FECHAR
Feed

Já é assinante?

Entrar
Índice

Uropatia Obstrutiva

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 28/02/2022

Comentários de assinantes: 0

Aobstrução do trato urinário é um problema relativamente comum e pode ocorrer emqualquer idade, embora seja mais encontrado em idosos. Felizmente, a uropatiaobstrutiva é causa rara de lesão renal significativa. Uropatia obstrutiva édefinida como o bloqueio de drenagem de urina do rim, do ureter ou da bexiga. Elapode ser assintomática, mas pode causar doenças renais agudas e crônicas. Aobstrução do trato urinário pode causar dilatação de cálices renais ehidronefrose. Causas potenciais de obstrução incluem cálculos ureterais,carcinoma renal, coágulos, compressão extrínseca, bola fúngica e papilas renaisnecrosadas.

 

Prevenção

 

Ospacientes com alto risco de desenvolver retenção urinária incluem aqueles comdiabetes, síndrome de Guillain-Barré, neuropatia periférica e homens idosos comhipertrofia de próstata. Medicamentos associados com retenção urinária incluemagentes simpaticomiméticos, anticolinérgicos, anti-histamínicos e relaxantesmusculares, os quais devem ser evitados em pacientes com fatores de risco pararetenção urinária. Se a infecção do trato urinário foi excluída, pode serrealizado teste urodinâmico para determinar a melhor opção de tratamento para pacientescom sintomas de trato urinário inferior. Pacientes com histórico de cálculosrenais devem ser submetidos a avaliação metabólica para determinar a causa e,se possível, direcionar tratamento para prevenir recorrência de litíaseureteral. A menos que contraindicado, todos os pacientes com histórico decálculo renal devem aumentar a ingestão de água para mais de 2,5 litros diariamente.Colocação de stents de ureter deve ser considerada em indivíduos submetidosa transplante renal ou cirurgias pélvicas complexas para reduzir o risco decomplicações relacionadas ao ureter.

 

Achados Clínicos

 

Aapresentação clínica depende do local da obstrução urinária. Indivíduos comuropatia obstrutiva podem apresentar sintomas do trato urinário inferior,incluindo frequência, noctúria, incontinência urinária, disúria, hesitação,fluxo fraco ou esforço para esvaziar a bexiga. A dor pode ser ausente apesar daobstrução. Quando presente, a dor ocorre devido a distensão da bexiga, infecçãosecundária ou obstrução do sistema coletor ou cápsula renal. Obstrução incompletapode resultar em flutuação da produção de urina, e os pacientes podem apresentaroligúria e anúria e eventualmente até poliúria.

Cólicarenal provocada pelos cálculos é muitas vezes repentina e intensa, com iníciode dor no flanco que irradia para a região inguinal. A dor associada à cólicarenal pode ser acompanhada de náuseas, vômitos e/ou hematúria. Pacientes comcólica renal preferem estar em movimento, em comparação com pacientes comperitonite, cuja dor piora com o movimento. Ocasionalmente, os pacientes podemdesenvolver infecção urinária sobreposta devido ao bloqueio e à estase do fluxourinário. Nesse caso, podem ter febre ou até apresentar sepse. Eventualmente, oexame de urinálise e urocultura pode ser normal, pois às vezes a urina coletadaé oriunda apenas do rim não acometido, com o rim obstruído em anúria devido àinterrupção do trato urinário.

Bexigadistendida ou presença de massa abdominal no exame físico é sugestiva deobstrução urinária. Os pacientes podem apresentar hipertensão devido à retençãode sal e água e à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona.Pacientes com obstrução renal bilateral ou unilateral de um rim único podem semanifestar com oligoanúria aguda. Alguns pacientes podem evoluir com acidoserenal tubular hipercalêmica, provavelmente por resistência a mineralocorticoides,com alteração da reabsorção de sódio.

 

Exames Complementares

 

Achadoslaboratoriais comuns em pacientes com uropatia obstrutiva incluem aumento deureia e creatinina, com relação ureia/creatinina > 20/1. A acidosemetabólica com ânion gap normal (acidose tubular renal distal) pode causarhipercalemia, hematúria e/ou piúria. No início do quadro de obstrução, acapacidade de concentração de urina pode se perder, o que resulta emisostenúria (urina com gravidade específica semelhante à do plasma). Defeitos naacidificação do trato urinário distal resultam em acidose metabólica hiperclorêmica(acidose tubular renal distal), que pode ser acompanhada por hipercalemia. Aureia e a creatinina séricas podem ser elevadas se houver obstrução bilateral ouobstrução de um rim funcional solitário. A proporção de ureia e creatininasérica é frequentemente maior que 20:1 devido ao aumento da reabsorção de ureiaao longo do sistema coletor, mas esse achado não é sensível ou específico.

Pacientescom obstrução parcial podem desenvolver diabetes insípido nefrogênico(resistência ao hormônio antidiurético) e hipernatremia e podem ter policitemiadevido ao excesso de produção de eritropoietina ou podem ser anêmicos caso desenvolvaminsuficiência renal mais avançada. A estase de urina pode resultar em infecçõesdo trato urinário, particularmente com bactérias com produção de urease, como Proteusou Klebsiella, que aumentam a produção de amônia. Isso resulta em pHurinário alcalino, que pode causar cálculos de estruvita (fosfato de amônio e magnésio).

O raio Xsimples de abdome é útil na identificação de cálculos radiopacos, mas nãodetecta obstrução. O ultrassom é muito sensível e específico para detectarhidronefrose, definida como pelve e cálices renais dilatados, e é o estudo deimagem de escolha para avaliar a obstrução do trato urinário porque pode serrealizado rapidamente e evita a exposição à radiação ionizante. O valorpreditivo positivo do exame é de apenas 70%, mas seu valor preditivo negativo éde 98%, isto é, o exame é muito eficaz para descartar obstrução urinária. Aultrassonografia também pode detectar o fluxo de urina do ureter para a bexiga,ou seja, o jato urinário. A ausência de jato urinário pode indicar obstrução. Oultrassom pode ser falso-negativo no início da obstrução, se houver depleção devolume ou se os ureteres estiverem envolvidos em um processo retroperitoneal,como fibrose retroperitoneal.

Oultrassom pode detectar cálculos radiotransparentes perdidos no raio X, mas temmenos probabilidade que a TC de detectar pequenos cálculos e cálculos nosureteres. Pelve extrarrenal pode ser confundida com hidroureter proximal naultrassonografia. O ultrassom da bexiga é frequentemente realizado com mediçãodo resíduo pós-esvaziamento (PVR) para detectar o esvaziamento incompleto dabexiga. O PVR normal é inferior a 30 mL, mas retenção de urina clinicamentesignificativa é considerada quando o PVR é maior que 200 mL. A ultrassonografiada bexiga pode identificar sinais de danos à bexiga devido à retenção crônicade urina. Esses achados podem incluir aumento da espessura da parede da bexiga (>2,9 mm), divertículos, trabeculações e cálculos.

Atomografia computadorizada (TC) sem contraste é o exame de imagem de escolhapara detecção de cálculos renais e também pode detectar facilmente a obstrução,e autores utilizam o exame como primeira escolha para avaliar esses pacientes. ATC agora está sendo realizada com exposição limitada à radiação. Uma TC comcontraste pode ser útil em determinar a localização exata da obstrução e podedetectar neoplasias uretéricas, mas deve ser evitada em pacientes com risco denefropatia induzida por contraste.

A ressonânciamagnética (RM) urinária pode ser realizada com ou sem o uso de contraste (gadolínio)e é benéfica em pacientes que não podem receber contraste iodado necessáriopara a TC com contraste, mas é menos sensível que a TC na detecção de cálculos.

A cintilografiacom radionuclídeos requer injeção de um radioisótopo (Tc-99mMAG3), muitas vezescom furosemida, e é útil para diferenciar a hidronefrose não obstrutiva. Oexame também pode ser usado para determinar a função de cada rim ou testar orefluxo via uretrocistografia miccional.

Apielografia intravenosa (IVP) deve ser evitada em pacientes com insuficiênciarenal devido ao risco de piora da função renal após administração intravenosa decontraste. Antes da disponibilidade da TC, a IVP foi usada para determinar alocalização da obstrução e foi útil na identificação de necrose papilar. A IVPtem sido amplamente substituída pela TC com contraste, que é um exame consideravelmentemais sensível do que a IVP na determinação da causa da obstrução. O cateterismoda bexiga pode ser realizado para determinar se a retenção de urina estápresente.

Examesretal e pélvico são realizados para determinar a presença de massa (colo doútero, útero, ovário, reto ou próstata) e o tamanho da próstata. Cistoscopiacom uretrograma retrógrado evita administração de contraste sistêmico e não éapenas um procedimento diagnóstico, mas pode resultar em intervenções paraaliviar a obstrução. Nefrostomia percutânea também pode ser realizada paraaliviar a obstrução.

 

Diagnóstico Diferencial

 

A uropatiaobstrutiva deve ser considerada no diagnóstico diferencial de doença renalaguda ou crônica. As causas mais comuns de obstrução bilateral são obstrução dasaída da bexiga e bexiga neurogênica (diabetes, lesão da medula espinal,esclerose múltipla ou síndrome de Guillain-Barré) (Tabela 1).

 

Tabela 1: Etiologiasde uropatia obstrutiva

 

Obstrução do trato superior intrínseco

- Cálculo renal

- Necrose papilar

- Coágulo sanguíneo

- Carcinoma de células transicionais

- Válvula/pólipo

Obstrução da junção ureteropélvica extrínseca

- Fibrose retroperitoneal

- Aneurisma de aorta

- Adenopatia retroperitoneal ou pélvica ou malignidade

- Massas de útero/ovário

- Endometriose

- Ligadura de ureter

- Obstrução do trato urinário inferior

- Estenose uretral

- Válvula uretral posterior

- Doença de próstata

- Carcinoma de bexiga, colo do útero ou cólon

- Cálculos vesicais

- Coágulo sanguíneo

- Bexiga neurogênica

 

Noshomens, obstrução da saída da bexiga devido a doença da próstata ou estenoseuretral é a causa mais comum de obstrução do trato urinário. É facilmentediagnosticada avaliando-se o resíduo de urina pós-miccional por ultrassom oucateterização. Em mulheres, câncer de colo de útero, prolapso uterino e gestaçãosão causas comuns de uropatia obstrutiva.

Cálculossão uma causa comum de obstrução do trato superior unilateral. O fluxo de urinaé geralmente obstruído devido à presença de cálculos em um dos dois locais: junçãoureteropélvica, onde o ureter atravessa os vasos ilíacos,

ou najunção ureterovesicular. Necrose papilar ocorre quando há descamação daspapilas renais, muitas vezes devido a isquemia ou toxinas. As papilasdescamadas podem causar obstrução ureteral. Esses pacientes costumam apresentarhematúria. Uropatia induzida por quetamina também pode causar

hidronefrose.

Processospatológicos no espaço retroperitoneal, incluindo lesão por radiação, fibrose,trauma, infecção e doenças granulomatosas, podem causar obstrução do ureter. Afibrose retroperitoneal pode envolver os ureteres e resultar em uropatiaobstrutiva sem a presença de hidronefrose no ultrassom. Um estudo de imagem comcontraste aprimorado revela compressão externa do ureter.

Adilatação do trato urinário pode ocasionalmente ser vista sem obstrução. Umexemplo clássico é a gestação, quando níveis elevados de progesterona reduzem operistaltismo e o tônus ??do ureter, o que resulta em hidroureter. Hidroureterdireito ocorre em 60 a 80% das gestantes, e hidroureter esquerdo, em 30%. Oenvolvimento do ureter é provavelmente devido à compressão externa do útero gravídico.A hidronefrose pode não se resolver até 6 a 12 semanas após o parto. O refluxovesicoureteral também pode resultar em hidroureter sem obstrução.

 

Complicações

 

Aobstrução do trato urinário resulta em aumento da pressão intratubular,diminuição do fluxo sanguíneo renal e diminuição da taxa de filtraçãoglomerular. Lesão renal também ocorre independentemente de pressão devido a isquemiae influxo de células inflamatórias, que liberam substâncias que causam lesãotubular e fibrose.

Aobstrução do trato urinário pode levar a doença renal permanente e doença renalem estágio terminal. A obstrução costuma ser complicada por infecção do tratourinário. Diurese pós-obstrutiva pode ocorrer após o alívio da obstruçãocrônica e pode resultar em volume e/ou depleção de eletrólitos.

Acredita-seque a diurese preveja a recuperação renal e possa ser uma resposta apropriada àexpansão de volume que ocorreu durante a obstrução. Se a reposição de volumeintravenoso for usada, o volume deve ser menor do que a produção de urina, amenos que o paciente apresente depleção de volume. Isso impedirá a continuaçãoda diurese devido à administração de fluidos intravenosos.

 

Tratamento

 

O manejodo paciente depende da etiologia da uropatia obstrutiva. A uropatia obstrutivacomplicada por lesão renal aguda, hipercalemia ou infecção requer intervençãoemergencial. O procedimento de escolha depende da causa e da localização daobstrução. Obstrução da via de saída da bexiga é aliviada com um catetertransuretral ou suprapúbico.

Pacientescom bexiga neurogênica intratável ou obstrução da saída da bexiga requeremcateterização intermitente crônica ou cateter suprapúbico. Obstrução ureteral podeser aliviada com cistoscopia e ureteroscopia retrógrada com colocação de stentou com nefrostomia percutânea.

A causasubjacente da obstrução deve ser identificada e tratada. Para pacientes comneoplasias ginecológicas, os preditores de falha do stent ureteralincluem obstrução do ureter maior que 3 cm. Esses pacientes podem ter um desfechomelhor com a colocação de um tubo de nefrostomia percutânea. Cálculos com menosde 5 a 6 mm muitas vezes passam espontaneamente e podem ser observados. Essespacientes são tratados com aumento da ingestão de líquidos, analgésicos e um a-bloqueadorcomo a tansulosina, embora o STONE trial tenha falhado em demonstrar umbenefício claro com o uso da tansulosina. Tratamento para cálculos maiores, ou aquelesque não passam com a terapia conservadora, inclui extração de cálculo ureteroscópico,litotripsia por onda de choque, nefrolitotomia percutânea e remoção laparoscópicado cálculo. O tratamento padrão-ouro para obstrução ureteropélvica da junçãoagora é minimamente invasivo, assistido por robô: a pieloplastia laparoscópica(RALPH).

 

Prognóstico

 

Alívio daobstrução completa com duração inferior a uma semana frequentemente resulta narecuperação total da função renal, ao passo que há pouca ou nenhuma melhora nafunção renal após o alívio de obstrução completa com duração superior a 8 a 12semanas. Obstrução com duração superior a duas semanas frequentemente podecausar doença renal crônica e hipertensão. 

Uropatiaobstrutiva em geral requer encaminhamento para urologistas e/ou nefrologistascaso exista lesão renal associada.

 

Bibliografia

 

1-Michael B. Obstructive Uropathy in Current Diagnosisand Treatment in Nephrology and Hypertension 2018.

2-Frokiaer J, Zeidel M. Urinary Tract Obstruction. In: Brenner andRector's The Kidney.

Conecte-se

Feed

Sobre o MedicinaNET

O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.

Medicinanet Informações de Medicina S/A

Cnpj: 11.012.848/0001-57

info@medicinanet.com.br


MedicinaNET - Todos os direitos reservados.

Termos de Uso do Portal

×
×

Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.