas preventivas. Deve-se, ainda,orientar todos os pacientes que tiverem piora dos sintomas a procurarem o DE.

 

Exames Diagnósticos

 

Todos ospacientes que tiveram um episódio de AIT, mesmo que limitado e com duraçãomenor que 1 minuto, têm indicação de realização de exames de imagem. Aressonância magnética (RM) é o exame ideal, em particular a RM

comimagens ponderadas por difusão, que apresenta sensibilidade maior que a TC emdetectar pequenos AVCs ou AIT. A sensibilidade em 24 horas do exame é de 88%,com especificidade de 95% para detectar pequenos infartos cerebrais. A RM pode,inclusive, detectar isquemia cerebral com minutos do seu aparecimento. A TC éuma alternativa aceitável, devido à rapidez de sua realização, mas o exameapresenta performance inferior, e apenas 4% dos pacientes com AITapresentam alterações da imagem na TC de crânio.

Outrascondições que podem mimetizar um AIT, como hematoma subdural ou massa cerebral,são encontradas em aproximadamente 1% dos pacientes. A RM com imagem ponderadapor difusão apresenta evidências de infarto cerebral em um terço dos pacientescom AIT, o que estabelece a etiologia isquêmica dos sintomas. A RM com imagemponderada em difusão ainda consegue diferenciar lesões agudas de quadrosisquêmicos antigos. Apesar da alta sensibilidade, a RM com difusão pode nãodetectar pequenas isquemias, principalmente em região de tronco cerebral, e àsvezes a redução de fluxo sanguíneo é suficiente para causar sintomas, mas não osuficiente para causar alterações na RM.

A próximadecisão importante a ser tomada nesses pacientes é determinar se existe umalesão obstrutiva em território arterial extensa o bastante que mereça umaavaliação quanto à necessidade de intervenção. Estudos demonstram, por exemplo,que a identificação precoce de pacientes com estenose carotídea sintomáticamaior que 50% confere alto risco de AVC, o qual é significativamente reduzidopor revascularização precoce. Em um estudo com 312 pacientes, a doença degrandes vasos causou 10,6% dos AITs, mas foi responsável por 40% dos eventosneurológicos recorrentes dentro de dois dias. A ultrassonografia carotídea éaceitável para detectar estenose carotídea interna. Entretanto, a ultrassonografianão detecta estenoses das artérias vertebrais e intracranianas, que também carregamalto risco de AVC.

Asdiretrizes da American Heart Association (AHA) recomendam a realização deexames não invasivos para estudar a circulação cerebral, o que pode ser feito comultrassonografia Doppler de carótidas ou com angiotomografia ou angiorressonânciamagnética de vasos cerebrais. A avaliação cardiológica também faz parte daavaliação desses pacientes, sendo realizado logo após o início dos sintomas emECG de 12 derivações. Em pacientes com suspeita de evento cardioembólico, éindicada monitorização à procura de fibrilação atrial.

Oecocardiograma foi realizado em 59% dos pacientes em um estudo que avaliou indivíduoscom AIT ou AVC menor, e foram encontrados achados ecocardiográficosclinicamente relevantes em menos de 5% dos pacientes. A ecocardiografia éindicada a pacientes em quem os exames de imagem não conseguiram identificar aetiologia do quadro de AIT, e o ecocardiograma transesofágico é a modalidade deescolha.

 

Exameslaboratoriais nesses pacientes devem incluir:

-hemograma completo;

- tempo deprotrombina;

-eletrólitos séricos e creatinina;

- glicemiaem colesterol total e frações;

- VHS(suspeita de arterite).

 

Tratamento

 

Avaliaçãode emergência e implementação de tratamentos reduzem significativamente o riscode AVC agudo nesses pacientes. O uso de anticoagulação para AIT cardioembólicoe revascularização para doença carotídea representa apenas uma proporção dessaredução. O tratamento antiplaquetário, a administração de estatina, a reduçãoda pressão arterial, a cessação do tabagismo e outras medidas também sãoimportantes. Idealmente, o tratamento deve ser dirigido à etiologia específicado evento.

Existe vastaliteratura sobre o tratamento antiplaquetário no AIT, e uma segurança é indicaraspirina a todos os pacientes com AIT. A aspirina reduz o risco de AVCsignificativamente em pacientes com AIT ou AVC isquêmico menor, com diminuiçãoparticularmente significativa nas primeiras duas semanas de tratamento. Assim,é recomendado:

 

-Parapacientes com AIT presumivelmente não cardioembólico, recomenda-se o uso deantiagregantes plaquetários em vez de anticoagulação oral com

aspirina (50-325mg/dia) em monoterapia ou combinação com clopidogrel ou outro agenteplaquetário.

-Clopidogrel(75 mg) em monoterapia é uma opção razoável em vez de aspirina ouaspirina/dipiridamol.

-Deve-se individualizaro agente antiplaquetário de acordo com os perfis de fator de risco do paciente,custo, tolerância, eficácia e outras características clínicas.

-Acombinação de aspirina/clopidogrel pode ser considerada dentro de 24 horas deum AIT e continuada por 90 dias em pacientes com escore de risco ABCD2 >= 4.

 

Empacientes que apresentaram AIT na vigência do uso de aspirina, não existemevidências de que o aumento da dose desta forneça benefícios adicionais. Emboraagentes antiplaquetários adicionais sejam frequentemente considerados, nenhumagente isolado ou combinação foi estudado de forma adequada em pacientes quereceberam aspirina.

A maioriados pacientes com AIT com fibrilação atrial deve receber anticoagulaçãocompleta. A escolha do agente, varfarina versus um dos novos agentesorais, deve ser feita idealmente em consulta com o médico que acompanhará opaciente a longo prazo ou padronizada em cada instituição, deve-se evitaratrasos longos. Outras fontes cardioembólicas incluem cardiomiopatia, tromboventricular esquerdo, doença valvular sem fibrilação atrial e aterosclerose doarco aórtico.

Pacientescom estenose carotídea devem receber aspirina e fazer uma consulta neurológicaurgente. Dependendo da idade, do sexo, do grau de estenose e dos sintomas dospacientes, muitos se beneficiarão da revascularização carotídea. Aendarterectomia é geralmente indicada a pacientes que tiveram AIT com estenosede 50 a 99% com expectativa de vida maior que cinco anos. A endarterectomia émais efetiva em pacientes mais idosos, do sexo masculino, com estenose maiorque 70% e quando realizada dentro de duas semanas do AIT.

Pacientescom outras doenças de grandes vasos, como estenose da artéria vertebral ouintracraniana ou dissecções arteriais, devem receber aspirina, fazer uma consultaneurológica e ser internados. Em pacientes com doenças de pequenos vasos, otratamento é geralmente medicamentoso, com uso de aspirina, estatinas, controlede fatores de risco, como pressão arterial, e interrupção do tabagismo.

 

Bibliografia

 

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