Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 21/03/2022
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A hipertensão intracraniana (HIC) é uma complicação
importante de diversas lesões neurológicas. A pressão intracraniana (PIC)
elevada pode complicar a evolução de traumas, tumores do sistema nervoso
central (SNC), hidrocefalia, encefalopatia hepática, entre outras lesões.
A PIC é normalmente = 15 mmHg em adultos, e a HIC
patológica é definida por PIC = 20 mmHg. Os mecanismos homeostáticos
estabilizam a PIC, com elevações transitórias ocasionais associadas a eventos
fisiológicos, incluindo espirros, tosse ou manobras de Valsalva. Em adultos, o
compartimento intracraniano é protegido pelo crânio, uma estrutura rígida com
volume interno fixo de 1.400 a 1.700 mL. Em condições fisiológicas, o conteúdo
intracraniano inclui:
? parênquima cerebral: 80% do volume;
? líquido cerebrospinal (LCS): 10% do volume;
Estruturas patológicas, incluindo lesões de massa,
abscessos e hematomas, também podem estar presentes no compartimento
intracraniano. Uma vez que o volume total da abóbada craniana não pode mudar,
um aumento no volume de um componente, ou a presença de componentes
patológicos, requer o deslocamento de outras estruturas, um aumento na PIC ou
ambos. Assim, a PIC é função do volume e da complacência de cada componente do
compartimento intracraniano, inter-relação conhecida como doutrina
Monro-Kellie.
O LCS é produzido pelo plexo coroide e em outras partes
do sistema nervoso central (SNC) a uma taxa de aproximadamente 20 mL/hora (500
mL/dia). O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) determina o volume de sangue no
espaço intracraniano. O FSC aumenta com a hipercapnia e a hipóxia. A
autorregulação do FSC pode ser alterada no caso de lesão neurológica e pode
resultar em edema cerebral de rápida instalação. As principais causas do aumento
da PIC incluem:
? lesões de massa intracraniana (tumor, hematoma);
? edema cerebral (como na encefalopatia
hipóxico-isquêmica aguda, grande infarto cerebral, lesão cerebral traumática
grave);
? aumento da produção de LCS (por exemplo, papiloma do plexo
coroide);
? diminuição da absorção do LCS (por exemplo, aderências
de granulação aracnoide após meningite bacteriana);
? obstrução do fluxo venoso (por exemplo, trombose do
seio venoso, compressão da veia jugular, cirurgia no pescoço);
? HIC idiopática (pseudotumor cerebral).
A inter-relação entre as mudanças no volume do conteúdo
intracraniano e as mudanças na PIC define as características de complacência do
compartimento intracraniano. A magnitude da mudança no volume de uma estrutura
individual determina seu efeito na PIC. Além disso, a taxa de variação do
volume do conteúdo intracraniano influencia a PIC. Mudanças que ocorrem
lentamente produzem menos efeito do que aquelas que são rápidas.
A pressão de perfusão cerebral (PPC) é uma medida que
tenta determinar a adequação da perfusão cerebral. A PPC é definida como
pressão arterial média (PAM) menos PIC ou seja: PPC = PAM - PIC.
O FSC é normalmente mantido em um nível relativamente
constante pela autorregulação cerebrovascular em uma ampla faixa de PPC (50 a
100 mmHg). No entanto, a autorregulação da CVR pode se tornar disfuncional em
certos estados patológicos, principalmente em acidente vascular cerebral ou
trauma. O ponto de ajuste da autorregulação também é alterado em pacientes com
hipertensão crônica. Com elevações leves a moderadas da pressão arterial (PA),
a resposta inicial é a vasoconstrição arterial e arteriolar. Esse processo autorregulatório
mantém a perfusão do tecido em um nível relativamente constante e evita que o
aumento da pressão seja transmitido para os vasos menores e mais distais. Como
resultado, reduções agudas da PA, mesmo que o valor final permaneça dentro da
faixa normal, podem produzir sintomas de isquemia em pacientes com hipertensão
crônica.
Condições associadas à PIC elevada, incluindo lesões de
massa e hidrocefalia, podem estar associadas a redução da PIC. Isso pode
resultar em isquemia focal ou global devastadora. Por sua vez, a elevação
excessiva da PPC pode levar à encefalopatia hipertensiva e edema cerebral
devido ao eventual colapso da autorregulação, principalmente se a PPC for >
120 mmHg. Um nível mais alto de PPC é tolerado em pacientes com hipertensão
crônica porque a curva autorregulatória muda para a direita.
Os sintomas globais de HIC elevada incluem cefaleia, alteração
do nível de consciência, náuseas e vômitos. Sinais clínicos incluem paralisia
de VI par craniano, papiledema, hematoma periorbital espontâneo e a tríade de Cushing,
que consiste de bradicardia, depressão respiratória e hipertensão.
Os pacientes podem apresentar sintomas focais por efeitos
locais em pacientes com lesões de massa ou por síndromes de herniação. A herniação
ocorre quando os gradientes de pressão se desenvolvem entre duas regiões da
abóbada craniana. As localizações anatômicas mais comuns afetadas pelas
síndromes de herniação incluem subfalcina, transtentorial central,
transtentorial uncal, cerebelar ascendente, tonsilar/forame magno cerebelar e
transcalvariana.
A terapia empírica para PIC elevada presumida é
insatisfatória porque a pressão de perfusão cerebral (PPC) não pode ser
monitorada de forma confiável sem a medição da PIC. Além disso, a maioria das
terapias direcionadas à redução da PIC são eficazes por período de tempo
limitado. Ademais, esses tratamentos podem ter efeitos colaterais graves.
O objetivo do monitoramento da PIC é melhorar a
capacidade do médico de manter a PPC e a oxigenação adequados. Em geral, esses
pacientes são tratados em unidades de terapia intensiva (UTI) com monitor de
PIC e obtenção de pressão arterial invasiva. A combinação de monitoramento de
PIC e manejo concomitante de PPC pode melhorar os resultados dos pacientes,
particularmente em pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE) fechado. O
diagnóstico de PIC elevada geralmente é baseado em achados clínicos e
corroborado por estudos de imagem e histórico médico do paciente. O TCE fechado
é uma das indicações mais frequentes e mais bem estudadas para o monitoramento
da PIC. A monitorização invasiva da PIC é indicada em pacientes com:
? coma (Escala de Coma de Glasgow < 8);
? processos patológicos com indicação de cuidados
agressivos.
Embora a tomografia computadorizada (TC) possa sugerir
PIC elevada com base na presença de lesões de massa, desvio da linha média ou
apagamento das cisternas basilares, os pacientes sem esses achados na TC
inicial podem ter PIC elevada. Estudos demostram que até um terço dos pacientes
com exames inicialmente normais desenvolvem anormalidades na tomografia
computadorizada nos primeiros dias após traumatismo cranioencefálico fechado.
Os monitores intraventriculares são considerados o "padrão ouro" dos
cateteres de monitoramento da PIC. Os cateteres de PIC são colocados
cirurgicamente no sistema ventricular e fixados a uma bolsa de drenagem e
transdutor de pressão com torneira de três vias. O monitoramento
intraventricular tem a vantagem de precisão, simplicidade de medição e a
característica única de permitir o tratamento de algumas causas de PIC elevada
por meio da drenagem do LCS.
A principal desvantagem é a infecção, que pode ocorrer em
até 20% dos pacientes. Esse risco aumenta ao passo que o dispositivo permanece
no local. Existe ainda um risco pequeno de hemorragia ventricular com esses
cateteres. Os dispositivos intraparenquimatosos são uma outra opção, mas não têm
a capacidade de drenar o LCS para fins diagnósticos ou terapêuticos. A
monitorização de PIC pode ser também por via subaracnoide, como o cateter de
Richmond. O cateter epidural é impreciso para medir PIC, mas podem ser usados
em pacientes com encefalopatia hepática e coagulopatia.
O Doppler transcraniano (DTC) mede a velocidade do fluxo
sanguíneo na circulação cerebral proximal. O DTC pode ser usado para estimar a
PIC com base nas mudanças características nas formas de onda que ocorrem em
resposta ao aumento da resistência ao fluxo sanguíneo cerebral (FSC). A ultrassonografia
de nervo óptico pode fornecer uma medida não invasiva do diâmetro da bainha do
nervo óptico, que se correlaciona com a PIC. Vários estudos descobriram que
diâmetros de 5 a 6 mm têm a capacidade de predizer PIC.
A melhor terapia para HIC é a resolução da etiologia da
PIC. Os exemplos incluem a evacuação de um coágulo sanguíneo, a ressecção de um
tumor, o desvio do LCS em caso de hidrocefalia ou o tratamento de um distúrbio
metabólico subjacente. Se houver suspeita de PIC elevada, deve-se ter cuidado
para minimizar elevações na PIC durante a intubação por meio de posicionamento
cuidadoso, escolha apropriada de agentes bloqueadores neuromusculares e sedação
adequada. O pré-tratamento com lidocaína foi sugerido como uma intervenção útil
para diminuir o aumento da PIC associada à intubação, mas existem poucas
evidências de benefício.
Grandes mudanças na pressão arterial devem ser
minimizadas, com cuidado especial para evitar hipotensão. A hipotensão,
especialmente em conjunto com a hipoxemia, pode induzir vasodilatação reativa e
a elevações na PIC. Como observado, as drogas vasopressoras são seguras para
uso na maioria dos pacientes com HIC e podem ser necessárias para manter a
pressão de perfusão cerebral (PPC) > 60 mmHg. Achados que indicam necessidade
de intervenção urgente incluem:
? história sugestiva de PIC elevada (por exemplo,
traumatismo craniencefálico, cefaleia súbita e intensa típica de hemorragia
subaracnoide);
? exame que sugere PIC elevada, como papiledema ou
aumento do diâmetro da bainha do nervo óptico;
? Escala de Coma de Glasgow = 8.
Causas potencialmente reversíveis de rebaixamento do
nível de consciência devem ser descartadas, como hipotensão (PA sistólica [PAS]
< 60 mmHg em adultos), hipoxemia (PaO2 < 60 mmHg), hipotermia (< 36ºC).
Nesses pacientes, devem-se considerar o uso de diuréticos
osmóticos e outras medidas, como:
? hiperventilação para PCO2 de 26 a 30 mmHg;
? manitol intravenoso (1 a 1,5 g/kg).
A hiperventilação pode ser contraindicada no contexto de lesão
cerebral traumática e acidente vascular cerebral agudo. Se apropriado, a
ventriculostomia é um meio rápido de diagnosticar e tratar simultaneamente PIC
elevada. Se houver suspeita de HIC e não houver uma causa imediata tratável, o
monitoramento da PIC deve ser instituído. O uso de monitoramento de PIC está
associado à diminuição da mortalidade em pacientes com TCE.
O objetivo do monitoramento e tratamento da PIC deve ser
manter a PIC < 20 mmHg. As intervenções devem ser utilizadas apenas quando a
PIC é > 20 mmHg por > 5 a 10 minutos. Os pacientes devem ser mantidos
euvolêmicos e normo a hiperosmolares. Isso pode ser alcançado evitando-se toda
a água livre e utilizando fluidos isotônicos. A osmolalidade sérica deve ser
mantida > 280 mOsm/L e frequentemente é mantida na faixa de 295 a 305
mOsm/L. A hiponatremia é comum no cenário de PIC elevada, particularmente em
conjunto com hemorragia subaracnoide. A solução salina hipertônica em doses em
bolus pode reduzir agudamente a PIC, mas mais investigações são necessárias
para definir um papel para esse tratamento.
Os pacientes devem ser adequadamente sedados para
diminuir a PIC, reduzindo a demanda metabólica, a assincronia do ventilador, a
congestão venosa e as respostas simpáticas de hipertensão e taquicardia. O
propofol tem sido utilizado com bons desfechos nesses pacientes. Em geral, a PA
deve ser suficiente para manter a PPC > 60 mmHg. Os vasopressores podem ser
usados ??com segurança sem aumentar ainda mais a PIC. Isso é particularmente
relevante no cenário de sedação, quando pode ocorrer hipotensão iatrogênica.
A hipertensão geralmente só deve ser tratada quando a PPC
> 120 mmHg e a PIC > 20 mmHg. Deve-se ter cuidado para evitar PPC < 50
mmHg ou normalização da PA em pacientes com hipertensão crônica nos quais a
curva autorregulatória mudou para a direita.
Pacientes com PIC elevada devem ser posicionados para
maximizar o fluxo venoso da cabeça. Manobras importantes incluem a redução da
flexão ou rotação excessiva do pescoço, evitando bandagens restritivas do
pescoço e minimizando os estímulos que podem induzir respostas de Valsalva,
como a aspiração endotraqueal. Pacientes com PIC elevada são posicionados com a
cabeça erguida acima do coração (geralmente 30 graus) para aumentar o fluxo
venoso. No entanto, deve-se notar que a elevação da cabeça pode diminuir a PPC.
A febre aumenta o metabolismo cerebral e a lesão cerebral
em modelos animais. O tratamento agressivo da febre é recomendado em pacientes
com aumento da PIC. As convulsões podem complicar e contribuir para a elevação
da PIC. A terapia anticonvulsivante deve ser instituída se houver suspeita de
convulsões, o tratamento profilático pode ser necessário em alguns casos.
O melhor tratamento da PIC elevada é tratar sua causa
subjacente. Se isso não for possível, uma série de passos deve ser instituída para
reduzir a PIC em uma tentativa de melhorar os desfechos. A solução salina
hipertônica tem sido cada vez mais empregada como agente de primeira linha,
suplantando o manitol em várias instituições. O efeito dessa intervenção
precoce nos resultados clínicos de longo prazo permanece indefinido. A
concentração da salina hipertônica em estudos é altamente variável, desde 7,5%
a 20%. O manitol e a solução salina hipertônica foram comparados em estudos, e
metanálises desses estudos mostraram que a solução salina hipertônica parece
ter maior eficácia no controle da PIC elevada.
Os diuréticos osmóticos reduzem o volume cerebral
retirando água do tecido para a circulação; ela é excretada pelos rins,
desidratando, assim, o parênquima cerebral. O agente mais comumente usado é o
manitol. É utilizado como uma solução de 20% e administrado em bólus de 1 g/kg.
A dosagem repetida pode ser dada em 0,25 a 0,5 g/kg, conforme necessário,
geralmente a cada seis a oito horas. O uso de qualquer agente osmótico deve ser
avaliado cuidadosamente em pacientes com insuficiência renal. Os efeitos aparecem
em minutos, com pico em aproximadamente 1 hora, e duram de 4 a 24 horas.
Parâmetros úteis para monitorar a terapia com manitol incluem sódio sérico,
osmolalidade sérica e função renal. A furosemida, em dose de 0,5 a 1,0 mg/kg
por via intravenosa, pode ser administrada com manitol para potencializar seu
efeito. No entanto, esse efeito também pode exacerbar a desidratação e a
hipocalemia.
Os glicocorticoides foram associados a piores desfechos
em estudos com TCE e não devem ser usados rotineiramente.
O uso de ventilação mecânica para diminuir a PaCO2 para
26 a 30 mmHg reduz rapidamente a PIC por meio de vasoconstrição e diminuição do
volume de sangue intracraniano; uma mudança de 1 mmHg na PaCO2 está associada a
uma alteração de 3% no fluxo sanguíneo cerebral. A hiperventilação também
resulta em alcalose respiratória, que pode tamponar a acidose pós-lesão. O
efeito da hiperventilação na PIC é de duração de apenas 1 a 24 horas. Após a
hiperventilação terapêutica, a frequência respiratória do paciente deve ser
reduzida ao normal ao longo de várias horas para evitar um efeito rebote. A
hiperventilação terapêutica deve ser considerada como uma intervenção urgente
quando a PIC elevada complica o edema cerebral, a hemorragia intracraniana e o
tumor. A hiperventilação não deve ser usada de forma crônica, independentemente
da causa do aumento da PIC.
O uso de barbitúricos é baseado em sua capacidade de
reduzir o metabolismo cerebral e o FSC, diminuindo, assim, a PIC e exercendo um
efeito neuroprotetor. O pentobarbital é geralmente usado com uma dose de ataque
de 5 a 20 mg/kg em bólus, seguida de 1 a 4 mg/kg por hora. O tratamento deve
ser avaliado com base na PIC, na PPC e no monitoramento com
eletroencefalografia contínua (EEG). O valor terapêutico dessa manobra é indefinido,
e o uso de barbitúricos é uma manobra de desespero para esses pacientes.