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Glomerulonefrite Membranoproliferativa

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 30/06/2022

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Existem cinco formas principais de apresentaçãodas glomerulopatias:

§    síndrome nefrótica;

§    síndrome nefrítica;

§   doença clínica prévia ou concomitante aoacometimento renal;

§   doente com lesão crônica e irreversível,necessitando de diálise (IRC);

§   alteração de exames complementares, semsintomas (proteinúria e/ou hematúria).

 

A Tabela 1sumariza as definições e as diferentes nomenclaturas das glomerulopatias.

 

Tabela 1. Nomenclatura das glomerulopatias

 

Variável

Denominação

Etiologia

§  Primária: a doença é predominantemente dos rins; geralmente, mas nem sempre, a etiologia é desconhecida.

§  Secundária: há uma doença sistêmica causando lesão glomerular secundariamente.

Fator tempo

§  Aguda: lesão que ocorre em dias a poucas semanas.

§  Subaguda ou rapidamente progressiva: lesão que ocorre em semanas a poucos meses.

§  Crônica: lesão que ocorre durante muitos meses a anos.

Quantidade de glomérulos acometidos

§  Focal: < 50% de glomérulos acometidos.

§  Difusa ou generalizada: > 50% de glomérulos acometidos.

Acometimento de cada glomérulo individualmente

§  Segmentar: apenas parte de cada glomérulo é acometida.

§  Global: todas as estruturas do glomérulo são acometidas.

Denominação adicional

§  Membranosa: acometimento predominante da membrana basal.

§  Necrose: presença significativa de necrose glomerular.

§  Esclerose: aumento homogêneo na quantidade de material extracelular (composição semelhante à da membrana basal ou à da matriz mesangial).

§  Fibrose: deposição de colágeno tipo I e III, indicando processo cicatricial.

§  Proliferação: indica aumento da celularidade glomerular.

Padrão de proliferação

§  Intracapilar (endocapilar): proliferação das células do glomérulo: células mesangiais ou células endoteliais.

§  Extracapilar ou crescêntica: proliferação de células dentro da cápsula de Bowman: células parietais epiteliais e células infiltrantes (macrófagos e fibroblastos).

 

A síndrome nefrótica se manifesta por:

?        proteinúria> 3,5 g/dia;

?        edema(anasarca);

?        hipoalbuminemia;

?        hiperlipidemia.

 

          Oachado diagnóstico principal é a proteinúria em níveis nefróticos. Com oaparecimento dessa proteinúria, as consequências são hipoalbuminemia com edemae hiperlipidemia por produção compensatória de lipoproteínas no fígado. Outra consequênciada síndrome nefrótica é o aparecimento de retenção de sal pelos rins, fatorimportante para o desenvolvimento da anasarca nesses pacientes. Além do quadrode edema periférico, o aparecimento de hepatomegalia é outro sinal frequentenesses pacientes, o que ocorre de forma secundária ao aumento da produção delipoproteínas pelo fígado.

          Asdiferentes glomerulopatias são sumarizadas na Tabela 2.

 

TABELA 2: Características das glomerulopatias

 

Denominação

Achados clínicos

Anatomopatologia

Etiologias

GN* proliferativa difusa

§  Síndrome nefrítica aguda

§  IRA em dias a semanas

§  Hipertensão, edema e oligúria

§  Proteinúria não nefrótica

§  Sedimento urinário ativo

§  Mais de 50% dos glomérulos acometidos

§  Proliferação de células glomerulares mesangiais e endoteliais

§  Infiltração de neutrófilos e monócitos

§  Deposição de complexos imunes: idiopática, Henoch-Schönlein, lúpus, pós-infecciosa, crioglobulinemia

§  Raramente pauci-imune ou por anticorpos anti-MBG (ver GN* rapidamente progressiva)

GN* rapidamente progressiva ou crescêntica

§  GN de evolução em semanas a poucos meses

§  Hipertensão, edema e oligúria

§  Proteinúria não nefrótica

§  Sedimento urinário ativo

§  Acomete mais de 50% dos glomérulos

§  Presença de necrose fibrinoide

§  Característico: presença de crescentes (proliferação no espaço de Bowman)

§  Proliferação de células epiteliais parietais

§  Deposição de complexos imunes: idiopática, Henoch-Schönlein, lúpus, pós-infecciosa, crioglobulinemia

§  Pauci-imune: Wegener, poliangeíte microscópica, GN* crescêntica limitada ao rim

§  Anticorpo anti-MBG (síndrome de Goodpasture)

GN* proliferativa focal

§  Leve a moderada inflamação glomerular

§  Leve a moderada insuficiência renal

§  Sedimento urinário ativo

§  Áreas segmentares de proliferação e necrose em < 50% dos glomérulos

§  Raramente evolui com crescentes

§  Mesmas causas de GN* crescêntica ou proliferativa difusa (pode representar formas mais leves ou precoces)

GN* mesangioproliferativa

§  Inflamação glomerular crônica

§  Graus variados de alterações na função renal

§  Hipertensão, hematúria e proteinúria

§  Acometimento de predomínio mesangial

§  Aumento da matriz e das células mesangiais

§  Henoch-Schönlein e nefropatia por IgA

§  Mesmas causas de GN* crescêntica ou proliferativa difusa (pode representar formas mais leves ou precoces)

GN* membranoproliferativa

§  Achados combinados de nefrítica e nefrótica

§  Proteinúria nefrótica (mais frequente)

§  Sedimento urinário ativo

§  Perda aguda ou subaguda de função renal

§  Proliferação difusa de células mesangiais

§  Infiltração glomerular por macrófagos

§  Aumento da matriz mesangial

§  Espessamento e duplicação da membrana basal

§  Deposição de complexos imunes: idiopática, Henoch-Schönlein, lúpus, pós-infecciosa, crioglobulinemia

§  Associada a microangiopatias trombóticas

§  Associada a doenças de deposição

GN* com lesão mínima

§  Síndrome nefrótica

§  Risco de trombose venosa

§  Lento declínio da função renal em 10 a 30% dos doentes

§  Normal à microscopia óptica

§  Microscopia eletrônica: vacuolização de células epiteliais e fusão dos pedicelos dos podócitos

§  Idiopática

§  Associada a infecção pelo HIV, uso de heroína, linfomas e nefrite intersticial induzida por medicamentos

Glomeruloesclerose focal e segmentar

§  Síndrome nefrótica

§  Risco de trombose venosa

§  Lento declínio da função renal em 10 a 30% dos doentes

§  Colapso segmentar de capilares em < 50% dos glomérulos

§  Achados à microscopia eletrônica semelhante à lesão mínima

§  Idiopática

§  Secundária à redução do no de néfrons de qualquer causa (lesão renal secundária de hiperfiltração)

§  Associada a infecção pelo HIV, uso de heroína, diabetes melito

GN* membranosa

§  Síndrome nefrótica

§  Risco de trombose venosa

§  Lento declínio da função renal em 10 a 30% dos doentes

§  Espessamento difuso da membrana basal com projeções subepiteliais (spikes), circundado por depósitos imunes

§  Idiopática

§  Paraneoplásica

§  Doenças autoimunes: lúpus, artrite reumatoide

§  Medicações: captopril, ouro, penicilamina

§  Infecções: hepatite B e C, sífilis, malária, hanseníase, esquistossomose

Microangiopatias trombóticas

§  Insuficiência renal aguda ou subaguda

§  Graus variáveis de HAS e edema

§  Proteinúria e hematúria (menos intensas que síndrome nefrítica ou rapidamente progressiva)

§  Lesão endotelial

§  Microtrombos nos capilares glomerulares

§  Idiopática

§  Associada a infecções do trato gastrintestinal

§  Medicações: ticlopidina, mitomicina C, ciclosporina

§  Associada a doenças autoimunes: lúpus, esclerodermia

§  Outras: hipertensão maligna

Doenças glomerulares de depósito

§  Achados de síndrome nefrítica e nefrótica

§  Insuficiência renal progressiva (meses a anos)

§  Hipertensão, proteinúria e hematúria

§  Aumento da matriz mesangial

§  Espessamento da parede capilar glomerular

§  Graus variados de proliferação celular

§  Pode formar crescentes

§  Amiloidose

§  Crioglobulinemia

§  Doença de depósito de cadeia leve

§  GN* fibrilar/imunotactoide

Glomeruloesclerose nodular ou global

 

§  Perda progressiva da função renal durante anos

§  Proteinúria (pode ser nefrótica)

§  Fibrose intersticial

§  Esclerose glomerular

§  Nefropatia diabética

§  Potencial consequência a longo prazo da maioria das glomerulopatias descritas

 

Aexpressão ?glomerulonefrite membranosa? (GNM) é utilizada para descrever apatologia renal em um grupo de pacientes com características clínicas desíndrome nefrótica em que a biópsia renal demonstra espessamento significativo damembrana basal glomerular (MBG) sem inflamação significativa. A GNM é aprincipal causa de síndrome nefrótica em adultos, correspondendo a aproximadamente40% dos casos, e cerca de 70 a 80% dos casos são primários.

A palavra ?glomerulonefrite? utilizada nesses pacientes talvezseja inapropriada, pois uma das principais características da condição é aausência de inflamação glomerular. Por causa disso, a palavra ?nefropatia?agora é mais frequentemente utilizada para descrever esses pacientes. A GNMidiopática é uma doença glomerular imunomediada comum e continua a ser uma dasprincipais causas de síndrome nefrótica em adultos. Recentemente, os antígenosprimários causadores da nefropatia membranosa eram desconhecidos, e o distúrbioera denominado idiopático. No entanto, recentemente foram reconhecidos doissistemas de autoanticorpos (PLA2R e THSD7A), os quais são associados à doençaprimária.

As formas secundárias de GNM podem ser responsáveis ??poraté um terço

de casos e estão associadas a doenças autoimunes, comolúpus eritematoso sistêmico (LES), infecções (por exemplo, hepatites virais B eC), medicamentos (por exemplo, anti-inflamatórios não esteroidais, D-penicilamina,ouro) e neoplasias malignas (por exemplo, cólon, rim, próstata e mama).

A presença de anticorpos contra receptores de fosfolipaseA2 (PLA2R) ou contra o domínio de trombospondina tipo 1 contendo anticorposanti-7A (THSD7A) no soro ou a localização do antígeno no tecido glomerularajudam a diminuir a probabilidade de GNM secundária. Todavia, tanto as formasprimárias como as secundárias podem apresentar esses anticorpos. Assim, paradeterminar se os pacientes apresentam doença primária ou secundária, énecessário fazer uma procura ativa e descartar as condições secundárias com umahistória cuidadosa, exame físico e exames complementares. A doença é rara emcrianças e, quando ocorre, é comumente associada a uma doença autoimune mediada,como LES.

 

Patogênese

 

A deposição de anticorpos (principalmente IgG) contraantígenos nos podócitos leva à ativação da cascata de complemento, comoevidenciado por depósitos de complementos na biópsia. Essa ativação docomplemento causa lesão direta nos podócitos e aumento da produção de moléculascitotóxicas, que, por sua vez, causam danos à membrana basal glomerular.

O dano à MBG causa proteinúria significativa. Como osdepósitos ocorrem no lado urinário da membrana basal, a resposta inflamatória énormalmente diminuída, explicando, assim, a habitual falta de inflamação napatologia. Em 2009, Beck e colaboradores descreveram anticorpos para afosfolipase tipo M do receptor A2 (PLA2R) em 70% dos pacientes com GNMprimária, mas não naqueles com GNM secundária a outras doenças glomerulares. Afunção exata desse receptor ainda não é conhecida. Existe grande variabilidadena prevalência de anticorpos PLA2R, variando de 45 a 75% em diferentespopulações e regiões geográficas. O desenvolvimento de anticorpos PLA2R setornou o teste de anticorpos mais amplamente disponível para identificar esses pacientes.Os anticorpos contra a trombospondina tipo 1 7A contendo domínio (THSD7A) foramrelatados em 10% de pacientes com GNM primária com anticorpos PLA2R negativos emcoortes da Europa e dos Estados Unidos.

A biópsia renal classicamente faz o diagnóstico da GNM.No estágio muito inicial, os glomérulos podem parecer normais na microscopiaóptica, embora anormalidades possam ser vistas na microscopia eletrônica. Alçascapilares são patentes, os glomérulos não mostram aumento na celularidade, enão há aglomeração nuclear. Pode ser observado aumento de imunocomplexossubepiteliais, com espessamento difuso e uniforme da MBG na microscopia óptica.Enquanto a doença progride, o espessamento da parede capilar torna-seesclerótico, com hialinização do tufo glomerular. A microscopia comimunofluorescência mostra uma característica deposição uniforme de IgG e C3 emum padrão granular ao longo do lado epitelial da MBG. A IgG (com IgG4 sendo asubclasse IgG predominante) está presente em 95% dos casos, mas a deposição deC3 pode ser vista menos frequentemente. O estádio histológico dos pacientespode ser classificado em:

 

I- depósitos apenas na superfície damembrana basal glomerular e localização subepitelial;

II- depósitos em maior número por todaa membrana basal;

III- incorporação dos depósitos namembrana basal;

IV- paredes capilares difusamenteespessadas com ramificações intramembranosas.

 

Etiologias

 

As causas secundárias de GNM são sumarizadas na Tabela 3.

 

Tabela 3: Etiologias da GNM secundária

 

Infecções

Hepatite B e C

Sífilis (congênita e secundária)

Hanseníase

Filariose

Hidatidose

Esquistossomose hepatoesplênica

Equinococose

Infecção pós-estreptocócica

Malária

Neoplasias

Carcinomas

Leucemia

Linfoma

Feocromocitoma, tumor de corpo carotídeo

Autoimune

LES

Tireoidite

Artrite reumatoide

Doença mista do tecido conjuntivo

Sarcoidose

Hiperplasia angiolinfoide com eosinofilia (doença de Kimura)

Cirrose biliar primária

Síndrome de Sjögren

Espondilite anquilosante

Dermatite herpetiforme

Medicamentos

AINEs (diclofenaco)

Ouro

D-penicilamina

Mercúrio

Captopril

Formaldeído

Probenecida

Bucilamina

Tiopronina

Outros

Transplante renal

Doença falciforme

Síndrome de Gardner-Diamond

Síndrome de Guillain-Barré

Doença do enxerto contra hospedeiro após transplante de medula óssea Diabetes melito

 

Achados Clínicos

 

A doença afeta pacientes de todas as idades e raças, masé mais comum em homens do que em mulheres, em uma proporção de 2 a 3: 1. A GNMprimária é mais frequentemente diagnosticada na meia-idade. O pico deincidência ocorria entre a quarta e a quinta décadas, mas nos dias atuais atingeprincipalmente a quinta e a sexta décadas de vida, sendo relativamente incomumem pacientes com menos de 20 anos.

Cercade 60 a 70% dos pacientes apresentam síndrome nefrótica (SN) e suas manifestaçõesassociadas, como edema, hipoalbuminemia e hiperlipidemia, enquanto os restantes30 a 40% dos pacientes são assintomáticos com proteinúria subnefrótica (< 3,5g/24 horas). Cerca de 10 a 30% dos casos podem progredir parainsuficiência renal terminal, em geral em um período longo entre 10 e 15 anos.O curso da doença pode ter períodos de remissão e recidiva.

A síndrome edematosa, na maioria dospacientes, envolve joelhos, mas dificilmente cursa com efusões pericárdicas.Cerca de 10 a 30% dos pacientes evoluem com trombose renal, e 30% dos pacientesem algum momento desenvolvem evento tromboembólico.

Ospacientes apresentam sedimento urinário pobre, mas a presença de hematúriamicroscópica é comum (30 a 40%). Hematúria macroscópica e cilindros hemáticos sãoraros e, se presentes, sugerem uma histopatologia diferente. Empacientes com mais de 60 anos, cerca de 20% apresentam neoplasia associada. Ainvestigação dessas neoplasias se baseia em história, exame físico erastreamento apropriado à idade do paciente.

Em pacientes com GNM primária, os níveis séricos decomplemento C3 e C4 são sempre normais. No momento do diagnóstico, a maioriados pacientes é normotensa. A função renal também é normal na maioria dospacientes, mas 10% deles têm insuficiência renal na apresentação, o que é maiscomum em pacientes idosos. Complicações adicionais incluem anormalidades noperfil lipídico, o que contribui para o aumento do risco cardiovascularobservado nesses pacientes e alta prevalência de eventos tromboembólicos em 8 a20% dos casos, incluindo trombose venosa renal.

 

Diagnóstico Diferencial e Exames Complementares

 

O diagnóstico diferencial inclui outras causas de GN,como lesões mínimas, glomeruloesclerose segmentar focal, glomerulonefritemembranoproliferativa, amiloidose, doença de deposição de cadeia leve enefropatia diabética. Também é importante excluir causas secundárias de GNM,particularmente hepatite B, LES, neoplasias malignas e uso de medicamentos.Entre pacientes com menos de 16 anos de idade, a GNM secundária é maiscomumente devida a infecção viral ou LES, enquanto em adultos com mais de 60anos a GNM secundária é mais comumente devida a neoplasias malignas ou medicações.

 

Em pacientes com GNM, além de uma história completa e examefísico, devem ser realizados exames laboratoriais, que incluem:

 

- dosagem de complemento e frações;

- sorologia para hepatite;

- fator antinuclear (FAN);

- radiografia de tórax ou tomografia;

- pesquisa de sangue oculto nas fezes ou colonoscopia;

- mamografia em mulheres e antígeno específico dapróstata (PSA) em homens.

 

Um teste positivo para anticorpos anti-PLA2R também ajudaa reduzir a probabilidade de causas secundárias, embora exista altaespecificidade desse anticorpo em GNM primária. Vários estudos relatarampositividade do anticorpo anti-PLA2R em casos de malignidade, doença viral,sarcoidose e até mesmo no LES. Em uma coorte de mais de 1.200 casos foiencontrada uma porcentagem maior de casos com anticorpo anti-THSD7A positivoassociados a malignidade em comparação com anticorpos anti-PLA2R , embora o númeroabsoluto de casos relacionados ao câncer tenha sido menor. Em alguns pacientes,a proteinúria se resolve com a remoção ou o tratamento adequado do tumor.

Outro diagnóstico diferencial importante é a nefritelúpica. Em uma série de biópsias de pacientes com LES, a GNM foi responsávelpor 8 a 27% de casos de nefrite lúpica. Pacientes com nefrite lúpica tipo V(membranosa) muitas vezes não apresentam sintomas clínicos que sugerem LES, emarcadores sorológicos de atividade lúpica, como níveis séricos de complementoe anti-DNA, são frequentemente normais e não se correlacionam com a atividadeda doença. A GNM associada à hepatite B pode afetar adultos e crianças que sãoportadores crônicos do vírus da hepatite B com ou sem história de doençahepática evidente. Em crianças com GNM associada à hepatite B, a síndromenefrótica geralmente tem curso benigno, mas o desenvolvimento de insuficiênciarenal progressiva na idade adulta é comum.

Em casos de GNM secundária a medicações, a descontinuaçãodo agente agressor geralmente resulta em remissão completa da síndromenefrótica. Embora a resolução da proteinúria possa ocorrer rapidamente após adescontinuação das medicações responsáveis (por exemplo, AINEs), a GNM induzidapor drogas no passado, como, por exemplo, ouro ou D-penicilamina, pode levaranos antes de alcançar a remissão da proteinúria, com tempo médio pararesolução de 11 meses em um estudo.

Foi relatada uma série de patologias glomerulares emassociação com GNM ou sobrepostas a ela. Essas doenças incluem glomerulonefritepor IgA, glomeruloesclerose segmentar focal, glomerulonefrite crescêntica (doençaanti-MBG, vasculite associada a ANCA), nefrite intersticial aguda e nefropatiadiabética.

 

Complicações

 

O curso clínico é caracterizado por grande variabilidadeda taxa de progressão da doença. Em uma revisão de pacientes com proteinúria subnefróticaque foram seguidos por pelo menos um ano no Toronto Registry, a maioria dospacientes (60%) progrediu para proteinúria na faixa nefrótica durante o seguimento,com os outros (40%) permanecendo subnefróticos ao longo de seu seguimento médiode 60 meses.

A taxa de declínio da função renal foi significativamentemais rápida em

pacientes que progrediram para proteinúria nefrótica e foicomparável à daqueles cuja apresentação inicial foi como síndrome nefrótica. Emum estudo da Espanha com uso dos bloqueadores do sistema renina-angiotensina (BRA),ocorreu remissão espontânea em 30% dos casos com síndrome nefrótica. Noentanto, em pacientes com proteinúria maior que 8 g/dia, a remissão espontâneafoi menos frequente (24%), e o tempo de remissão foi mais lento (média de 14meses) em comparação com aqueles com níveis mais baixos de proteinúria. A sobrevidarenal de 10 anos variou de 50 a 70%, embora muitos desses estudos tenhamincluído pacientes com proteinúria inferior a 3,5 g/dia, dessa forma com umviés de um prognóstico mais favorável, com sobrevida renal de 72% em 8 anospara pacientes não tratados com GNM. No entanto, 37% desses pacientes nãoapresentavam síndrome nefrótica (proteinúria < 3,5 g/dia) e 56% apresentavamproteinúria inferior a 5 g/dia.

Em pacientes com doença leve, cerca de 25% progridem paradoença renal em estádio terminal (DRET), mas, nos pacientes mais gravementeafetados, a doença progressiva é mais comum, e até 40 a 60% desenvolvem DRET emum período de 15 a 20 anos. Apesar dos bons desfechos de curto prazo, a GNM permanecea segunda maior causa de DRET (nos Estados Unidos) ou terceira (Europa). Étambém a principal causa de DRET entre as principais causas de glomerulonefrite.Eventos cardiovasculares e tromboembólicos estão aumentados nessa população,especialmente em pacientes com proteinúria nefrótica significativa.

O grau de glomeruloesclerose tubulointersticial com fibrosee doença vascular observada na biópsia renal é associado a mau prognóstico, masreflete a lesão preexistente em vez da gravidade do processo deglomerulonefrite. Um preditor importante do prognóstico de longo prazo é a taxacontínua de perda da função renal. Pacientes cuja depuração de creatininapermanece inalterada durante 6 meses de observação, mas que continuam comproteinúria na faixa de 4 a 8 g/24 horas, tem 55% de probabilidade dedesenvolver insuficiência renal crônica dentro de 10 anos. Pacientes comproteinúria persistente maior que 8 g/24 horas, independentemente do grau dedisfunção renal, têm probabilidade de 66 a 80% de desenvolver insuficiênciarenal crônica em 10 anos.

 

O grau de proteinúria e a função renal também podemdefinir a gravidade. Assim, os pacientes podem ser divididos em:

- baixo risco: creatinina normal eproteinúria subnefrótica;

- moderado risco: proteinúria entre3,5 e 6 g/dia e função renal próxima ao normal;

- alto risco:alteração de função renal ou proteinúria maior que 6 g/dia.

 

Tratamento

 

As diretrizes do International Kidney Disease ImprovingGlobal Outcomes (KDIGO) sobre o manejo da glomerulonefrite oferecem princípios geraissobre o manejo da GNM primária. O manejo conservador sem imunossupressores temcomo alvo o controle de edema, o tratamento de hipertensão e hiperlipidemia, a ingestãode proteína na dieta e a redução da proteinúria por meio da inibição do sistemarenina-angiotensina, a proteção contra o risco cardiovascular de hipertensão ea redução da proteinúria e da progressão da doença renal. A pressão arterial-alvoem pacientes com proteinúria permanece um tópico de debate. Em geral, pressãoarterial < 130/80 mmHg deve ser o alvo. No estudo MDRD, pacientes com proteinúriamaior que 1 g/dia tiveram um resultado significativamente melhor se sua pressãoarterial fosse reduzida para 125/75 mmHg. Assim, em pacientes com doença renalproteinúrica, incluindo a GNM, pode ser preferível pressão arterial-alvo de125/75 mmHg. Estudos demonstraram que os inibidores da enzima de conversão daangiotensina (IECAs) e/ou o bloqueio dos BRAs são neuroprotetores, reduzindo a proteinúriae a progressão da doença renal em pacientes diabéticos e não diabéticos comnefropatia crônica. Essas medicações reduzem a pressão glomerular intracapilar ea ultrafiltração de proteínas. Uma metanálise de alguns grandes estudos deproteção renal com IECAs mostrou que o grau de proteção renal está relacionadoao grau de redução da proteinúria. Se a proteinúria não é reduzida, o benefícioé menor. Dados do estudo RENAAL (em pacientes com nefropatia diabética) mostramque o efeito protetor renal do bloqueio da angiotensina II foi quase totalmenteexplicado por seu efeito antiproteinúrico.

Em alguns estudos, o uso de IECAs foi associado a melhorasignificativa na proteinúria, mas, em outros estudos, a eficácia dos IECAsparece ser modesta na melhor das hipóteses (< 30% de redução daproteinúria). Assim, é improvável que a melhora da proteinúria alcance remissãosignificativa em pacientes com proteinúria de alto grau (> 8 g??/24 horas).Naqueles com resultado positivo, o efeito antiproteinúrico desses agentes ocorrequase sempre no início do tratamento (até 2 meses do início da terapia). Como amaioria dos pacientes é normotensa, é difícil tolerar as doses máximas dos IECAse dos BRAs.

Não existem evidências suficientes para fazer recomendaçõescom relação à ingestão ideal de proteínas no cenário de síndrome nefrótica. Noentanto, evitar ingesta excessiva de proteína, como limitar a ingestão a 0,8g/kg de peso corporal ideal por dia de proteína de alta qualidade, érecomendado.

A restrição de sal na dieta para menos de 100 mmol/dia desódio é altamente recomendada para melhorar a pressão arterial e reduzir oedema. A restrição de sal também é necessária a fim de permitir que otratamento com IECAs e BRAs exerça seus efeitos antiproteinúricos máximos.

Pacientes com proteinúria têm colesterol e triglicérideselevados e risco cardiovascular marcadamente elevado. É provável que asanormalidades lipídicas associadas com proteinúria sejam importantes no altorisco cardiovascular nesses pacientes e, portanto, fornecem um alvo importantepara tratamento. As estatinas são eficazes na melhora do perfil lipídico e podemreduzir a morbidade e a mortalidade cardiovasculares em pacienteshiperlipidêmicos e hipertensos e em pacientes com doenças crônicas.

Pacientes com síndrome nefrótica grave apresentam riscoaumentado de complicações tromboembólicas. Esse risco é maior em pacientes com GNMem comparação com outras doenças glomerulares primárias. Anticoagulação profiláticapode ser potencialmente benéfica na redução de episódios tromboembólicos empacientes nefróticos com GN e alto risco de tromboembolismo pulmonar (TEP), como,por exemplo, em pacientes obesos, acamados e com história prévia de TVP. Algunsautores sugerem o uso de anticoagulação plena em pacientes com níveis dealbumina menores que 2,5 g/dL, mas esta não é uma conduta universalmenteaceita.

Devido à hipoalbuminemia, os pacientes podem evoluir comsobrecarga de volume refratário ao controle por diuréticos. Drogas como IECAs eBRAs podem ajudar a reduzir a proteinúria, mas podem não controlar totalmenteos sintomas. Os AINEs têm propriedades antiproteinúricas e podem reduzir aproteinúria em 30 a 50%, mas esses agentes podem levar a mais complicações dedoenças renais, como lesão renal aguda, e complicações não renais (sangramentogastrintestinal e agravamento da doença cardíaca), especialmente em pacientescom insuficiência renal.

Uma variedade de agentes imunossupressores pode reduzir aproteinúria para GNM. Um estudo mostrou que um curso de 2 a 3 meses deprednisona em dias alternados em altas doses, como 100 a 150 mg, quandocomparado ao placebo, resultou em redução significativa na progressão para insuficiênciarenal, embora não tenha havido efeito sobre a proteinúria. Os dois maioresestudos randomizados controlados não encontraram nenhum benefício significativodo tratamento com corticosteroides isoladamente na indução da remissão ou na preservaçãoda função renal.

Em pacientes com risco moderado de progressão, umbenefício significativo foi descrito com um agente citotóxico alternado mensalmentecom corticosteroides. Muitos estudos randomizados sugerem que 6 meses desse regimecom ciclofosfamida ou clorambucil como agente citotóxico tem 4 a 5 vezes maisprobabilidade de induzir remissão completa da doença em comparação com nenhumaterapia ou corticosteroides isoladamente. Os maiores estudos com longos temposde observação vêm do grupo de Ponticelli na Itália. A remissão completa foialcançada em 38% dos pacientes, com remissão parcial em 34% dos casos do grupo declorambucil. Entre os controles, a remissão completa foi alcançada em 7% dos pacientes,e remissão parcial, em 23% dos pacientes.

Um segundo estudo, com 81 pacientes, mostrou que oclorambucil associado com pulsos mensais de metilprednisolona aumentousignificativamente a taxa de remissão dos pacientes comparado à pulsoterapiaisoladamente.

O uso de ciclofosfamida comparada ao clorambucil foiassociado a menores efeitos colaterais, mas a função renal foi igualmentepreservada em ambos os grupos.

Regimes com ciclofosfamida oral (dose de 1,5-2 mg/kg/dia)por 12 meses combinada com prednisona por 6 meses (dose de 0,5 mg/kg em diasalternados), com três doses consecutivas de metilprednisolona 1 g IV no iníciodo primeiro, do terceiro e do quinto mês, têm sido utilizados frequentementecom sucesso e substituíram o uso de clorambucil como terapêutica usual nesses pacientes.

Os efeitos adversos da ciclofosfamida, quando usada alongo prazo, são as principais desvantagens para a aplicação universal dessa formade terapia. Os efeitos adversos incluem maior suscetibilidade a infecções,anemia, trombocitopenia, náuseas, vômitos, esterilidade e malignidade de longoprazo, em particular câncer de bexiga. Em relação ao clorambucil, a principal preocupaçãoé a possibilidade de induzir leucemia aguda ou linfoma.

Os estudos com ciclosporina sugeriram um benefícioinicial, mas alta taxa de recidiva após a interrupção do tratamento. Em um estudorandomizado controlado, foram avaliados 51 pacientes com GNM resistente a corticosteroidestratados com ciclosporina, juntamente com prednisona, em baixas doses, emcomparação com placebo mais prednisona. A ciclosporina foi administrada na dosede 3,5 mg/kg/dia. Todos os pacientes receberam prednisona 0,15 mg/kg/dia (até omáximo de 15 mg/dia). No final do tratamento em 26 semanas, 75% dos pacientesno grupo de ciclosporina, comparados a 22% dos pacientes no grupo de prednisona,apresentaram resposta clínica. Recidivas ocorreram em aproximadamente 40% dospacientes em 1 ano após a descontinuação da ciclosporina.

Os dados de diversos estudos sugerem que a ciclosporinainduz remissão pelo menos parcial em 50 a 60% dos pacientes. Efeitos adversossignificativos, incluindo hipertensão, hiperplasia gengival, queixasgastrintestinais, cãibras musculares e nefrotoxicidade, podem ocorrer com otratamento prolongado com ciclosporina.

O tacrolimus parece ser tão eficaz quanto a ciclosporinana indução da remissão de síndrome nefrótica na GNM. Um estudo de Praga avalioumonoterapia com tacrolimus e encontrou probabilidade de remissão de 94% nogrupo de tacrolimus comparado a 35% no grupo-controle. Quarenta e cinco porcento dos pacientes tratados em curto prazo apresentam recidiva após ainterrupção do tacrolimus.

Micofenolato de mofetil (MMF), um pró-fármaco, e seuingrediente ativo ácido micofenólico (Myfortic®) são comumenteprescritos no tratamento da nefrite lúpica como terapia de indução emanutenção. Diferentemente dos inibidores da calcineurina, esses agentes nãosão nefrotóxicos. Os efeitos colaterais são geralmente gastrintestinais (náuseas,vômitos, diarreia, dor abdominal) e menos comumente mielossupressão. O MMF aumentao risco de infecções.

Acredita-se que o rituximabe possa ser uma terapiaadequada para GNM primária, dada a atividade anti-CD 20, que depleta oslinfócitos B. O ACTH tem sido usado ??para o tratamento da síndrome nefrótica desdeos anos de 1950. Estudos de coorte mostraram melhora de proteinúria. A droga(ACTH) não pode ser recomendada de rotina.

Além das medidas gerais com diuréticos, IECAs e BRAs,podemos resumidamente recomendar para pacientes com GNM:

 

1- Paciente assintomático com proteinúriamenor que 4 g/dia e função renal normal

- ManterPA <= 130/80 mmHg, preferencialmente com IECAs.

- Monitorarfunção renal e proteinúria a cada 3 meses.

-Administrar diuréticos conforme sintomas.

 

2- Proteinúriade 4,0 a 6,0 g/dia

- Iniciar IECAsmantendo PA <= 125/75 mmHg e restrição proteica.

- Observarpor 3 meses.

- Iniciardroga imunossupressora caso manutenção da proteinúria, como ciclofosfamida ourituximab. Um esquema popular faz cursos de 6 meses de tratamento usandoprednisona VO (0,5 mg/kg/dia) ou metilprednisolona EV (0,4 g/g por 3 dias) em meses1, 3 e 5 e ciclofosfamida EV na dose de 2 a 2,5 mg/kg em meses 2, 4 e 6. Umaalternativa é usar a ciclofosfamida por via oral. Outra opção é o uso deciclosporina associada a doses baixas de prednisona (até 10 mg).

 

3- Proteinúriamaior que 8,0 g/dia

-Administrar IECAs mantendo PA <= 125/75 mmHg e restrição proteica.

- Iniciarimediatamente imunossupressores como ciclofosfamida ou rituximab. Aciclosporina também foi testada em um pequeno estudo com sucesso e é uma boaalternativa, embora a recidiva pareça ser maior nesse grupo. Em pacientes comdoença resistente à terapia citotóxica, o rituximab foi testado com sucesso.

 

Prognóstico

 

O prognóstico da GNM primária está associado àproteinúria. Os pacientes com remissão completa ou parcial têm melhorprognóstico a longo prazo do que os pacientes que permanecem nefróticos. Muitosestudos têm mostrado melhora da sobrevida renal e uma taxa mais lenta dedeclínio da taxa de filtração glomerular (TFG) naqueles que alcançam aremissão. Níveis mais elevados e sustentados de proteinúria predizem declíniomais rápido da função renal. Além disso, a gravidade e a duração da proteinúriasão marcadores de risco tromboembólico e cardiovascular. Pacientes nefróticostambém apresentam risco de eventos tromboembólicos, com incidência de até 50%em pacientes com GNM grave. Esses eventos estão associados a taxa demortalidade de até 42% em pacientes de alto risco.

As diretrizes KIDGO recomendam o uso de terapia citotóxica/esteroideou ciclosporina como a primeira linha de tratamento nos grupos de riscomoderado ou alto com base em evidências de estudos randomizados. Estudoscontrolados recentes também suportam o uso de rituximabe como terapia deprimeira linha.

Pacientes que não respondem bem ou recidivam após oprimeiro curso de terapia de imunossupressão podem se beneficiar de um segundo cursodo mesmo regime de imunossupressão. Caso contrário, se o primeiro curso nãotiver sucesso, a escolha de outro agente, com um diferente mecanismo de ação,deve ser considerada. Pacientes com insuficiência renal grave (creatininasérica 3 mg/dL) têm menor probabilidade de benefício. Esses pacientes devem serconsiderados apenas para terapia conservadora, e devem ser feitos planos para terapiade substituição renal, inclusive transplante renal.

 

Bibliografia

 

1-Alfaadhel TA,Fervenza FC, Cattran DC. Membranous Glomerulonephritis in Current Diagnosis andTreament in Nephrology and Hypertension 2020.

2-Sethi S. New 'Antigens' in Membranous Nephropathy. J AmSoc Nephrol 2021; 32:268.

3-Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) ClinicalPractice Guideline for Glomerulonephritis. Kidney Int Suppl 2012; 2:1.

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