FECHAR
Feed

Já é assinante?

Entrar
Índice

Infarto Renal

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 15/09/2022

Comentários de assinantes: 0

O infartorenal é um evento raro. Em uma série de quase 250.000 pacientes atendidos em umdepartamento de emergência ao longo de quatro anos, apenas 17 casos foramdiagnosticados como infarto renal agudo. O infarto renal, se grave, pode causarhipertensão renovascular, doença renal crônica e doença renal terminal. Afrequência de infarto renal é provavelmente maior do que a relatada, uma vezque o diagnóstico clínico é tardio devido aos sintomas inespecíficos, como dorabdominal ou nos flancos, que mimetizam outras condições mais comuns, comonefrolitíase e pielonefrite.

As duasprincipais causas de infarto renal são tromboembolismo e trombose local. Os êmbolosgeralmente se originam de um trombo cardíaco ou na aorta, e a trombose localgeralmente é secundária a uma condição de hipercoagulabilidade ou lesão oudissecção de uma artéria renal. Os pacientes podem evoluir com oclusão tanto daartéria renal principal como de ramos segmentares menores. Podem evoluir comatrofia isquêmica secundária em vez de infarto renal dependendo da anatomia e dotamanho da área isquêmica envolvida.

 

Etiologia e Patogênese

 

Asprincipais etiologias do infarto renal incluem doença cardioembólica, lesão daartéria renal (mais comumente devido à dissecção da artéria) e estados dehipercoagulabilidade. Em uma série de 438 pacientes com infarto renaldiagnosticado entre 1993 e 2013, 244 (55,7%) pacientes tiveram infarto renalcardioembólico, e 211 tiveram fibrilação atrial. Causas de doença cardíaca incluírammiocardiopatias, endocardite e trombos de válvulas artificiais. Trombos deateroma da aorta suprarrenal foram observados em sete pacientes.

O infartorenal é mais comum em pacientes com fibrilação atrial, com risco relativoaumentado de eventos tromboembólicos entre 4 e 6 vezes. O infarto renal já foidescrito algumas vezes como a primeira manifestação de fibrilação atrial.

Lesões deartéria renal que causam infarto renal incluem dissecção da artéria renal,trauma, síndrome de Marfan e poliarterite nodosa. Outras etiologias menoscomuns relatadas incluem displasia fibromuscular, síndrome de Ehlers-Danlos,mediólise arterial segmentar, oclusão da artéria renal após intervençãoendovascular aórtica ou renal e uso de cocaína.

Entre 5 e 8%dos pacientes com infarto renal apresentam hipercoagulabilidade, que pode serassociada a trombofilias hereditárias, hiper-homocisteinemia, síndromeantifosfolípide e síndrome nefrótica. Infarto renal também foi relatado emassociação com covid-19, tanto em rins nativos quanto em rins transplantados.Isso pode ser devido à disfunção endotelial e à ativação da cascata decoagulação resultante da resposta inflamatória em pacientes com covid-19. Oinfarto renal também pode ser observado em mulheres que utilizam anticoncepcionaisorais. Nenhuma causa é identificada em cerca de 30% dos casos.

 

Achados Clínicos

 

Na maiorsérie de casos de infarto renal, a idade média foi de 62 a 65 anos quando a etiologiaera cardiogênica ou trombofilia e de 43 a 50 anos quando associada a lesão da artériarenal ou idiopática.

Ospacientes com etiologia cardiogênica apresentam frequentemente história dehipertensão, diabetes melito, doença cardiovascular, doença valvar cardíaca efibrilação atrial. Pacientes com infarto renal agudo geralmente se queixam deinício agudo de dor no flanco ou abdominal, frequentemente acompanhada denáuseas, vômitos e, ocasionalmente, febre. Dor em flanco é observada em 50% dospacientes, dor abdominal em 53%, náusea em 17%, vômito em 13%, e febre em 10%.O envolvimento renal bilateral ocorre em aproximadamente 17% dos casos.

Ospacientes podem apresentar elevação aguda da pressão arterial que épresumivelmente mediada pelo aumento da liberação de renina. Sinais deembolização extrarrenal (como déficits neurológicos focais e isquemiamesentérica e de membros) podem ser observados. Alguns pacientes podem serassintomáticos, e os infartos renais são achados incidentais em exames deimagem.

 

Exames Complementares

 

Hematúria ocorreem 32% dos pacientes, e proteinúria ocorre em 12% dos casos. A concentraçãomédia de creatinina sérica é de 1,0 mg/dL. A concentração sérica de lactatodesidrogenase (LDH) é aumentada. Aumento de lactato desidrogenase (LDH) séricocom pouco ou nenhum aumento nas aminotransferases séricas é sugestivo deinfarto renal. Outros achados incluem contagem de leucócitos discretamenteelevada (média de 11.000 céls/mm3) e aumento na proteína C reativasérica. Em pacientes com suspeita de infarto renal, recomenda-se realizar osseguintes exames:

 

-hemograma completo;

- Creatininasérica e LDH;

-urinálise e cultura de urina;

- eletrocardiogramapara avaliar fibrilação atrial.

 

Atomografia computadorizada (TC) sem contraste geralmente é o exame inicialpreferido para dor no flanco, pois é o padrão-ouro para o diagnóstico decálculos renais e ureterais. Entre os pacientes com apresentação clínicaconsistente com infarto renal em vez de nefrolitíase, uma TC com contraste deveser realizada em vez de TC sem contraste. O achado clássico é um defeito deperfusão em forma de cunha. A ressonância magnética (RM) com gadolínio é umaalternativa à TC, embora o uso de gadolínio deva ser baseado na função renal dopaciente.

Um examede medicina nuclear pode mostrar diminuição segmentar ou generalizada naperfusão renal. Um estudo demonstrou sensibilidade de 97% com cintilografiarenal com radioisótopo.

 

Diagnóstico Diferencial

 

As duascondições que mais se assemelham à apresentação clínica do infarto renal agudosão a cólica nefrética (dor no flanco e hematúria) e a pielonefrite aguda (dorno flanco e febre). A urinálise pode não ajudar a distinguir entre essascondições devido a uma sobreposição nos achados. A pielonefrite aguda écaracterizada por piúria, bacteriúria e, ocasionalmente, presença de cilindros leucocitáriosna microscopia de urina. O infarto renal geralmente apresenta predominância dehematúria, mas também pode estar associado a piúria, embora em geral sem bacteriúria.A nefrolitíase pode apresentar qualquer um desses achados no exame de urina.

Outrascondições que podem imitar algumas das características do infarto renal incluemisquemia mesentérica e outras causas de dor abdominal, como colecistite epancreatite. História de fibrilação atrial ou manipulação intra-arterialrecente aumenta a probabilidade de infarto renal ou isquemia mesentérica.

 

Manejo

 

Devem-se avaliaro tempo desde o início da isquemia (determinado pela duração dos sintomas esinais), o tamanho do parênquima renal ameaçado pelo infarto e a função renal dospacientes. Alguns pacientes apresentam maior benefício com a revascularizaçãorenal:

- oclusão completada artéria renal principal (ou ramo segmentar principal) com duração < 6horas ou oclusão completa da artéria renal principal (ou ramo segmentarprincipal) se estiver perfundindo um rim único ou quando houver redução significativana função renal (clearance < 50 mL/min/1,73 m2);

- oclusão parcialda artéria renal segmentar principal com duração < 24 horas;

- oclusão parcialda artéria renal segmentar principal ou com duração de 24 horas ou mais napresença de lesão renal significativa, hipertensão nova ou agravada ou sintomascomo dor no flanco, hematúria e febre;

- pacientescom dissecção arterial como causa de infarto renal.

 

Não éindicada a realização de um exame angiográfico quando a TC diagnóstica inicialdemonstra um rim atrófico ou uma cicatriz densa em forma de cunha, o que sugereum evento remoto sem tecido viável. A avaliação da probabilidade de benefícioda revascularização é baseada nos seguintes fatores:

 

- Tipo devaso atingido: o risco de lesão do parênquima depende do tipo de vaso envolvido(principal, artéria segmentar ou artéria subsegmentar). A oclusão da artériarenal principal ameaça a perda da função de todo o rim. A oclusão das artériassegmentares geralmente leva à hipoperfusão de grandes porções do rim, que podeser significativa em pacientes com um único rim ou em pacientes comcomprometimento acentuado da função renal. A oclusão de uma artériasubsegmentar geralmente leva a um defeito em forma de cunha no parênquima.

 

- Tempodesde o início da isquemia: o tempo desde o início da isquemia também afeta aprobabilidade de que o dano do parênquima seja passível de recuperação. Oparênquima renal tem menor probabilidade de se recuperar se a duração daisquemia for longa. Sintomas como dor aguda no flanco, náuseas, vômitos eaumento agudo da pressão arterial geralmente sugerem um evento recente. Por suavez, um pequeno evento isquêmico sugere que houve isquemia prolongada.

 

- Alteraçãoda função renal: o grau de comprometimento da função renal pode depender daextensão do dano do parênquima, bem como da função do rim contralateral. Empacientes com função renal normal, mesmo a oclusão unilateral completa daartéria renal pode não afetar a função renal.

 

- Oclusãoparcial ou completa dos vasos renais: a angiografia pode mostrar o grau deoclusão (completa ou parcial) visualizando a captação de contraste noparênquima perfundido pelo vaso envolvido e no sistema coletor ipsilateral. Emgeral, oclusão parcial com perfusão preservada do parênquima pode sugerirreversibilidade da isquemia. As oclusões completas dentro de 6 horas do iníciotambém podem ser reversíveis.

 

Naausência de um diagnóstico preexistente, todos os pacientes com infarto renaldevem ser avaliados quanto à presença de fibrilação atrial. Além disso, todosos pacientes devem ser avaliados quanto à presença de um estado dehipercoagulabilidade. O tratamento ideal para infarto renal por tromboembolia,trombose local ou dissecção da artéria renal é incerto devido à ausência deestudos comparativos.

Empacientes com envolvimento da artéria renal principal, deve-se considerar umprocedimento de revascularização no contexto de um rim único ou função renalsignificativamente reduzida (taxa de filtração glomerular estimada < 50mL/min/1,73 m2).

Ospacientes com maior probabilidade de se beneficiar da revascularização devemser encaminhados imediatamente para um serviço de radiologia intervencionistavascular ou cirurgia vascular para terapia endovascular percutânea, que podeincluir trombólise local, trombectomia, angioplastia e colocação de stent.A escolha do procedimento endovascular é uma decisão do cirurgião ouradiologista intervencionista. Pacientes submetidos a angioplastia ou colocaçãode stent devem ser tratados com aspirina 81 mg e clopidogrel 75 mg por 3a 6 meses após o procedimento, seguidos de aspirina isoladamente posteriormente.

Em locais semdisponibilidade de serviços de intervenção vascular, a terapia fibrinolíticasistêmica pode ser usada, embora os dados para apoiar essa abordagem sejamescassos. Os riscos de sangramento significativo são maiores com terapiatrombolítica sistêmica do que com trombólise local com intervenções percutâneas.A duração máxima da oclusão completa da artéria renal além da qual a trombólisenão seria mais benéfica é desconhecida. Um estudo relatou pouco benefício após90 minutos. A terapia tardia provavelmente será eficaz em pacientes com oclusãoparcial e em pacientes com oclusão trombótica.

Pacientesassintomáticos com um rim pequeno e atrófico ou defeito de perfusãoparenquimatosa em forma de cunha no lado afetado provavelmente apresentaminfarto remoto. Esses pacientes devem ser submetidos a uma avaliação parafatores de risco ateroembólicos, como fibrilação atrial. Se tal avaliação fornegativa, deve-se realizar avaliação para procurar um estado dehipercoagulabilidade. No caso de pacientes sintomáticos (ou recentementesintomáticos) e cujos exames de imagem sugerem um infarto mais recente, indica-sea anticoagulação. A duração da anticoagulação depende da avaliação de um estadode hipercoagulabilidade e de outros fatores de risco para embolização arterial.Em pacientes com estado de hipercoagulabilidade identificado ou fator de riscopara embolização (como fibrilação atrial), a escolha do anticoagulante, suadose, titulação e duração dependem da condição subjacente. Em pacientes sem umacondição subjacente predisponente, sugere-se anticoagulação por seis meses, coma preferência de anticoagulantes orais diretos, como a apixabana, que dependemenos da função renal para sua eliminação. O uso de varfarina comoanticoagulante alternativo é razoável. Para pacientes tratados com varfarina, ameta é manter um INR entre 2 e 3, exceto se o infarto renal ocorreu em umpaciente já utilizando varfarina em dose terapêutica; nesse caso, pode-se aumentara meta de 2,5 para 3,5.

Pacientescom envolvimento de vasos segmentares menores resultantes de dissecção oudisplasia fibromuscular (DFM) recente devem ser encaminhados para avaliação comradiologia intervencionista vascular ou cirurgia vascular. Oclusão segmentar deartéria renal menor não associada com displasia fibromuscular ou dissecção deveser tratada com anticoagulação por um período mínimo de seis meses paraprevenir eventos tromboembólicos recorrentes. A escolha de um anticoagulante esua titulação são idênticas às de pacientes com oclusão da artéria renalprincipal que provavelmente não se beneficiarão da revascularização. Pacientesque não recebem anticoagulação devem iniciar aspirina 100 mg ao dia por toda avida, embora existam dados limitados para apoiar essa prática.

Pacientescom estado de hipercoagulabilidade subjacente ou fibrilação atrial podemnecessitar de anticoagulação por toda a vida. É improvável que infartos renaisassintomáticos ou rins atróficos detectados incidentalmente em exames de imagemabdominal realizados por uma indicação não relacionada sejam beneficiados pelarevascularização devido à duração da isquemia. A todos os outros pacientes éindicado o uso de aspirina por tempo indefinido, embora existam dados limitadospara apoiar essa abordagem.

Muitospacientes com infarto renal agudo também desenvolvem elevação da pressãoarterial durante a primeira semana após o infarto, que pode diminuir com otempo, a menos que o paciente tenha hipertensão subjacente. A terapiaanti-hipertensiva é frequentemente necessária. O aumento da pressão arterial nocontexto de oclusão da artéria renal ocorre devido à liberação de renina.Assim, na ausência de lesão renal aguda (LRA) ou hipercalemia, prefere-seutilizar inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) ou bloqueadoresdos receptores de angiotensina (BRA) para o tratamento da hipertensão empacientes com insuficiência renal. Em pacientes com lesão renal aguda ouhipercalemia, o tratamento da hipertensão não é diferente daquele de pacientessem infarto renal.

Pacientescom infarto renal devem ser monitorados para eventos tromboembólicosrecorrentes, complicações da terapia (por exemplo, eventos hemorrágicos) eestabilização ou deterioração de sua função renal. O intervalo de tempo paraacompanhamento é variável, dependendo da gravidade do evento original, do riscode recorrência e do grau de comprometimento da função renal. Todos os pacientesdevem receber terapia preventiva secundária para doença vascular e manejo dadoença renal crônica. Existem dados limitados para informar o monitoramento deinfartos renais recorrentes.

Oprognóstico após infarto renal (tratado ou não) não está bem definido. Oinfarto renal ocorre principalmente em pacientes que têm outras condiçõesassociadas a morbidade e mortalidade, e pacientes com êmbolos renais podem terembolização para outros órgãos, como cérebro e intestino. Em uma revisão de 44casos de infarto renal em pacientes com fibrilação atrial, a taxa demortalidade foi de 11,4% no primeiro mês após o diagnóstico. A hipertensão deinício recente pode se resolver espontaneamente, mas alguns pacientes têm hipertensãopersistente mediada pela renina.

 

Bibliografia

 

1- Bourgault M, Grimbert P, Verret C, et al. Acute renalinfarction: a case series. Clin J Am Soc Nephrol 2013; 8:392.

2-Domanovits H, Paulis M, Nikfardjam M, et al. Acute renalinfarction. Clinical characteristics of 17 patients. Medicine (Baltimore) 1999;78:386.

3-Textor SC. Renovascular hypertension and ischemic nephropathy. Brennerand Rector?s The Kidney 11th edition 2020.

4- Safian RD, Textor SC. Renal-artery stenosis. N Engl J Med2001; 344:431.

5- Whelton PK, Carey RM, Aronow WS, et al. 2017ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention,Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults: AReport of the American College of Cardiology/American Heart Association TaskForce on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol 2018; 71:e127.

Conecte-se

Feed

Sobre o MedicinaNET

O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.

Medicinanet Informações de Medicina S/A

Cnpj: 11.012.848/0001-57

info@medicinanet.com.br


MedicinaNET - Todos os direitos reservados.

Termos de Uso do Portal

×
×

Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.