Autores:
Luciana Friedrich
Médica Contratada do Serviço de Neonatologia do HCPA. Doutora em Pediatria UFRGS.
Cristine Sortica da Costa
Médica Pediatra e Neonatologista. Fellowship em
Neonatologia do Addenbrooke’s Hospital, Cambridge, UK.
Última revisão: 06/03/2014
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É considerado pré-termo (PT) o bebê que nasce antes de 37 semanas de idade gestacional, segundo a Organização Mundial da Saúde. Esses pacientes (em especial os PTs extremos) apresentam um risco maior de complicações no período neonatal se comparados aos recém-nascidos (RNs) a termo. Dessa forma, toda gestante em trabalho de parto prematuro que apresente condições clínicas e obstétricas para o transporte deve ser transferida para um hospital que disponha de UTI neonatal, neonatologistas e obstetras especializados na assistência à gestante e ao RN de alto risco. O transporte posterior do RN para uma unidade de cuidados intensivos aumenta o risco de complicações e óbito.
Há necessidade da presença de pediatra treinado ou neonatologista. Esses RNs apresentam risco maior de asfixia perinatal. Os cuidados na ressuscitação são semelhantes aos aplicados em RNs a termo. Devem ser evitadas manobras bruscas, pressão excessiva na ventilação e administração inadequada de fluidos, que podem causar lesão pulmonar e de sistema nervoso central.
Evitar hipotermia colocando o RN em local aquecido, secando-o rapidamente e removendo os campos úmidos. Os PTs com peso de nascimento inferior a 1.500 g podem ser envolvidos em saco plástico estéril para evitar a perda rápida de calor.
É indicado o uso de surfactante profilático, ainda em sala de parto, para PT <1.000 g ao nascimento.
A vacina contra a hepatite B somente deve ser administrada em RN > 2.000 g ao nascimento. Administrar vitamina K, 1 mg, intramuscular, para profilaxia da doença hemorrágica do RN.
RNs < 2.000 g devem ser, assim que possível, colocados em incubadora para propiciar um ambiente termoneutro e minimizar o gasto energético. Preconiza-se o uso de incubadoras umidificadas ou com parede dupla, principalmente na primeira semana de vida dos PTs < 1.000 g para diminuir as perdas insensíveis.
Realizar monitoração contínua de sinais vitais, oximetria de pulso, controle de diurese e hemoglicotestes (durante o primeiro dia de vida, isso deve ser realizado de 4/4 horas em PTs instáveis e/ou que não estejam recebendo dieta enteral).
Praticamente todos os PTs < 24 semanas de idade gestacional necessitam de suporte ventilatório; entre 25 e 26 semanas, essa proporção cai para 80-90%, e entre 27 e 28 semanas, é de 50-60%.
Os PTs apresentam um risco aumentado de doença da membrana hialina (DMH), apneias e displasia broncopulmonar (DBP). A DMH é tratada com suporte ventilatório e reposição de surfactante exógeno. Manter uma posição de decúbito ventral ou dorsal com coxim sobre os ombros para prevenir apneias obstrutivas. Tratam-se as apneias com o uso de xantinas e suporte ventilatório. Deve-se prevenir a DBP por meio da manutenção de suporte ventilatório mínimo, controle da sobrecarga hídrica, fechamento precoce do canal arterial, uso de diuréticos quando indicados, além do controle e tratamento de processos infecciosos e nutrição adequada.
A utilização de surfactante é recomendada para RNs ventilados com uma pressão média de vias aéreas > 7 cmH2O e necessitando de uma FiO2> 0,3 nas primeiras 2 horas após o nascimento.
Quando necessária ventilação mecânica, usa-se preferencialmente o modo sincronizado, com volume corrente pequeno e menor tempo inspiratório possível. Deve-se manter a FiO2 mínima necessária para manter a saturação entre 85 e 93%. Evitar hiperoxia.
Assim que possível, deve-se estabelecer um acesso central. O cateter umbilical arterial está indicado quando há necessidade de suporte ventilatório com coletas frequentes de gasometrias, permitindo também a monitoração invasiva da pressão arterial (manter de 7-10 dias). O cateter umbilical venoso é indicado para RNs de muito baixo peso ou instáveis, para a administração de fluidos até que seja obtido um acesso venoso central definitivo (manter de 7-14 dias). Se houver previsão de necessidade prolongada de acesso venoso, um cateter percutâneo (PICC) é indicado, devendo ser colocado no 2º ou 3º dia de vida.
A necessidade de fluidos aumenta quanto menor for a idade gestacional. As perdas insensíveis são aumentadas devido à grande superfície corporal relativa e à imaturidade da barreira cutânea, e a imaturidade renal leva a uma perda grande de líquidos e eletrólitos. Esses fatores provocam um maior risco de desidratação e hipertonicidade, que podem causar hemorragia intracraniana. No entanto, a sobrecarga hídrica pode ter repercussões graves. A ração hídrica diária dos PTs encontra-se na Tabela 14.1, de acordo com a faixa de peso de nascimento.
A hipoglicemia é frequente devido às baixas reservas de glicogênio. A hiperglicemia também é comum, sobretudo nos pré-termos extremos. Manter uma taxa de infusão de glicose (TIG) entre 4 e 10 mg/kg/min ou o suficiente para manter os níveis de glicose acima de 40-50 mg/dL. Se houver hiperglicemia persistente acima de 180 mg/dL, sem melhora após a redução da TIG até níveis fisiológicos entre 4 e 5 mg/kg/min, deve-se iniciar infusão contínua de insulina entre 0,01 e 0,1 UI/kg/hora. Não reduzir a TIG abaixo de níveis fisiológicos para não prejudicar o metabolismo cerebral, dependente exclusivamente de glicose.
A hipernatremia é geralmente resultante da perda excessiva de água ou da administração exagerada de sódio. A hiponatremia pode ser dilucional por sobrecarga hídrica ou decorrente da perda renal de sódio agravada pelo uso de diuréticos. A oferta inicial de sódio deve ser de 3-4 mEq/kg/dia, sendo iniciada após as primeiras 24 horas, quando o sódio sérico estiver < 135 mEq/L.
A hiperpotassemia pode ser decorrente da imaturidade renal e endócrina. A administração de potássio é iniciada quando os níveis séricos estão < 4,5 mEq/L, na dose de 1-3 mEq/kg/dia.
Em geral, usa-se o valor da idade gestacional como o valor/medida de PAM aceitável em PTs (p. ex., PT com 30 semanas, PAM mínima aceitável de 30 mmHg).
Nesses RNs, a hipotensão precoce se deve mais à alteração de vasorreatividade do que à hipovolemia. Por isso se limita a terapia com bolus de volume ao máximo de 10-20 mL/kg de solução salina e, se não houver resposta, inicia-se com dopamina 5 µg/kg/min.
A incidência de PCA é mais alta quanto menor o PT, sendo de cerca de 70% nos
RNs < 1.000 g. Manifesta-se geralmente entre 24 e 72 horas após o nascimento, com uma maior necessidade de suporte ventilatório. Pode haver sopro, precórdio hiperdinâmico e pulsos periféricos amplos, podendo evoluir para insuficiência cardíaca. A PCA aumenta o risco de acidose metabólica, hemorragia peri-intraventricular, enterocolite necrotizante, DBP e insuficiência renal. O tratamento é realizado com restrição hídrica, diuréticos e indometacina. Na falha do tratamento clínico, há indicação de fechamento cirúrgico. O uso profilático de indometacina em PTs extremos demonstrou reduzir a incidência e a severidade da PCA. No entanto, como não há evidências de alteração no desfecho neurológico a longo prazo, seu uso rotineiro ainda é discutível.
Os PTs podem apresentar sepse precoce de aquisição intrauterina ou intraparto (principalmente por Streptococcus do grupo B e Gram-negativos), e as infecções hospitalares são comuns devido à imaturidade do sistema imune, associada a fatores de risco, como ventilação mecânica, nutrição parenteral, cateterismos e sondagens. Os principais germes hospitalares são Staphylococcus coagulase-negativos, germes Gram-negativos e fungos. A mortalidade é alta, principalmente devido aos Gram-negativos. Os sinais clínicos são inespecíficos, incluindo hipoatividade, hipotermia, resíduo gástrico, distensão abdominal, apneias, distúrbios metabólicos e cardiovasculares e manifestações hemorrágicas. Na suspeita de sepse, devem ser coletados materiais para hemograma, hemocultura e líquido cerebrospinal, iniciada antibioticoterapia empírica de amplo espectro e instituídas as medidas de suporte metabólico, respiratório, hidreletrolítico e cardiovascular necessárias. A prevenção deve incluir a lavagem das mãos, aspiração de tubo endotraqueal com sistema fechado, preparo cuidadoso da nutrição parenteral, início precoce de alimentação enteral e extubação precoce.
Os PTs apresentam perda de proteína e balanço nitrogenado negativo logo após o nascimento. Deve-se iniciar com nutrição parenteral assim que as condições metabólicas sejam estáveis. Os aminoácidos são iniciados na dose de 1,5 g/kg/ dia e aumentados até 3,5 g/kg/dia. Os lipídeos são iniciados no 2º dia e aumentados até 3 g/kg/dia.
Quando houver condições clínicas, inicia-se dieta enteral mínima, preferencialmente com leite materno, na quantidade de 10-20 mL/kg/dia, em intervalos de 3-6 horas. Cateteres arteriais umbilicais não são contraindicação para a dieta trófica. O volume é aumentado até atingir uma oferta calórica de 120-140 kcal/kg/dia e proteica de 3-4 gramas de aminoácidos/kg/dia. A dieta deve ser administrada via sonda gástrica, de modo intermitente e por gavagem, em intervalos de 2-3 horas. Crianças com idade gestacional > 34 semanas e peso > 1.500 g com boa vitalidade estão aptas para receber dieta via oral. A nutrição parenteral deve ser suspensa quando o volume enteral alcançar 100 mL/kg/dia.
Os fortificantes do leite materno devem ser acrescentados quando o RN estiver recebendo dieta enteral plena, a partir dos 15 dias de vida.
As vitaminas devem ser iniciadas a partir do 7º dia de vida sob forma de polivitamínicos, na dose de 400 UI de vitamina D por dia. A suplementação de ferro é iniciada com 28 dias, na dose de 2-4 mg/kg/dia.
O crescimento deve ser avaliado diariamente. A perda máxima não deve ultrapassar 15% do peso de nascimento, e o período de perda e estabilização varia de 7-21 dias. Após, segue a fase de ganho de peso, com um aumento de 15-30 g/dia. As medidas de comprimento e perímetro cefálico devem ser realizadas 1×/semana.
A manutenção da integridade da pele merece atenção especial devido à sua imaturidade. Emolientes não devem ser utilizados, mas curativos semipermeáveis podem ser necessários em áreas de quebra de barreira.
O PT pode apresentar icterícia mais precoce, intensa e prolongada devido à imaturidade hepática, à menor meia-vida das hemácias, ao extravasamento de sangue e ao aumento da circulação êntero-hepática de bilirrubina. A capacidade de ligação da bilirrubina também é diminuída pela menor albumina sérica, acarretando maior risco de toxicidade neurológica.
A anemia da prematuridade se deve à espoliação por múltiplas coletas, perdas por hemorragia, baixos depósitos de ferro e crescimento rápido. As coletas de sangue devem ser limitadas, realizando-se exames laboratoriais para controle da anemia 2-3 vezes por semana em RNs em fases intermediárias, e semanalmente nas crianças em fase de crescimento. A eritropoietina associada à suplementação de ferro acelera a eritropoiese, mas não demonstrou reduzir as necessidades de transfusões.
As complicações e sequelas são inversamente relacionadas à idade gestacional, sendo a hemorragia peri-intraventricular (HPIIV) e a leucomalacia periventricular (LPV) as mais prevalentes. As ecografias cerebrais devem ser realizadas no 3º, 7º e 30º dia de vida. Se houver HPIIV, devem ser repetidas a cada 2-3 dias até a sua estabilização. A LPV é associada a sequelas tardias, como paresia espástica, comprometimento visual, atraso de desenvolvimento e convulsões. O diagnóstico é feito por ecografia por meio da visualização de cistos ecogênicos, mas a ressonância magnética é o padrão-ouro para a sua detecção.
A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença vasoproliferativa exclusiva do PT. Sua incidência é inversamente proporcional ao peso e à idade gestacional.
Todos os RNs < 1.500 g ao nascimento ou com idade gestacional < 32 semanas devem ser submetidos à avaliação de fundo de olho com 4-6semanas de vida. Se o exame é normal, deve ser repetido a cada duas semanas até a vascularização completa da retina. Quando alterado, a avaliação deve ser repetida semanalmente para se observar a progressão da doença e avaliar a necessidade de tratamento invasivo.
Os PTs apresentam maior incidência de intercorrências e procedimentos associados a risco de deficiência auditiva (asfixia, hiperbilirrubinemia, uso de medicações ototóxicas, infecções, exposição a ruídos). Os métodos recomendados para a triagem auditiva são a audiometria de respostas elétricas do tronco cerebral e as emissões otoacústicas transitórias. Esses exames devem ser realizados próximos à alta hospitalar do RN.
Durante a permanência na UTI, os PTs são expostos a estímulos externos – como ruídos, luz, manipulações e dor – totalmente diferentes daqueles experimentados intraútero. Essa sobrecarga sensorial pode afetar as vias cerebrais e interferir na maturação e na organização neurológica. Essas preocupações levaram muitas UTIs à implantação de programas de cuidados individualizados que objetivam reduzir as manipulações e os ruídos, propiciar períodos de redução de luminosidade e estimular a participação dos pais nos cuidados do RN. O cuidado Mãe-Canguru (contato pele a pele precoce, prolongado e contínuo, conforme as condições clínicas permitam) melhora a oxigenação, reduz a frequência de apneias, previne hipotermia e infecções, aumenta a prevalência e a duração do aleitamento materno, estimula o vínculo e melhora o desempenho neurológico da criança.
1. Goulart AL. Assistência ao recém-nascido pré-termo. In: Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB; Miyoshi MH; Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 17-23.
2. Ringer AS. Care of the extremely low-birth-weight infant. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 79-86.
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